O Comitê de Política do Consumidor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e seu Working Party de Segurança do Produto de Consumo realizou pesquisa com marketplaces e autoridades governamentais de diversos países – incluindo a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), no Brasil.[1]

A ideia foi entender e reunir práticas adotadas pelos ecossistemas on-line de comercialização de produtos e serviços de proteção ao consumidor, explorar melhor seus modelos de negócios e identificar questões comuns que, de alguma forma, interferem ou podem interferir na proteção aos consumidores em marketplaces. O estudo está disponível e é importante fonte de melhores práticas adotadas para mitigar riscos de responsabilização.

Em linhas gerais, o marketplace se caracteriza como um espaço virtual para compra e venda de produtos que, normalmente, inclui parcerias com outros lojistas, para criar um shopping virtual. Cada parceiro utiliza o espaço como sua vitrine de anúncio de produtos, possibilitando aos  consumidores ter acesso a uma diversidade de anunciantes em um mesmo portal.

Confirmando aquilo que observamos nos marketplaces atuantes no país, a pesquisa identifica que os principais incômodos dos consumidores estão associados a:

  • práticas de publicidade;
  • golpes;
  • problemas na resolução de disputas;
  • produtos falsificados;
  • produtos inseguros;[2]
  • termos e condições injustos;
  • atrasos no recebimento de mercadorias; e
  • classificações e comentários falsos.

Essas práticas precisam ser abordadas para reduzir os riscos jurídicos e reputacionais delas decorrentes.

A maioria dessas situações, segundo a pesquisa global, ocorre devido a problemas enfrentados pelos consumidores com:

  • delivery, já que os produtos são entregues com atraso ou sequer são enviados;
  • produtos diferentes da foto utilizada no anúncio; e
  • problemas envolvendo pagamentos ou fraudes de natureza financeira.

A pesquisa também confirma uma das grandes dificuldades encontradas pelos marketplaces: a relação com os terceiros vendedores (comumente chamados de sellers), que divulgam os seus produtos na plataforma.

Segundo o estudo, a maioria dos marketplaces instrui os sellers antes mesmo do primeiro anúncio, além de oferecer suporte e até mesmo treinamentos sobre como melhorar o serviço ao consumidor. Esses cuidados visam estreitar a relação com os sellers e, de alguma forma, tentar padronizar o serviço fornecido, para evitar condutas inadequadas ou irregulares (como fraudes).

A pesquisa aponta como conjunto de práticas jurídicas recomendáveis:

  • produção de documentos robustos para os sellers, indicando o que pode ou não ser feito (como fazer os anúncios, quais os níveis adequados de logística, separação clara de responsabilidades etc);
  • adoção de procedimentos de due diligence rigorosos para participação dos sellers nas plataformas e o aprimoramento de outros mecanismos de governança interna;
  • condução de treinamentos e entrega de materiais de comunicação assertivos e funcionais, a fim de reforçar a consciência dos vendedores sobre os riscos;
  • desenvolvimento de mecanismos (inclusive por meio de algoritmos) precisos de classificação dos sellers, que possam refletir a credibilidade dos vendedores e permitam identificar desvios de padrão e possíveis riscos;
  • uma estrutura robusta de soluções de discussões e divergências que englobe consumidores e vendedores, para reduzir os conflitos e mitigar situações que possam gerar demandas judiciais.

O estudo também buscou entender como as autoridades governamentais vêm cooperando com os marketplaces para reforçar a defesa do consumidor, as dificuldades enfrentadas em relação ao tema, quais atividades de engajamento têm sido feitas entre as partes para educar e orientar, quais as iniciativas recentes de monitoramento das atividades, os estudos de mercado e as ações de aplicação legal.

Entre as respostas, alguns pontos se destacam:

  • a maioria dos países participantes desenvolveu material educacional de orientação para compra e venda on-line, visando orientar vendedores e consumidores;
  • a maioria dos países participantes realizou atividades de monitoramento e regulação específica envolvendo mercados on-line;
  • vários países participantes relataram que implementaram ou têm considerado implementar reformas legislativas relativas ao tema.

A pesquisa contou com a participação da Senacon, que destacou algumas iniciativas brasileiras para aprimorar as soluções de conflitos envolvendo consumidores e marketplaces:

  • criação do Conselho Nacional do Combate à Pirataria, que capitaneia as iniciativas antipirataria no Brasil e é responsável pela elaboração e manutenção do Plano Nacional de Combate à Pirataria – o conselho conta com um grupo de trabalho específico para o tratamento do assunto da pirataria em âmbito digital, especialmente no comércio eletrônico;
  • elaboração, no contexto do Plano Nacional de Combate à Pirataria, da Cartilha de Boas Práticas do E-Commerce, com indicações de condutas a serem adotadas pelos marketplaces para resguardar e garantir os direitos de consumidores, especialmente com relação à prevenção de comercialização de produtos contrafeitos;
  • criação, na linha do Plano Nacional de Combate à Pirataria, do Guia de Boas Práticas e orientações para a implementação de medidas de combate à pirataria pelo poder público, pelos titulares de direito, pelas associações e pelos provedores de serviços de pagamento, com o objetivo de inviabilizar ou dificultar o recebimento de receitas oriundas da venda de bens, dispositivos e serviços, em violação à propriedade intelectual; e
  • estabelecimento do gov.br, que, apesar de não ser inteiramente direcionado a relações de consumo com marketplaces, vem ganhando cada vez mais tração entre os usuários dessas plataformas como método de resolução de disputas.

Além disso, o estudo mencionou a iniciativa do Tribunal de Justiça de São Paulo relativa à criação do selo “Empresa Amiga da Justiça”,  que conhecidos marketplaces atuantes no Brasil vêm conseguindo obter.

É conveniente que essas práticas e iniciativas sejam acompanhadas de perto pelos marketplaces brasileiros, para que fiquem sempre a par das melhores iniciativas apontadas pelas autoridades e potenciais benefícios proporcionados por sua adoção.

O assunto é de extrema importância e tem se tornado ainda mais relevante com a digitalização dos mercados e a economia de plataformas. Além da consciência dos riscos, é fundamental adotar boas práticas que comprovem a diligência na proteção dos consumidores e a eficácia para mitigar riscos.

 


[1] No Brasil, a pesquisa também contou com a participação do Inmetro e da Anatel.

[2] “Produtos inseguros”: são aqueles que oferecem riscos (à saúde ou à segurança dos consumidores) em níveis superiores àqueles razoavelmente esperados diante da própria natureza do referido produto.