Com o intuito de tornar seus procedimentos arbitrais mais eficientes, flexíveis e transparentes, a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) fez atualizações em suas regras de arbitragem, que entraram em vigor no dia 1º de janeiro de 2021 (“Regulamento de Arbitragem”).

Desde 1923, a CCI atua como instituição arbitral e hoje é tida como a câmara com maior projeção internacional do mundo.[1] Suas regras são atualizadas periodicamente, e a última versão era de 2017. O novo Regulamento de Arbitragem apresenta pequenas alterações que foram propostas com o intuito de adequá-lo às novas tendências da arbitragem e tornar os procedimentos mais eficientes e flexíveis.[2]

As regras revisadas se aplicarão a todas as disputas submetidas à CCI desde 1º de janeiro deste ano, salvo disposição expressa em sentido contrário na convenção de arbitragem que fundamentar a instauração do procedimento arbitral.

Inclusão de partes adicionais

Com a inclusão do item “5”, o Artigo 7º do Regulamento de Arbitragem passou a prever expressamente a possibilidade de apresentação de pedido de inclusão de partes adicionais, mesmo após a constituição do tribunal arbitral. Nesse caso, a inclusão de novas partes dependerá da anuência delas à constituição do tribunal arbitral e ao termo de arbitragem que já tiver sido acordado entre as partes originais. O dispositivo prevê ainda que caberá ao tribunal arbitral constituído decidir sobre a sua jurisdição sobre a(s) parte(s) adicional(ais) e a conveniência de inclusão de nova(s) parte(s).

Em sua versão anterior, o Regulamento de Arbitragem (no item “1” do mesmo Artigo 7º) vedava a inclusão de partes adicionais após a indicação de algum árbitro, a não ser que houvesse consentimento de todas as partes. Com isso, era praticamente impossível incluir partes adicionais após a indicação do(s) árbitro(s), muito embora em muitos casos a participação de parte(s) adicional(ais) pudesse tornar o processo mais eficiente.

Consolidação de procedimentos arbitrais

Os itens “b” e “c” do Artigo 10 do Regulamento de Arbitragem, que antes previam a possibilidade de a Corte de Arbitragem consolidar duas ou mais arbitragens regidas pelo Regulamento de Arbitragem e oriundas da mesma convenção de arbitragem, sofreram pequenos ajustes e passaram a prever a possibilidade de consolidação de arbitragens oriundas de contratos distintos.

Revelação de financiamento de terceiros

Diante do uso cada vez mais frequente de financiamento de terceiros na arbitragem internacional e dos debates em torno do dever de revelar a existência de tal financiamento, a CCI optou por incluir no Artigo 11 do Regulamento de Arbitragem o item “7”, que institui a obrigação de divulgação de terceiros com quem a(s) parte(s) tenha(m) celebrado contrato de financiamento.

A revelação da existência de terceiro com interesse econômico na causa é fundamental para que os árbitros possam avaliar eventuais conflitos de interesse.

Nomeação do tribunal arbitral pela Corte

Com a inclusão do item “9” no Artigo 12, o Regulamento de Arbitragem passou a conferir à Corte da CCI poderes expressos para nomear todos os integrantes do tribunal arbitral em situações excepcionais – nomeadamente, sempre que se fizer necessário para “evitar risco significativo de tratamento desigual e injustiça” –, sem prejuízo aos acordos celebrados entre as partes sobre a constituição do tribunal arbitral.

Com isso, vislumbra-se que serão evitadas possíveis impugnações a árbitros e ações anulatórias sob o argumento de tratamento desigual das partes quando da constituição do tribunal arbitral.

Representação das partes

Entre as medidas adotadas para mitigar os riscos de conflitos de interesses, o Artigo 17 também foi alterado e o Regulamento de Arbitragem passou a prever que (i) as partes devem comunicar qualquer mudança na sua representação imediatamente (item “1”); e (ii) o tribunal arbitral poderá adotar as medidas que entender necessárias para evitar conflitos de interesse decorrentes de mudanças na representação das partes e preservar a sua independência e imparcialidade, podendo inclusive determinar a exclusão de novos representantes constituídos pelas partes após a formação do tribunal arbitral (item “2”).

