A notícia que estampava a capa de todos os grandes jornais do Brasil em 2008 era a de que o país havia ganhado um “bilhete premiado” ao confirmar as gigantescas reservas de petróleo na camada do pré-sal.

De fato, 15 anos depois, essas reservas hoje produzem mais de 3 milhões de barris por dia (80% da produção nacional), com expectativa de receitas diretas para o governo na casa de R$ 1,5 trilhão, um número fantástico sob qualquer ponto de vista.

Além das imensas contribuições, as detentoras de campos no pré-sal têm a obrigação legal de assegurar um percentual mínimo de conteúdo nacional em todas as aquisições de bens e serviços e promover anualmente investimentos bilionários em projetos de pesquisa e desenvolvimento nacional.

Ao longo da última década, entretanto, fora do eixo que envolve as bacias petrolíferas de Campos e Santos, o Brasil não teve sucesso na abertura de novas fronteiras exploratórias.

Todas as tentativas do governo federal, por meio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foram frustradas por um elemento muito particular: o “risco Brasil” – que mistura burocracia crônica e judicialização excessiva (e, muitas vezes, inconclusiva).

Vejamos dois exemplos:

Shale gas – Em 2013, a ANP tentou colocar o Brasil no mapa global do shale gas, ao promover uma rodada de licitações com foco em recursos não convencionais. A reação da indústria foi excepcional e dezenas de blocos exploratórios foram arrematados em regiões até então ignoradas pelo setor – e, sem dúvida, carentes de investimentos estruturantes, como o interior de Minas Gerais e do Mato Grosso.

Entretanto, o tempo logo virou e houve uma tempestade de liminares judiciais em diversas varas de primeira instância no país, o que resultou na suspensão dos contratos de concessão e impediu que qualquer investimento tivesse seguimento.

Algumas dessas liminares – que, por suas características, deveriam ser medidas provisórias – perduram até hoje em processos que sequer avançaram para a segunda instância após uma década.

Nesse vaivém de avanços e retrocessos em relação aos blocos arrematados, muitas das empresas fecharam as portas ou, no caso das estrangeiras, deixaram o país sem esperança de navegar em águas tranquilas.

Nesse mesmo período, nossa vizinha Argentina – às voltas com desafios políticos ainda mais complexos que os nossos – foi capaz de colocar de pé uma indústria de shale gas pujante, com expectativas concretas de se tornar uma exportadora de gás no futuro próximo.

Margem equatorial – O segundo exemplo tem sido a tentativa da ANP, ao longo da última década, de promover investimentos na margem equatorial brasileira, ofertando áreas promissoras que vão desde o litoral de Pernambuco até o Amapá.

Em várias rodadas de licitação, o setor reagiu positivamente e arrematou dezenas de blocos, pagando bilhões em bônus de assinatura apenas pela oportunidade de pesquisar essas áreas.

Até hoje, porém, nenhuma empresa conseguiu avançar em seus projetos na margem equatorial, sobretudo pela impossibilidade de conseguir licenças ambientais. A última licença para perfuração na margem equatorial foi concedida em 2015 para um poço de águas profundas no Rio Grande do Norte.

É importante destacar que não é apenas a negativa de licenças que importa. Também contam a falta de perspectiva de avançar com esses projetos e a morosidade dos órgãos em emitir qualquer sinalização sobre o futuro do empreendimento ao agente interessado.

Deixando de lado os tecnicismos jurídicos, na prática, a mensagem recebida pelos investidores é a de um país que vive uma crise de identidade. Um problema que alimenta a insegurança jurídica constante e desencadeia uma série de efeitos nocivos que impedem o Brasil de realizar todo o seu potencial como um gigante energético de nível global – tanto na exploração de petróleo e gás como no papel de propulsor de uma transição energética segura e constante.

O mesmo país oferece, com uma mão, as concessões petrolíferas (e cobra caro por isso). Com a outra mão, toma essas áreas de volta, pela via indireta, na medida em que torna a viabilidade da atividade impossível ou imprevisível.

É importante rebatermos de antemão o argumento corriqueiro de que esse impasse decorre, na verdade, de uma incapacidade das empresas de atender às exigências do órgão ambiental. Seria um argumento factível, caso a situação se limitasse a poucos casos ou a empreendedores isolados.

Entretanto, a realidade mostra que mesmo empresas conhecidas por práticas ambientais robustas e validadas em âmbito nacional e internacional se veem incapazes de avançar em seus processos de licenciamento.

Essa mensagem dúbia se traduz, uma vez mais, em insegurança jurídica e corrói a capacidade do Brasil de atrair novos investimentos no setor.

