Neste segundo artigo da série "Games, gambling e eSports Law: o que você precisa saber?" abordamos os aspectos jurídicos dos games e jogos eletrônicos.

Games. Nessa categoria são consideradas as práticas e os jogos eletrônicos que têm como elemento principal o entretenimento dos usuários, independentemente do tipo de jogo: esportes, ação, aventura, estratégia, role playing games (RPG), corridas, simuladores etc.

A quantidade de usuários, perfil dos jogadores (crianças, adolescentes, adultos, idosos) e mesmo as plataformas utilizadas (consoles, computadores, smartphones, tablets, entre outros) não são elementos relevantes para categorizar a prática como games ou jogos eletrônicos.

Documentos do Parlamento Europeu, por exemplo, propõem classificar os games como:

  • videogames: categoria mais ampla que envolve os games jogados em dispositivos móveis e outros – como computadores e consoles.
  • mobile games: categoria de games jogados em dispositivos móveis – como smartphones e tablets.
  • on-line games: categoria que engloba todos os games em que há elementos jogados de forma on-line. Permite, por exemplo, a interação entre jogadores nos jogos multiplayer.

Se o game envolver, além do entretenimento, os elementos que caracterizam a prática de gambling (identificados mais adiante na nossa série de artigos), será enquadrado nessa categoria para fins de regulação, conformidade e riscos.

Marco Legal dos Games (Projeto de Lei 2.796/21). A Câmara dos Deputados aprovou esse projeto de lei em outubro de 2022. O texto propõe a regulamentação da fabricação, importação, comercialização e do desenvolvimento de jogos eletrônicos no País. O projeto está em apreciação no Senado Federal.

A criação do Marco Legal dos Games é relevante para a segurança jurídica do setor. Traz definições importantes, propõe iniciativas de fomento, reforça o papel do Estado como incentivador do segmento e faz justiça ao equiparar o tratamento tributário dos jogos eletrônicos ao dos produtos de informática.

Reconhece também o crescimento dos eSports (ver abaixo) e incentiva a criação de cursos técnicos e a inovação. Propõe ainda estabelecer limites legais para as práticas, desde que elas não se caracterizem estritamente como jogos de azar.

Fantasy games. Trata-se de uma subcategoria dos games. De forma virtual, são escaladas equipes ou grupos fictícios, utilizando-se, como referência, pessoas ou empresas reais. Os resultados de jogos reais influenciam diretamente os resultados e ganhos dos jogos eletrônicos.

Além do elemento de entretenimento, os resultados e ganhos ou prêmios dos jogos eletrônicos – que podem ser exclusivamente financeiros – refletem o que acontece na realidade. Em alguns casos, elementos de gambling ou de jogos de azar estão presentes. Quando isso ocorre, essas práticas ficam caracterizadas.

Os mais conhecidos são os chamados fantasy sports, em que os jogadores escalam equipes fictícias compostas por atletas profissionais do mundo real. Nesses jogos, são utilizadas estatísticas acumuladas das performances de atletas, equipes e resultados reais.

Um dos exemplos mais conhecidos dessa categoria no Brasil é o Cartola FC, operado pela empresa Globo Comunicação e Participações S.A. O jogo Rei do Pitaco é outro exemplo. No exterior, há muitos jogos desse tipo, entre eles: o NBA Fantasy e o NFL Fantasy, nos Estados Unidos, e o Fantasy Premier League, na Inglaterra.

eSports. Nessa modalidade estão os chamados esportes eletrônicos, em que os jogadores competem em games de forma profissional. São verdadeiras competições esportivas. Os jogadores atuam como atletas profissionais, competem entre si – individualmente ou em grupos – e são assistidos por uma grande audiência – presencial ou remotamente – em plataformas ou até mesmo em canais de esporte.

Entre os principais profissionais envolvidos, destacam-se os:

  • pro players (aqueles que exercem a função competitiva e jogam diretamente – os rostos das equipes);
  • treinadores (responsáveis por treinar os pro players e equipes);
  • designers (responsáveis pela criação e gestão das identidades visuais dos times);
  • analistas de dados (responsáveis pela análise de dados e produção de estatísticas para as equipes);
  • profissionais de social media (responsáveis pelas mídias sociais dos times); e
  • managers (responsáveis pela coordenação administrativa e operacional das equipes).

Trata-se de um mercado forte e em franca expansão, no qual o Brasil ocupa uma posição de destaque. As relações associadas à prática têm impactos comerciais altamente relevantes e demandam cada vez mais providências legais, para garantir a segurança jurídica necessária para seu desenvolvimento.

Em termos de regulação jurídica, não há uma definição de “eSport” noPaís ou uma regulação específica para as práticas.

A Lei Pelé (Lei Federal 9.615/98) define, em seu art. 1°, que o “desporto brasileiro abrange práticas formais e não formais” e define a prática desportiva formal como aquela “regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto” (Art. 1°, §1°).

Já a prática desportiva não formal é definida como aquela “caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes” (Art. 1°, §2°).

A lei, portanto, delega a definição aos regulamentos específicos das entidades responsáveis ou, por outro lado, aceita práticas genéricas baseadas na vida cotidiana das pessoas.

Este ano, foi aprovada a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/23), que não tratou do tema e definiu como esporte “toda forma de atividade predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por objetivo a prática de atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento esportivo ou o entretenimento.” (Art. 1°, §1°).

Paralelamente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 70/22, que propõe a regulação da prática esportiva eletrônica. De acordo com o substitutivo aprovado este ano, a prática seria incluída na Lei Geral do Esporte e o eSport ou esporte eletrônico definido como “a atividade que demanda exercício eminentemente intelectual e destreza, em que pessoas ou equipes disputam modalidade de jogo virtual, com regras predefinidas, por meio da internet ou conjunto de computadores em rede”.

No próximo artigo da série, vamos tratar de outros dois temas fundamentais: as chamadas loot boxes e as práticas play-to-earn.