Audiências virtuais

O item “1” do Artigo 26 do Regulamento de Arbitragem, que dispunha apenas sobre a necessidade de notificar as partes com razoável antecedência da designação de audiências, passou a prever expressamente que tanto as partes quanto o tribunal arbitral poderão requerer a realização de audiências e, ainda, que o tribunal arbitral poderá determinar se a audiência será realizada presencial ou remotamente, via videoconferência, telefone ou qualquer outro meio de comunicação que considerarem apropriado.

Árbitro de emergência

Foi excluída a previsão de que as disposições sobre o árbitro de emergência (Apêndice V do Regulamento de Arbitragem) não são aplicáveis quando as partes tiverem convencionado a aplicação de algum outro procedimento pré-arbitral (antigo item “6”, “c”, do Artigo 29 do Regulamento de 2017), de modo a ampliar as hipóteses de recurso ao árbitro de emergência.

 

Lei aplicável a disputas relacionadas à administração da Corte

Foi incluído o Artigo 43, que prevê que quaisquer disputas relacionadas à administração de procedimentos arbitrais pela Corte da CCI com base no Regulamento de Arbitragem deverão ser submetidas ao Tribunal Judiciário de Paris e serão regidas pela lei francesa.

Outras mudanças relevantes

Além das mudanças detalhadas acima, merecem destaque as seguintes alterações ao Regulamento de Arbitragem:

Arbitragens oriundas de tratados de investimento:

  • Nenhum árbitro poderá ser da mesma nacionalidade que qualquer uma das partes em arbitragens oriundas de tratados de investimentos (Artigo 13 (6)); e
  • As regras de árbitro de emergência não se aplicam às arbitragens oriundas de tratados de investimentos (Artigo 29 (6)(c)).
  • O Artigo 36 do Regulamento de Arbitragem foi alterado para prever que, além de poder pleitear a correção de eventuais erros na sentença arbitral, as partes poderão requerer a prolação de uma sentença adicional sobre eventuais pedidos que o tribunal arbitral tenha deixado de enfrentar em sua sentença arbitral original.
  • Foi incluído o Artigo 5º no Apêndice II do Regulamento de Arbitragem para prever que as partes poderão solicitar à Corte que divulgue a fundamentação das suas decisões sobre (i) a existência da convenção de arbitragem (Artigo 6º, item “4” do Regulamento de Arbitragem); (ii) a consolidação de procedimentos (Artigo 10); (iii) a indicação do presidente do tribunal arbitral ou de todos os árbitros (Artigo 12, itens “8” e “9”); (iv) impugnações contra árbitros (Artigo 14); e (v) a substituição de um árbitro por iniciativa da própria Corte (Artigo 15, item “2”). Apesar da nova regra geral ser a de transparência, o item “2” do Artigo 5º prevê de forma genérica que, em “situações excepcionais”, a Corte poderá optar por não comunicar os fundamentos dessas decisões.
  • O Artigo 2º do Apêndice VI do Regulamento de Arbitragem foi alterado para ampliar o escopo de casos que podem ser regidos pelas regras de arbitragem expedita. Agora, arbitragens envolvendo valores de até US$ 3 milhões serão, em regra, regidas pelas regras de arbitragem expedita, que foram criadas com o intuito de tornar tais procedimentos mais céleres. Até então, o teto era de US$ 2 milhões.

Acesse o novo regulamento de arbitragem da CCI em inglês aqui. A versão comparada dos regulamentos de 2017 e 2021 está disponível aqui.


[1] Conforme relatório de estatísticas da arbitragem internacional da CCI divulgadas em julho de 2020 (referentes ao ano de 2019), a Corte registrou 869 novos casos em 2019, envolvendo partes de 147 países e territórios independentes. Em dezembro de 2019, a Corte registrou seu 25.000º caso.

O resumo das estatísticas de 2020 está disponível em inglês em: https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-releases-2019-dispute-resolution-statistics/ [Acesso em 01.02.2021]

[2] Conforme anunciado pela própria CCI em sua nota divulgação das novas regras de arbitragem: https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-unveils-revised-rules-of-arbitration/ [Acesso em 01.02.2021]