Após mais de seis anos em discussão, o Projeto de Lei nº 6.407/13 (PL do Gás) foi aprovado pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados no dia 23 de outubro. O texto altera dispositivos da Lei nº 11.909/09, que estabelece o marco legal do setor de gás natural no país.

Com a aprovação, o PL do Gás segue agora para análise de outras três comissões da Câmara: as de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça (a não ser que o processo seja posto no regime de urgência, e o PL siga diretamente para votação pelo plenário). Após a aprovação em definitivo pelas comissões, o projeto será submetido à análise do Senado.

O texto aprovado pela Comissão de Minas e Energia preservou a maior parte do último substitutivo ao projeto, apresentado no mesmo dia da aprovação. Entre as modificações, ressalta-se a exclusão do artigo 45 do substitutivo. O dispositivo previa que a participação da energia de fonte termoelétrica a gás natural nos leilões da Aneel deveria levar em conta o custo e a disponibilidade do combustível comercializado pelas distribuidoras de gás natural. No texto final, a definição dos preços-teto para energia termoelétrica ficaria a cargo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). De acordo com os deputados, a redação anterior do artigo era contrária à principal motivação do PL do Gás, que é a abertura do mercado.

Entre as principais modificações trazidas pelo PL do Gás, destacam-se:

  • A implementação de um modelo tarifário por entradas e saídas. No marco legal vigente, o transporte de gás natural tem modelos conhecidos como modelo postal ou ponto-a-ponto, nos quais o percurso da molécula desde o ponto de entrada no sistema até o ponto de saída é relevante para fins do contrato de transporte de gás natural. No novo modelo proposto pelo PL do Gás (modelo de entradas e saídas), o fluxo físico da molécula de gás é desvencilhado do seu fluxo contratual. Com esse novo modelo, comum no mercado europeu, a facilidade de comercialização em pontos distantes da rede deve gerar maior liquidez no mercado de gás natural.

  • A aplicação do regime de autorização para o transporte e a estocagem de gás natural. Atualmente, a atividade de transporte de gás natural pode ser exercida por concessão (para novos gasodutos) ou por autorização (para gasodutos existentes ou sendo implementados na época de promulgação da lei). No entanto, pelas dificuldades burocráticas do modelo de concessão, nenhum gasoduto foi construído nem operado por concessão desde a promulgação da lei vigente. No novo marco pretendido, a atividade de transporte de gás não mais será realizada por meio de concessão, apenas por autorizações. Do mesmo modo, a estocagem subterrânea de gás natural passaria a ser exercida no regime de autorizações com uma futura promulgação do PL do Gás.

  • A desverticalização da atividade de transporte de gás natural com outras atividades do setor. A fim de coibir o self dealing e preservar a concorrência no setor, o PL do Gás contém dispositivo que proíbe o transportador de gás natural de praticar diretamente atividades concorrenciais do setor (comercialização, produção, liquefação e importação) ou de ter participação societária direta ou indireta em sociedades que pratiquem essas atividades. A desverticalização de agentes já é realidade no Brasil na regulação do setor elétrico.

  • A criação de áreas de mercado e o reforço do aspecto de organização em rede do transporte de gás. Apesar de não contar mais com a criação de um agente específico para coordenar o transporte de gás em todo o território nacional (similar ao ONS no setor elétrico), como havia sido discutido no âmbito da iniciativa Gás para Crescer, o PL do Gás conta com dispositivos para as áreas de mercado, coordenadas por um gestor da área de mercado. O PL do Gás também conta com mecanismos de autorregulação para operacionalizar a interação entre os agentes do setor e o controle da rede de transportes (como códigos comuns de rede, criados pelos gestores da área de mercado).

  • A ampliação do rol de infraestruturas consideradas essenciais.No marco legal atual, apenas os gasodutos de transporte recebem o tratamento de estruturas essenciais. Isso faz com que seus operadores/proprietários devam conceder acesso a essas instalações para terceiros interessados, por meio do acesso regulado. Apesar de não ter proposto o acesso regulado a outras infraestruturas, o PL do Gás, com base na doutrina das essential facilities (já presente no Brasil em setores como energia elétrica, ferrovias e telecomunicações), prevê o acesso negociado e não discriminatório a outras estruturas do setor (ou seja, gasodutos de escoamento, unidades de processamento, terminais GNL e seus gasodutos integrantes). Essa alteração também busca ampliar a competitividade do setor para impedir a reserva de mercado pelos detentores dessas infraestruturas.

Apesar das mudanças trazidas pelo PL do Gás para a implementação do novo modelo de contratação de capacidade de transporte por entradas e saídas, o artigo 44 do próprio PL garante a preservação do equilíbrio econômico dos contratos vigentes na época de promulgação da nova lei.