Promulgada em julho, a Lei 14.620/23 trouxe inovações em relação ao Programa Minha Casa, Minha Vida do governo federal e alterou diversas leis correlatas. Entre elas, a Lei 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), que determina as regras para o parcelamento do solo urbano.

A principal inovação é a possibilidade de se instituir o patrimônio de afetação em loteamentos. Até então, o instituto era aplicável somente a empreendimentos submetidos ao regime de incorporação imobiliária.

O patrimônio de afetação surgiu após famoso caso de falência de uma incorporadora, em meados da década de 1990. O objetivo foi proteger os compradores de imóveis de possíveis fraudes ou dificuldades financeiras enfrentadas pelo empreendedor. Sua instituição visa garantir que o dinheiro dos compradores seja usado apenas no empreendimento e que as unidades autônomas sejam concluídas e entregues.

O patrimônio de afetação estabelece uma separação financeira e contábil dos bens do empreendedor e cria um patrimônio exclusivo para o empreendimento. O instituto foi previsto pela Lei 10.931/04, que incluiu o Capítulo I-A na Lei 4.591/64 (Lei de Incorporações).

Antes da Lei 14.620/23, só era possível usar o patrimônio de afetação em empreendimentos com registro de incorporação imobiliária no cartório.

Recentemente, o rol de aplicação aumentou. Isso porque a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, passou a ser considerada uma forma de incorporação imobiliária. Ou seja, as casas isoladas ou geminadas também passaram a ser passíveis de afetação.

A Lei 14.620/23, no entanto, foi ainda mais inovadora, não limitando o uso do instituto ao empreendedor incorporador. Com a nova legislação, os loteamentos também poderão ser submetidos ao regime de afetação.

O mecanismo permite que o terreno, a infraestrutura e os demais bens e direitos a ele vinculados sejam separados do patrimônio do loteador. Assim, eles passam a constituir um patrimônio autônomo, destinado à conclusão do respectivo loteamento.

O patrimônio do loteador que optar por submeter o loteamento ao regime de afetação, portanto, não se comunicará com o patrimônio do empreendimento.

Essa é uma vantagem para os compradores, já que, em caso de falência do loteador, os recursos pagos por eles não poderão ser afetados por eventual procedimento de recuperação judicial ou falência.

Em relação a aspectos gerenciais, como o patrimônio afetado apenas poderá ser utilizado para a realização do empreendimento, quaisquer rendimentos a ele relacionados também deverão ser destinados ao empreendimento.

Nesse sentido, a Lei 14.620/23 prevê que os bens e direitos integrantes do loteamento somente poderão ser dados em garantia real em operações de crédito relacionadas à implementação da infraestrutura e à entrega dos lotes urbanizados aos adquirentes.

Além disso, na hipótese de cessão de direitos creditórios oriundos da comercialização dos lotes do loteamento, o produto dessa cessão também passará a integrar o patrimônio de afetação.

De acordo com a lei, a opção pelo patrimônio de afetação pode ser feita a qualquer momento. Basta realizar a averbação do termo firmado pelo loteador na matrícula-mãe do empreendimento.

Entendemos, portanto, que loteamentos já registrados, mas ainda não concluídos, também poderão ser submetidos ao regime de afetação.

No entanto, embora seja uma opção do loteador, o regime de afetação é irrevogável após a averbação do termo no cartório de registro de imóveis. Ele se extingue apenas nas hipóteses previstas em lei. Em relação aos loteamentos, o patrimônio de afetação se extingue:

  • pela averbação, na matrícula do imóvel, do termo de verificação emitido pelo órgão público competente;
  • pelo registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos adquirentes; e
  • pela extinção das obrigações do loteador com eventual instituição financiadora da obra.

Dessa forma, enquanto as obras de infraestrutura do empreendimento estiverem em curso, a separação patrimonial se mantém.

De acordo com a Lei 10.931/04, em empreendimentos submetidos ao regime de incorporação, a opção pela afetação garante ao incorporador a adesão ao regime especial tributário (RET). Com base nesse regime, o incorporador tem acesso a diversos benefícios fiscais, em especial, o pagamento de tributos em alíquota unificada de 4% da receita mensal recebida.

Já no que se refere aos loteamentos, embora a Lei 14.620/23 tenha permitido a opção pelo patrimônio de afetação, o legislador não previu a possibilidade de adesão ao RET. É provável, portanto, que a adesão ao regime em loteamentos venha a ser objeto de discussões. Há argumentos de que a sua aplicação somente seria possível mediante a alteração do arcabouço legislativo hoje vigente.

Diante das vantagens conferidas pela Lei 14.620/23, entendemos que as inovações legais representam um avanço para o setor imobiliário. Elas atendem a um pleito antigo dos loteadores, trazendo maior segurança jurídica tanto para o empreendedor quanto para os adquirentes dos futuros lotes.

A ampliação do escopo da ferramenta já conhecida no meio poderá fomentar novos negócios, atrair investidores para o setor e deverá ser considerada uma opção pelos empreendedores que desejarem expandir sua atuação.