“O setor elétrico brasileiro foi desenhado com um modelo para um país em crescimento. As regras do setor não tinham uma resposta para a crise econômica”
Paulo Pedrosa, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia

 

O governo federal anunciou, em janeiro, a intenção de realizar ainda este ano um leilão específico para a descontratação de energia de reserva – disputa ainda inédita no país – diante da previsão de sobra estrutural de 8,4 GW médios de energia (diferença entre oferta física e a carga do sistema) em 2018 e da expectativa de que poucos novos projetos de geração de energia conseguissem sair do papel. Trata-se de mais um movimento para adequar as regras do setor ao cenário de estagnação econômica, o chamado “realismo setorial”.

As regras gerais do leilão estão no Decreto nº 9.019, de 30 de março de 2017, que alterou o Decreto nº 6.353/2008 para permitir a descontratação de energia de reserva mediante realização de mecanismo competitivo. O critério para a definição do(s) vencedor(es) da disputa levará em conta o preço negociado nos respectivos leilões de reserva (vantajosidade da descontratação), associado ao pagamento de prêmio.

O prêmio, por sua vez, será depositado na Conta de Energia de Reserva (Coner) e deverá ser utilizado para pagar a energia que permanecerá contratada. O detalhamento das regras, no entanto, ainda não foi divulgado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e deverá ser definido em breve pela Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE), assim como o montante a ser descontratado.

Até o momento, sabe-se que serão elegíveis à descontratação os empreendimentos cuja energia tenha sido contratada em leilão de energia de reserva e que atendam, cumulativamente, às seguintes condições na data de publicação do edital do mecanismo de descontratação:

  • I - estarem com o Contrato de Energia de Reserva (CER) vigente; e
  • II - não terem iniciado operação em teste.

Os vencedores do certame terão:

  • i. seus contratos de energia distratados, assim como aqueles associados ao uso das instalações de transmissão e de distribuição dos empreendimentos
  • integrantes da proposta vencedora, sujeitando-se a eventuais custos destes decorrentes;
  • ii. suas habilitações ao Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) canceladas; e
  • iii. de renunciar a qualquer direito a eventual indenização decorrente do instrumento contratual rescindido.

A rescisão do CER será automática para os contratos relativos a uma única usina. No caso de CER com mais de uma usina, o contrato deverá ser aditado para contemplar a redução de montantes vendidos em parcela equivalente aos empreendimentos integrantes da proposta, sem aplicação da multa rescisória.

A garantia de fiel cumprimento dos empreendimentos descontratados também será liberada e, com relação à manutenção das outorgas, que era dúvida para boa parte do setor, o decreto estabelece que serão automaticamente extintas as outorgas dos empreendimentos descontratados. Nada é informado sobre os empreendimentos que tiverem seus montantes parcialmente reduzidos. A lógica no caso deles demanda a manutenção das outorgas, requisito indispensável à validade dos compromissos.

O decreto traz importante e controverso dispositivo sobre a possibilidade de os vendedores com empreendimentos descontratados participarem de leilões de reserva futuros.

O § 8º do novo artigo 7-A do Decreto nº 6.353 estabelece que “os vendedores que tiverem suas propostas homologadas pela Aneel ficarão impossibilitados de participar dos dois leilões de contratação de energia de reserva subsequentes à realização do mecanismo de descontratação”. O parágrafo seguinte vai além, prevendo que tal proibição poderá ser estendida “aos controladores, às subsidiárias e às empresas controladas dos vendedores que tiverem suas propostas homologadas pela Aneel, nos termos do edital do mecanismo de descontratação”.

Numa primeira análise, a restrição parece severa demais. De um lado, segundo o secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, a norma busca coibir movimentos “oportunistas” de venda da energia de um projeto descontratado por um valor mais alto em novo leilão. De outro lado, porém, estender essa proibição aos controladores, às subsidiárias e às empresas controladas acionistas, ou mesmo ao próprio vendedor (que pode ser titular de direitos relativos a outros empreendimentos em diferentes estágios), é impor penalidade a quem aderir de forma voluntária à descontratação, com ônus talvez muito maior do que a própria rescisão culposa dos CER.

Como as regras provavelmente serão submetidas à discussão pública entre agentes e regulador, espera-se que as limitações a futuras participações em leilões de reserva venham a ser adequadas à finalidade da norma, evitando-se restrições desproporcionais ao exercício da atividade econômica desses agentes.

As respostas dadas pelo regulador aos anseios do setor têm se mostrado adequadas e, quando implementadas tempestivamente, eficientes. No entanto, a morosidade na adoção das medidas continua sendo a maior inimiga dos avanços esperados. Esperava-se, por exemplo, que o leilão de descontratação fosse realizado ainda em abril de 2017. Até o momento nem o edital foi aprovado, nem mesmo o montante a ser descontratado foi divulgado.

O receio de todos é que, pela demora na implementação, as ações acabem por se tornar inadequadas à realidade em constante evolução do país. Isso impossibilitaria a ruptura do sistema normativo-reativo, tão prejudicial à já abalada estabilidade jurídica e regulatória do setor, prejudicando a atração de novos investimentos e o crescimento econômico.