O Governo Federal publicou, em 7 de agosto, o Decreto nºº9.957/19, que regulamenta o procedimento para relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário. As regras complementam as disposições do Capítulo III da Lei nºº13.448/17, que já previa a possibilidade de relicitação, mas carecia de regulamentação específica, fato que vinha causando apreensão em vários agentes, sobretudo aqueles ligados aos setores rodoviário e aeroportuário.

O novo decreto detalha os requisitos que precisarão ser atendidos pelos interessados em pleitear a relicitação – na prática, a devolução do empreendimento ao Poder Público, que se encarregará de realizar um novo procedimento licitatório para manter a regularidade na prestação dos serviços.

O requerimento deverá ser instruído com uma série de informações e documentos de natureza técnica. O objetivo do governo é coletar justificativas e elementos que permitam identificar a real necessidade e viabilidade do procedimento de relicitação. Entre os detalhes a serem fornecidos pelos interessados estão:

  • informações sobre bens reversíveis;
  • instrumentos de financiamento;
  • contratos vigentes com terceiros;
  • situação dominial das áreas afetadas pelo empreendimento; e
  • eventuais controvérsias judiciais, administrativas ou arbitrais envolvendo o contratado e o poder concedente.

Além dessas informações, os interessados deverão demonstrar de maneira fundamentada as condições propostas para garantir a continuidade e a segurança dos serviços até a conclusão do procedimento de relicitação e transferência do empreendimento para o novo contratado.

O detalhamento na descrição das informações e documentos que instruirão o requerimento não se repete nos artigos que abordam como será feita a avaliação de tais informações pelo poder concedente e seus órgãos. A Seção II do decreto se limita a tratar das competências de cada órgão, deixando transparecer certo grau de subjetividade sobre o processo de deferimento ou não do pedido.

Por exemplo, o requerimento de relicitação será analisado de forma preliminar pela agência reguladora competente pelo setor, a quem caberá verificar a viabilidade técnica e jurídica do requerimento. Após a manifestação da agência reguladora, o requerimento será enviado ao Ministério da Infraestrutura, incumbido de analisar a compatibilidade entre o pedido de relicitação e o escopo da política pública formulada para o setor correspondente. É especificamente nesse trecho que a redação abre margem para diversas interpretações, pois falta uma identificação clara dos critérios a serem observados pelo Poder Público ao proferir suas decisões, sejam elas concessórias ou denegatórias do direito de relicitar.

Após a manifestação do Ministério da Infraestrutura, o processo será encaminhado para deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, ao qual caberá opinar, antes da deliberação do presidente da República, sobre a conveniência e a oportunidade da relicitação, em um claro exercício do poder discricionário que é conferido à Administração Pública.

Uma vez verificada a viabilidade da relicitação, o poder concedente suspenderá eventuais processos de caducidade e celebrará com o relicitante um termo aditivo que regulamentará toda a sua atuação até a conclusão do processo relicitatório e a celebração de novo contrato.

O termo aditivo conterá uma série de requisitos que deverão ser observados pelo relicitante, sob pena de desqualificação do empreendimento, fato que implicaria a imediata instauração ou retomada de processo de caducidade e o restabelecimento dos encargos e obrigações existentes antes da celebração do aditivo. Entre os requisitos obrigatórios do aditivo destacam-se:

  • não reduzir o capital social;
  • não oferecer novas garantias em favor de terceiros, exceto as comprovadamente essenciais e após aprovação da agência reguladora;
  • não alienar, ceder, transferir, dispor ou constituir quaisquer gravames sobre os bens e direitos vinculados ao empreendimento, exceto os justificados e após aprovação da agência reguladora; e
  • não requerer falência, recuperação judicial ou extrajudicial da sociedade de propósito específico.

É inegável que o decreto representa uma mudança significativa e terá reflexos práticos, sobretudo nas discussões em torno do processo de recuperação judicial da concessionária Aeroportos Brasil Viracopos e outras do setor rodoviário que já expressaram a intenção de devolver empreendimentos. As consequências ainda são incertas, mas os agentes dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário certamente encontrarão um novo cenário jurídico e, principalmente, econômico ao longo dos próximos anos.