O direito administrativo vem passando por acelerada mudança em seus paradigmas. Outrora centrado em conceitos clássicos (embora nem sempre tangíveis), como supremacia e indisponibilidade do interesse público, a área vem se curvando à realidade: há fatos da vida sensível, como crises ambientais e dinâmicas sociais, que impactam diretamente na vida de toda a coletividade. As questões que decorrem desses fatos demandam respostas complexas, que não têm solução por meio de imposições estatais, mas devem ser concertadas entre os mais diversos segmentos da sociedade, como empresas, sociedade civil, entidades do terceiro setor, entre outros. É o caso das recentes práticas relacionadas à consensualidade administrativa, cujos limites e possibilidades ainda estão sendo definidos pela interação público-privada.

O conceito de “sociedade do risco”, cujo maior expoente foi o sociólogo alemão Ulrich Beck, é uma matriz teórica possível para explicar a mudança nos paradigmas clássicos do direito administrativo. Para esse autor, o desenvolvimento tecnológico acelerado que marca a atualidade traz, de um lado, melhorias na qualidade de vida dos cidadãos, mas, de outro, gera riscos (especialmente ambientais) cujos reflexos podem assumir escala global. As capacidades para mitigação desses riscos escapam das atribuições tradicionais das instituições, como é o caso do Estado, e dos mecanismos convencionais para resolução de problemas, como o exercício do poder extroverso pela Administração Pública. A produção de bens de consumo em larga escala, a exploração da energia nuclear ou as atividades mineradoras entregam bens essenciais à vida em sociedade, mas acarretam riscos potenciais ou atuais que igualmente podem atingir a todos, e com consequências que nem sempre estão devidamente equacionadas.

Nesse sentido, é cada vez mais comum a concertação de interesses entre o Estado e particulares, com a relativização de princípios como a indisponibilidade e a supremacia do interesse público, que classicamente são utilizados como fundamentos para submissão dos particulares aos interesses titularizados pelo Estado, para (em aparente paradoxo) maximizar a busca do interesse público, seja na prevenção de danos (gerenciamento de riscos), seja na busca de soluções caso esses danos efetivamente ocorram (gestão de crises). A Administração Pública flexibiliza sua posição fiscalizatória e sancionatória em busca de papéis mais participativos e gerenciais na efetiva solução dos problemas, em especial para os fenômenos de grande repercussão ambiental e social.

A atuação consensual, caracterizada especialmente pela celebração de acordos bilaterais ou multilaterais, que contemplam tanto os interesses específicos titularizados pela Administração Pública como os interesses individuais legítimos e protegidos pelo ordenamento jurídico, já está presente no ordenamento jurídico há anos, a exemplo do Decreto Lei 3.365/41 (acordo em desapropriação), do Decreto 94.714/87 (celebração de termos de compromisso) e do microssistema de direitos difusos e coletivos (termos de ajustamento de conduta), mas atingiu seu ponto de inflexão apenas recentemente.

Um exemplo é a Lei 13.140/2015, que cria arcabouço jurídico sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Ela prevê a possibilidade de a União e unidades federativas constituírem câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos entre órgãos e entidades da Administração ou entre a Administração e particulares.

Na esteira desse desenvolvimento normativo, as alterações recentes ao texto da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei 4.657/42) consolidaram o modelo de controle consensual da Administração Pública, mediante a criação de mecanismos bilaterais, como a celebração de “compromissos com os interessados”, voltados a soluções jurídicas proporcionais, equânimes, eficientes e compatíveis com os interesses gerais. A celebração desses ajustes também tem-se revelado uma ferramenta inovadora no gerenciamento de risco e gestão de crises, em oposição às medidas contenciosas tradicionais.

A disciplina jurídica e a adoção de mecanismos consensuais nas práticas administrativas evidenciam a relativização de uma relação rigidamente hierarquizada e entre a Administração e destinatários. Os mecanismos consensuais de solução de conflitos na reparação de eventos de grandes proporções criam um lócus para diálogo e definição de atribuições aos particulares responsáveis pela reparação dos danos, as necessidades da Administração e o interesse público. Um exemplo interessante dessas práticas são os acordos setoriais para logística reversa de resíduos sólidos, como embalagens plásticas para armazenamento de óleo lubrificante e lâmpadas fluorescentes, resíduos contaminantes dos lençóis freáticos e que colocam em risco a saúde de toda a coletividade. Essas modalidades de acordo revelam a importância do papel do Estado na definição e no monitoramento e avaliação das metas, bem na divulgação do acordo e das práticas aos demais setores da sociedade.

O gerenciamento de riscos de larga escala demanda diálogo estreito e transparente com os demais segmentos envolvidos, em que a negociação de soluções arrojadas seja um efetivo instrumento de política ambiental. E aos operadores do direito administrativo, seja no setor público ou privado, é fundamental desenvolver habilidades de leitura e construção de cenários de solução de conflitos e técnicas de negociação em ambientes mais cooperativos e horizontais.