Em tempos de ”superinformação” e de uma sociedade cada vez mais digital, em que basta uma pesquisa rápida em sites de busca para acessar qualquer conteúdo em qualquer lugar do mundo, as discussões envolvendo o direito ao esquecimento – que envolve a retirada de informações pessoais de plataformas digitais e meios de comunicação – e sua (in)compatibilidade com o direito à liberdade de imprensa se mostram cada vez mais complexas.

As discussões ganharam ênfase no cenário jurídico mundial em 2014, com o importante precedente firmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em caso envolvendo o direito de uma pessoa ter seu nome excluído de pesquisas feitas por meio de plataformas de busca que a relacionavam a matérias jornalísticas que, embora noticiassem fatos verdadeiros, estariam gerando prejuízos a sua vida pessoal.[1]

Com base nesse precedente, o Tribunal Europeu reconheceu o direito de um indivíduo ter seus dados pessoais apagados da internet.[2]

No Brasil, devido à ausência de legislação específica, o debate sobre o direito ao esquecimento tem sido delineado pelas Cortes Superiores.

Em dezembro de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.961.581/MS, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi. O caso teve como pano de fundo a adequação ou não, com base no instituto do direito ao esquecimento, de se impor a veículos de mídia a obrigação de excluir matérias jornalísticas sobre prática de crime do qual o recorrido foi posteriormente inocentado.

Aplicando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento de fevereiro de 2021 (Tema 786), entendeu-se que o direito ao esquecimento, por ser incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não justifica a imposição da obrigação de exclusão de publicações veiculadas na mídia, desde que os fatos nelas tratados não extrapolem os limites do direito à liberdade de imprensa.

O STJ deu provimento ao recurso especial por considerar que o direito à liberdade de imprensa previsto no artigo 220, §1º, da Constituição Federal não foi exercido com abuso. Para a ministra relatora, embora a imprensa não esteja absolutamente vinculada à divulgação de fatos incontroversos, é preciso que haja uma atuação diligente e cuidadosa tanto na averiguação quanto na divulgação em si, para que se atenda, no mínimo, ao requisito da verossimilhança.

E não é só: além de atender aos requisitos de veracidade e pertinência, segundo os quais os veículos de comunicação devem fornecer informações relevantes para o convívio social, a atividade jornalística tem o compromisso de resguardar os direitos da personalidade, ou seja, não pode, sob hipótese alguma, ser exercida com o objetivo de “difamar, injuriar ou caluniar”.

Para os ministros da Terceira Turma do STJ, o direito à liberdade de imprensa é a regra e somente poderá ser mitigado quando o conteúdo veiculado for inverídico, não relevante ao convívio social e/ou viole os direitos da personalidade do indivíduo objeto da notícia. Nesse sentido, em que pese o recorrido tenha sido posteriormente absolvido do crime pelo qual foi acusado, não havia dúvidas sobre a veracidade e o interesse público da informação divulgada à época (2009) pela recorrente, por se tratar de fato relativo à esfera penal. Além disso, o recorrido não alegou em momento algum que a notícia tinha o objetivo de ofender a sua honra.

A partir desse julgamento, a Terceira Turma do STJ atualizou o posicionamento daquela Corte, baseando-se no entendimento do STF, pois, em julgados anteriores, a Quarta e a Sexta Turma já haviam conferido validade ao direito ao esquecimento, conceituando-o como “(...) direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado”.[3]

Para as Cortes Superiores, portanto, o fator preponderante para privilegiar ou não o direito ao esquecimento consiste no fato de o exercício do direito à liberdade de imprensa ter sido considerado legítimo ou ilegítimo, em função da existência ou não de violação aos direitos da personalidade da parte.

Destaque-se, ainda, que as abordagens da Terceira Turma do STJ e do STF diferem da que foi adotada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o que, por si só, demonstra a complexidade do tema e indica que as discussões envolvendo o direito ao esquecimento continuarão a ser levadas aos tribunais brasileiros, apesar da incompatibilidade jurídica apontada pelo STF entre esse direito e a Constituição Federal.

De todo modo, é inquestionável o avanço do tema no Poder Judiciário brasileiro e sua relevância em nossa sociedade, na medida em que, a despeito de o direito à liberdade de imprensa não ser considerado absoluto, ele deve prevalecer sempre que exercido com respeito aos princípios da ética e da boa-fé. O que resta agora é acompanhar como o Poder Legislativo se comportará diante das mudanças que ocorrem a todo o momento na sociedade da informação, cada dia mais dinâmica, e se essas mudanças forçarão nossas cortes superiores a rever a aplicação do instituto do direito ao esquecimento.

 


[1] As notícias vinculadas ao nome do autor do processo diziam respeito ao leilão de imóveis em razão do não pagamento de tributos.

[2] Site Conjur – Direito de apagar dados e a decisão do tribunal europeu no caso Google Espanha

[3] HC 256.210/SP, rel. ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 3.12.2013; EDcl no REsp 1121199/SP, rel. ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27.3.2014.