A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recentemente o Recurso Especial (REsp) 1.801.518/RJ, no qual se discutiu, entre outras questões, a legitimidade do Ministério Público (MP) para promover a liquidação e a execução coletiva de sentença na tutela de interesses ou direitos individuais homogêneos previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso em discussão, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) ajuizou ação civil pública (ACP) em face de incorporadora, para que a empresa revisasse cláusula contratual que previa a retenção de parcelas pagas em caso de desistência da aquisição de imóvel (entre 75% e 90% para 25%). Também solicitava o reconhecimento do direito dos consumidores lesados à repetição em dobro do indébito. A ACP foi julgada procedente,[1] e a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) somente para afastar a repetição em dobro e o dano moral coletivo.

Com a sentença transitada em julgado, o MPRJ, além de requerer a condenação da incorporadora ao pagamento de multa (astreintes) pelo suposto atraso no cumprimento de decisão liminar deferida pelo Juízo em caráter incidental, iniciou o cumprimento coletivo da sentença, com fundamento no artigo 98 do CDC, referente à devolução simples dos valores devidos aos indivíduos lesados.

Ao ser intimada sobre o início da fase de execução, a incorporadora manifestou-se pela ilegitimidade do MP para promover a execução coletiva da sentença, o que restou afastado pelo Juízo de origem. A decisão foi objeto de agravo de instrumento, ao qual o tribunal local negou provimento.

Contra o acórdão, a ré interpôs o REsp 1.801.518/RJ, arguindo que apenas os consumidores lesados poderiam exigir o cumprimento da condenação. Tal entendimento foi acolhido pelo STJ, por unanimidade, confirmando visão anterior da Corte sobre o tema.[2]

Na concepção dos ministros do STJ, o interesse público que justificaria a atuação do MP na ação coletiva foi superado na fase de execução, restando ao parquet somente a hipótese da execução residual prevista no artigo 100 do CDC.

De acordo com o voto do relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, embora o artigo 98 do CDC admita a execução coletiva da sentença pelos entes legitimados no artigo 82 do CDC – entre eles, o MP –, na fase de execução da sentença já não há o interesse social previsto no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal a justificar a atuação ministerial, uma vez que o interesse jurídico, nessa fase, restringe-se ao âmbito patrimonial e disponível de cada um dos consumidores reconhecidamente lesados.

Nesse sentido, o ministro relator entendeu que, na fase de execução da sentença, a controvérsia sobre o caráter homogêneo do direito já se encontra superada. Desse modo, a sentença que reconhece direitos individuais homogêneos – hipótese do caso em análise – pode ser executada individualmente, conforme autoriza o CDC no art. 97.

Quanto à hipótese de execução residual prevista no artigo 100 do CDC, o ministro relator entendeu pela sua inaplicabilidade no caso em análise, uma vez que não teria transcorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados, nos termos do artigo. Assim, o relator declarou a ilegitimidade ativa do MP para iniciar a execução da sentença proferida em ação coletiva – sem prejuízo da execução residual, transcorrido o prazo legal.

O entendimento do STJ tem enfrentado críticas de alguns membros da comunidade jurídica, os quais entendem que a função jurisdicional não se esgota com o término da fase de conhecimento, sob pena de a satisfação de direitos coletivos reconhecidos pelo Poder Judiciário ser prejudicada. Desse modo, a relevância social da fase de execução justificaria a legitimidade do MP.[3]

Contudo, diante dos últimos julgados do STJ sobre a matéria, verifica-se uma tendência de consolidação do entendimento no sentido de que não há relevância social na fase de execução, razão pela qual o MP não tem legitimidade ativa para promover a execução coletiva de sentenças que tutelam direitos individuais homogêneos.

Recentemente, a matéria em discussão foi novamente enfrentada pelo STJ no julgamento do RE 1.758.708/MS. Naquela ocasião, a Corte Especial do STJ, à unanimidade, reiterou o posicionamento que vinha até então sendo adotado a respeito da ilegitimidade do MP para promover a execução coletiva de título executivo firmado em sede de ACP, como também entendeu que eventual pedido de liquidação coletiva da sentença pelo MP não interrompe prazo de prescrição para pedidos de liquidação de particulares.

Nesse contexto, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, entendeu que, como o MP não possui legitimidade para pedir liquidação individual em sentença coletiva, o prazo de prescrição para a pretensão individual não seria interrompido.

Diante de tal resultado, espera-se que os tribunais do país continuem observando o posicionamento adotado pelo STJ e afastem a legitimidade do MP para cumprimento de sentença em ação coletiva que tutela direitos individuais homogêneos.

 


[1]Antes do julgamento da ACP, o Juízo determinou que a incorporadora listasse os contratos firmados com os consumidores potencialmente lesados, sob pena de multa de R$ 1 milhão, em razão de descumprimento da ordem judicial.

[2] Cf. REsp 869.583/DF, 4ª Turma, relator min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5.6.2012.

[3] Tal entendimento está em consonância com a decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi (Resp 1.028.855/SC), na qual destacou-se que a alteração da redação de determinados artigos do Código de Processo Civil (CPC) – a exemplo dos arts. 162, §1º, 267, caput, 269, caput e 463, caput –, evidenciaria que o processo não se esgota, necessariamente, com a declaração do direito, e que a função jurisdicional somente se encerraria com a sua efetiva satisfação.