O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou, em 25 de janeiro de 2022, a celebração de termo de compromisso no âmbito de processo administrativo sancionador (PAS CVM SEI 19957.011341/2018-77) movido contra administradores de uma empresa do setor de papel e celulose. A acusação era de violação do dever de diligência, conforme art. 153 da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas – LSA), e desvio de poder, nos termos do art. 154, §2º, pelo fato de os acusados terem assinado contratos de mútuo, representando a companhia, para transferência de recursos a seu diretor presidente.

A proposta de termo de compromisso foi feita pelos acusados de forma conjunta e após o decurso do prazo regulamentar para apresentá-la ou mesmo da manifestação do interesse em apresentá-la (ou seja, durante os 30 dias após a citação). A Procuradoria Federal Especializada junto à CVM (PFE-CVM) entendeu ser possível aceitar a proposta fora do prazo, diante da autorização concedida pela regulamentação,[1] o que foi ratificado pelo Comitê de Termo de Compromisso e pelo colegiado da autarquia.

O estatuto social e o acordo de acionistas da companhia impunham que a celebração, alteração ou extinção de contratos com partes relacionadas da empresa fossem aprovados previamente pelo Conselho de Administração (CA), aprovação que não foi obtida pelos administradores que assinaram os contratos de mútuo para transferência de recursos ao diretor presidente, no montante de R$ 24,5 milhões, conforme notas explicativas constantes das demonstrações financeiras.

Na assinatura dos contratos, teriam participado o diretor presidente (beneficiário dos recursos), o presidente do CA e mais dois diretores estatutários (diretor comercial e diretor florestal). Concluída a investigação realizada por meio de inquérito administrativo, a área técnica propôs responsabilizar o diretor presidente e o presidente do CA por desvio de poder,[2] pelo empréstimo de recursos da companhia sem autorização dos órgãos competentes. Os demais diretores foram acusados de violar o dever de diligência[3] por não terem verificado se os requisitos necessários para a assinatura dos contratos de mútuo haviam sido atendidos.

Inicialmente, a proposta de termo de compromisso contemplava pagamentos de R$ 350 mil para o diretor presidente e para o presidente do CA, e R$ 100 mil para cada um dos demais diretores. Manifestando-se sobre a proposta inicial, a PFE–CVM entendeu inexistir impedimento legal para a celebração do termo, pois estariam atendidos os requisitos de cessação da prática irregular e correção das irregularidades. No entanto, reforçou que a análise da suficiência dos valores propostos competiria ao Comitê de Termo de Compromisso, a quem cabe fazer o juízo de conveniência e oportunidade na celebração do termo.

Em primeira manifestação, o comitê entendeu que seria possível evoluir nas negociações com os diretores estatutários como forma de encerrar o PAS, por meio de um termo de compromisso, aumentando a proposta inicial para R$ 350 mil a serem pagos por cada proponente em parcela única. Na mesma ocasião, julgou não ser conveniente aceitar o pagamento individual de R$ 350 mil propostos pelo diretor presidente e pelo presidente do CA, considerando a diferença em relação ao valor que o comitê entendia ser razoável diante, inclusive, dos antecedentes dos acusados.

Durante a negociação, os diretores estatutários tentaram manter o valor proposto pelo comitê, mas com o pagamento parcelado, o que foi negado pelo órgão que manteve sua decisão inicial pelos próprios fundamentos. Na negociação com o diretor presidente e o presidente do CA, foi argumentado, em reunião com os membros do comitê, que os contratos de mútuo eram remunerados a taxas superiores àquelas contratadas em condições de mercado, os recursos já haviam sido restituídos à companhia e que, enquanto vigentes, os mútuos foram regularmente registrados nas demonstrações financeiras. Ainda assim, a proposta de multa pecuniária foi elevada para R$ 1,050 milhão em nova proposição do diretor presidente e do presidente do CA.

Na última reunião, o comitê reexaminou o caso diante da nova proposta e entendeu que o aprimoramento cumpria a suficiência de valores necessária em juízo de conveniência e oportunidade, já que “os fatos são anteriores à entrada em vigor da Lei n  13.506 de 14.11.2017” e havia “representatividade do montante oferecido, equivalente a 3 (três) vezes o valor negociado com cada um dos outros dois proponentes no processo”, justificando o “desfecho adequado e suficiente para desestimular práticas semelhantes, em atendimento à finalidade preventiva do instituto de que se cuida, inclusive por ter a CVM, entre os seus objetivos legais, a promoção da expansão e do funcionamento eficiente do mercado de capitais”.  O colegiado acompanhou o comitê e aceitou o acordo.

 

[1] Art. 84, Resolução CVM 45: “Em casos excepcionais, nos quais se entenda que o interesse público determina a análise de proposta de celebração de termo de compromisso apresentada fora do prazo a que se refere o art. 82, tais como os de oferta de indenização integral aos lesados pela conduta objeto do processo e de modificação da situação de fato existente quando do término do referido prazo, a análise e negociação da proposta pode ser realizada pelo Diretor Relator.”

[2] Art. 154, §2º, b e c: “É vedado ao administrador: (b) sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito; e (c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.”

[3] Art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”