A cidade de São Paulo foi sede, no mês de maio, da 22ª Conferência Anual Internacional do The Dispute Resolution Board Foundation (DRBF), instituição presente em todos os continentes, dedicada ao estudo e aplicação dos dispute boards (ou comitês de prevenção e solução de disputas).

Foram muitos debates profícuos sobre esse método de resolução de disputas que tem se mostrado extremamente eficaz e ganhado cada vez mais importância para resolver conflitos e diminuir a litigiosidade associada à execução de contratos complexos de longa duração, em especial no setor da construção civil.

Conceito e tipos de dispute boards

Os dispute boards são comitês, painéis ou conselhos formados por um ou múltiplos profissionais independentes, que contam com a confiança das partes e são designados para acompanhar a execução de contratos e contribuir para o seu efetivo cumprimento.

Quando, no curso da execução do contrato, surge uma divergência entre as partes relacionada a direitos patrimoniais disponíveis, o dispute board é acionado para emitir opiniões ou pareceres, com recomendações que podem ou não ser acatadas pelas partes. O comitê também pode ser acionado para proferir decisões de caráter vinculante sobre o objeto da controvérsia. Trata-se, portanto, de uma forma rápida, eficiente e, em geral, mais econômica de prevenir disputas ou saná-las antes do surgimento de um efetivo litígio.

O dispute board pode ser constituído na celebração do contrato que será fiscalizado pelo próprio comitê (nessa hipótese, o comitê poderá acompanhar a execução do contrato de forma permanente) ou, ainda, quando surgir uma controvérsia, já no curso da execução do contrato. A segunda modalidade é conhecida como ad hoc.

A competência do dispute board decorre da aplicação do princípio da autonomia da vontade das partes, que outorgam aos integrantes do comitê os poderes necessários para opinar sobre a execução do contrato ou para solucionar eventuais controvérsias entre as partes.

Segundo o mesmo princípio, as partes têm liberdade e ampla flexibilidade para disciplinar a forma e os limites da atuação do dispute board a ser instituído, podendo, inclusive, adaptar modelos existentes de dispute board às necessidades específicas da sua relação contratual.

Dependendo dos limites dos poderes outorgados pelas partes ao dispute board, portanto, o comitê poderá fazer meras recomendações (na forma de opiniões ou pareceres) quanto à maneira de solucionar controvérsias ou emitir decisões contratualmente vinculantes às partes.

A primeira modalidade é comumente denominada Dispute Resolution Board (DRB) e tem origem no direito norte-americano. A segunda, que se originou na Europa, é chamada de Dispute Adjudication Board (DAB). Há, ainda, um terceiro modelo que combina os dois outros. É o denominado Combined Dispute Board (CDB).

Origem e crescimento no Brasil

Os dispute boards foram criados nos Estados Unidos a partir de uma demanda da indústria da construção civil por formas mais céleres, informais e econômicas de solucionar as controvérsias (pontuais ou mais espinhosas) que surgem na execução dos contratos de construção civil – conhecidos pela sua especificidade técnica, complexidade e longa duração.

Com o acompanhamento do andamento da execução do contrato pelo comitê e a sua pronta atuação para prevenir ou solucionar disputas, evita-se o acirramento dessas controvérsias e a instauração de litígios, que geram custos enormes e outros prejuízos para as partes contratantes e terceiros.

Devido ao caráter técnico de muitas das controvérsias oriundas de contratos de construção, é comum que as partes que atuam nesse meio nomeiem técnicos para atuar nos seus disputes boards. A expertise desses profissionais independentes contribui muito para a condução eficiente dos trabalhos e a obtenção de resultados céleres e satisfatórios.

Com o sucesso dos dispute boards no setor da construção civil, esses comitês começaram a ser cogitados em outras situações. Seu uso passou a ser aconselhável em diversas modalidades de relações contratuais lastreadas em acordos complexos e de longa duração.

No Brasil, o uso de dispute boards é mais recente e ainda não adquiriu a importância que poderia ter, mas o tema vem ganhando destaque nos debates sobre meios extrajudiciais de prevenção e resolução de conflitos e até mesmo a atenção do legislador. A previsão é que tenha cada vez mais relevância.

Em 2018, o município de São Paulo foi pioneiro na autorização e regulamentação do uso de dispute boards em contratos com o poder público, ao editar a Lei Municipal 16.873/18, que autorizou a instalação dos denominados Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados celebrados pela prefeitura de São Paulo.

Mais recentemente, a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21) também passou a autorizar expressamente a constituição de comitês de resolução de disputas para solucionar controvérsias oriundas dos contratos administrativos regidos pela mencionada lei, como já abordado em artigo anterior. Trata-se de questões relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações” (paragrafo único do art. 151 da Lei de Licitações).

Diante do reconhecimento da importância, conveniência e legalidade do uso de dispute boards, até mesmo em contratos administrativos, e dos casos de sucesso envolvendo esse instituto no Brasil, diversas câmaras especializadas de arbitragem no país seguiram a tendência lançada por câmaras internacionais e passaram oferecer serviços de administração de dispute boards, além de editar regulamentos específicos sobre a atuação desses comitês sob sua administração.

É o caso do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem e da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Ciesp/Fiesp, por exemplo.

Vantagens do uso de dispute boards

como visto, o uso de dispute boards – em especial em setores que exigem agilidade e segurança jurídica na solução de controvérsias que surgem normalmente na execução de contratos continuados – oferece para as partes contratantes a opção de verem suas desavenças solucionadas de forma célere e eficiente, antes mesmo da instauração de litígios judiciais ou arbitrais – que, não raro, acabam por paralisar o andamento do contrato e exigem das partes o gasto de grandes recursos financeiros e humanos.

Os dispute boards contribuem, portanto, para a redução de custos. Isso inclui aqueles associados à paralisação da execução do escopo do contrato subjacente (seja pela incapacidade das partes de seguirem com a execução sem solução prévia do impasse ou até mesmo por determinação judicial ou arbitral) e os conhecidos custos associados aos litígios (tanto judiciais quanto arbitrais).

A nomeação de especialistas independentes e com notório conhecimento sobre o objeto do contrato para fiscalizar a sua execução também contribui para a emissão de recomendações ou decisões adequadas do ponto de vista técnico e que, portanto, tendem a ser acatadas pelas partes. Essa é mais uma demonstração de como os dispute boards podem ajudar a evitar litígios e a diminuir custos.

Além disso, a solução rápida para as controvérsias que surgem no dia a dia ajuda a preservar a relação das partes contratantes, mitigando os riscos de rompimento dos contratos por desgaste da relação. Nesse sentido, a instauração do dispute board desde o princípio da relação contratual e o acompanhamento do contrato pelo comitê desde o início da sua execução mostram-se especialmente vantajosos.

Por outro lado, convém destacar que os custos de manutenção de um dispute board geralmente são baixos em comparação ao orçamento do projeto a ele relacionado.

De acordo com dados da DRBF – The Dispute Resolution Board Foundation, os custos de manutenção de um dispute board em projetos de construção variam tipicamente entre 0,05% do custo total do projeto (para projetos envolvendo poucas controvérsias) e 0,25% do custo total (nos projetos em que surgem um maior número de disputas ou disputas mais complexas). Assim, a nomeação de um dispute board normalmente se revela uma medida com bom custo-benefício.

Diante desse cenário, apesar de ser necessária a análise da relação contratual do caso concreto, a utilização do dispute board, em geral, tem potencial benéfico para os contratantes, que poderão ter suas divergências tratadas de forma célere e por especialistas, poupando tempo e recursos para concluir o contrato.