Desde o seu advento em 1992, a Lei de Improbidade Administrativa, Lei Federal 8.429, vem evoluindo, seja pela interpretação dos nossos tribunais ou por reformas legislativas, na busca de um difícil equilíbrio: de um lado, combater o mau agente público e, portanto, dissuadir o comportamento desonesto ou o descaso com os princípios que regem a Administração Pública; de outro, não coibir o agente público bem-intencionado de, no exercício de suas funções, tomar decisões que visem ao melhor interesse público, ainda que tais decisões não se mostrem as mais efetivas ou acertadas no futuro.

Durante os primeiros anos em que a lei vigorou, prevalecia a percepção de haver menor combate à impunidade. O pêndulo foi se deslocando para um gradual endurecimento da norma. Leis de 2005, 2014 e 2015, por exemplo, acrescentaram novos itens às listas não taxativas de atos de improbidade associados ao enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10º) ou violação dos princípios da Administração Pública (art. 11). Tribunais fixaram jurisprudência admitindo o dolo meramente genérico para os atos de improbidade então baseados em conduta necessariamente dolosa (arts. 9º e 11). Bastava assim que o agente público tivesse incorrido voluntariamente numa conduta vedada, independentemente de má-fé ou propósito específico.

O endurecimento da Lei de Improbidade teve seu ápice durante a Operação Lava Jato, que gerou um grande número de demandas e condenações.

Entretanto, se uma dose crescente de rigor à lei contribuiu para reduzir a percepção de impunidade do gestor público mal-intencionado, por outro lado gerou um grave e indesejável efeito colateral: a paralisia administrativa. Mesmo o agente público zeloso prefere não tomar decisões, com receio de que elas sejam questionadas pelos órgãos de controle e desencadeiem processos de responsabilização pessoal.

Esse apagão das canetas traz grandes prejuízos à Administração Pública, aos agentes privados e à sociedade, pois projetos são paralisados e serviços públicos precariamente prestados.

Como reação a esse cenário, em abril de 2018, a Lei 13.655, batizada Lei da Segurança Jurídica, introduziu novos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Entre as inovações para o tema aqui analisado, destaca-se o artigo 28, segundo o qual o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas (apenas) em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Inspirada nesse artigo, a Lei 14.230/21 reforçou o combate à mencionada paralisia administrativa. Ela trouxe nova redação à Lei de Improbidade para, entre outras mudanças, afastar os ilícitos culposos, impondo sanções apenas às condutas dolosas. A Lei 14.230/21 parece ter ido além da própria Lei 13.655/18, pois sequer referiu-se ao erro grosseiro.

Diversas outras mudanças promovidas pela nova lei também caminharam para abrandar a Lei de Improbidade. Entre elas, destacam-se:

  • A conduta dolosa deverá envolver o propósito específico de alcançar o resultado ilício (art. 1º, §§2º e 3º), afastado, portanto, o dolo genérico;
  • As sanções também foram atenuadas. Por exemplo, na sua redação anterior, a Lei de Improbidade previa multas de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial indevido, sem prejuízo da obrigação de reparar o dano. A Lei 14.320/21 reduziu a multa, como regra, para o valor do acréscimo patrimonial;
  • Um mesmo ato ilícito não poderá dar ensejo a sanções civis e administrativas na Lei de Improbidade e em outras leis. Assim, por exemplo, os atos apenados pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846) não poderão ser apenados pela Lei de Improbidade (art. 12, §7º);
  • Os danos causados por ato lesivo ao patrimônio público devem agora ser comprovados efetivamente, e não mais meramente presumidos (art. 17-C, I);
  • A competência para a propositura da ação de improbidade passa a ser atribuída somente ao Ministério Público, e não mais à entidade pública lesada.

As profundas mudanças promovidas na Lei de Improbidade vêm provocando aplausos e fortes críticas. Ainda é cedo para saber como nossos tribunais reagirão e interpretarão a nova redação da lei e se ela, com o tempo, alcançará ou não um melhor equilíbrio entre o combate à impunidade e a defesa do agente público bem-intencionado.