Vale lembrar que a indústria de petróleo é de caráter global. Grandes empresas têm à sua disposição um portfólio de oportunidades que não se limita ao Brasil. Quando o país cria obstáculos, essas empresas buscam imediatamente países mais receptivos.

A visão estratégica da Guiana

Com uma visão estratégica dessa característica global dos investimentos na indústria de óleo e gás, a Guiana, país vizinho com uma população menor do que o município de Guarulhos (SP) e com potencial petrolífero confirmado, não para de sinalizar publicamente que tomará todas as medidas necessárias para tirar o melhor proveito das descobertas gigantes que tem feito em sua costa.

Considerando apenas as descobertas já confirmadas até o presente momento (que aumentam continuamente), são 11 bilhões de barris recuperáveis, o que pode colocar o país na elite dos produtores mundiais gerando riquezas comparáveis àquelas do pré-sal brasileiro.

Recentemente, a Guiana anunciou sua primeira rodada de licitação de novos blocos petrolíferos. No mesmo período, o país anunciou uma revisão ampla do marco legal com o objetivo de tornar as regras mais claras e seguras para investidores.

Na área judicial, nos últimos meses vimos o governo do país, por meio de seu órgão ambiental, se mobilizar em defesa de uma das maiores empresas norte-americanas do setor petrolífero em uma disputa judicial que questionava a adequação da sua cobertura de seguros. A derrota dos argumentos da empresa poderia afetar a continuidade dos investimentos no curto prazo.

Essa mobilização representou um sinal inequívoco de que o governo da Guiana reconhece a importância estratégica do projeto para o país e se coloca como parceiro para viabilizar soluções que conciliem a continuidade dos investimentos com a preservação ambiental.

Meio ambiente e segurança energética

E qual seria o motivo da tal crise de identidade que o Brasil vive há quase uma década?

Em um país tão complexo, nada pode ser resumido em poucas linhas. Seguramente existem diversas explicações possíveis – e muitas delas corretas – para explicar por que o Brasil é frequentemente considerado o país das oportunidades perdidas.

Vamos, porém, nos limitar a abordar e discutir o problema da ausência de diálogo aberto, honesto, amplo e preparado para escutar e assimilar posições que podem divergir das nossas convicções iniciais. Uma iniciativa que tenha como objetivo principal chegar a políticas públicas e posturas governamentais que equacionem três fatores fundamentais: preservação ambiental, segurança energética e equidade energética no caminho da transição.

Essa falta de diálogo, especialmente entre as diversas esferas de poder que se relacionam com a indústria do petróleo, tem impedido o Brasil de conciliar os vários interesses públicos em uma política energética robusta, segura e ampla. Uma política que precisa envolver diferentes agentes e contar com a ação coordenada deles em diversas frentes, em um projeto de longo prazo.

É inquestionável que o mundo precisa migrar para uma nova lógica energética baseada em fontes menos poluentes e mais sustentáveis.

Também é sabido que o Brasil tem uma capacidade invejável para ser protagonista nessa missão, partindo de uma matriz energética já amplamente renovável e apoiado em potencialidades que não estão disponíveis para a maioria dos outros países.

Não existe controvérsia com relação às nobres missões relativas à preservação do meio ambiente, proteção de biomas sensíveis, redução de emissões de carbono e controle do aquecimento climático.

Por outro lado, também é indiscutível que cada uma dessas missões envolve um esforço homérico em âmbito global, que exige negociações intermináveis entre países muitas vezes antagônicos, além de investimentos estimados em trilhões de dólares (sim, trilhões, um número que sequer estamos acostumados a escutar e cuja grandeza não conseguimos assimilar com naturalidade).

Mesmo nas estimativas mais positivas, se esses esforços forem efetivamente colocados de pé, somente irão começar a produzir efeitos significativos dentro de 30 anos. Projeções da indústria mostram que, nos melhores cenários, em 2050 o mundo reduzirá o percentual fóssil da matriz energética de 81% para cerca de 35% (o que não necessariamente significa redução da produção da combustíveis fósseis, já que a demanda energética global segue crescendo em ritmo acelerado e as novas fontes de energia acabam servindo para atender esse crescimento).

Esse cenário, mesmo sinalizando uma redução da atividade petrolífera, ainda mostra uma demanda global de petróleo de 94 milhões de barris de petróleo por dia em 2050. Assim, tanto o Brasil, país continental, quanto o mundo seguirão demandando petróleo em volumes substanciais.

Certos de que todos nós apoiamos os esforços de transição energética, a pergunta que se impõe é: como garantir que a nossa transição energética – que já está ocorrendo – seja feita de forma segura, contínua, igualitária e estratégica?

O que o Brasil quer ser: produtor ou comprador de petróleo?

Se é certo que o Brasil e o mundo precisarão de petróleo em grandes volumes nas próximas décadas, temos que decidir se o país quer ser um produtor ou um comprador desse petróleo. Não existe alternativa.

Precisamos lidar com uma verdade difícil, mas que deve ser enfrentada e debatida dentro do diálogo aberto que propomos: a decisão do Brasil de não abrir novas fronteiras exploratórias não vai acelerar a transição energética ou reduzir o aquecimento global.

Como dissemos, a demanda por petróleo, nacional e global, segue uma dinâmica própria e não aumenta ou reduz em função da decisão de um país isoladamente produzir mais ou menos petróleo. Em outras palavras, a demanda global por petróleo independe de decidirmos, como país, se seguiremos produzindo ou não nas próximas décadas.

Por esse motivo, se o Brasil não for capaz de realizar novas descobertas e desenvolver novos campos, em 10 ou 15 anos a nossa produção tende a ficar abaixo da demanda nacional e o país voltará a ser um importador líquido de petróleo.

Nesse cenário, cada vez mais próximo, iremos nos tornar importadores de petróleo produzido em outros países. Ocorre que, nessas circunstâncias, o país perderá não apenas acesso às riquezas geradas pela indústria como também o controle sobre a forma como esse petróleo é produzido.

As mesmas previsões mencionadas acima apontam que, em 2050, a demanda global por petróleo será sustentada pela produção de países como Irã, Iraque, Nigéria, Venezuela, Arábia Saudita e Rússia.

Além das diferenças políticas e ideológicas que distanciam o Brasil de muitos desses países, boa parte deles carece de uma regulação ambiental confiável e rigorosa como a brasileira, capaz de dar segurança a uma atividade exploratória alinhada aos princípios de preservação ambiental que norteiam a transição energética global.

Um exemplo emblemático é a situação ambiental na Nigéria, com grandes áreas da bacia hidrográfica do rio Níger transformadas em pântanos de piche devido a anos de vazamento nos dutos de petróleo. Em 2022, uma unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência (FPSO, na sigla em inglês) explodiu na costa do país sem que o fato sequer tomasse as manchetes de grandes jornais.

Além disso, os campos de águas profundas atualmente em produção no Brasil seguem um marco regulatório robusto, com regras rígidas de segurança operacional e exigências ambientais entre as mais rígidas do mundo.

O resultado é que, em todos esses anos de operações intensas em águas ultraprofundas e de altíssima complexidade, não houve nenhum incidente grave no país. Também é notório que as empresas de petróleo têm se mostrado, por força de lei e por políticas internas do Brasil, grandes financiadoras de projetos voltados à preservação ambiental e melhoria das condições socioeconômicas de comunidades locais.

Na margem equatorial, assim como em bacias terrestres no interior do país, o desenvolvimento de novos polos produtores tem o potencial de gerar riquezas para aquelas comunidades que são as mais necessitadas.

Do ponto de vista estratégico, o diálogo aqui proposto poderia colocar as empresas de petróleo como parceiras da transição energética (observados os fatores de preservação ambiental, segurança energética e equidade energética) e propulsoras fundamentais do desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais.

Negar às empresas a oportunidade de desenvolver novas fronteiras petrolíferas no Brasil é alijar do processo de transição energética parceiros relevantes, com capacidade financeira e tecnológica imprescindíveis. Além de deixar à margem do desenvolvimento socioeconômico comunidades inteiras, que, a exemplo do que tem ocorrido historicamente, não terão acesso igualitário ao processo de transição energética.

Ignorar a realidade dos fatos não pode ser uma alternativa. Deixar de explorar e produzir petróleo no Brasil não vai acelerar a transição energética, nem proteger o meio ambiente. Apenas vai exportar os riscos que envolvem essas atividades para países com mecanismos de proteção muito menos avançados que os nossos.

Ao mesmo tempo, toda a geração de riqueza (que tem reflexos positivos em todas as esferas e camadas sociais) associada a essas atividades também será exportada.

Tudo o que expusemos aqui aparentemente já foi percebido pela pequena Guiana, que tem se mostrado pronta para capturar as oportunidades que o Brasil não cansa de perder.

O Brasil tem todo o potencial necessário para gerar e absorver ao máximo as suas riquezas energéticas. Por meio de políticas inteligentes, o país pode converter essas riquezas em desenvolvimento social e ambiental sustentável.

Essa janela de oportunidade, porém, está se fechando cada vez mais rápido e não vai esperar o Brasil resolver sua crise de identidade.