Sociedades familiares se deparam com o tema da sucessão empresarial em algum momento, devido à morte ou à incapacidade do patriarca ou da matriarca ou ainda daqueles que fundaram a empresa e sempre estiveram à frente do negócio.

Caso não tenha havido um planejamento sucessório e patrimonial eficiente – algo que, infelizmente, ocorre na grande maioria dos casos – o falecimento do sócio pode deixar a empresa à deriva, em termos operacionais e societários, desencadeando potenciais conflitos, acirrados muitas vezes em razão do intervalo de tempo entre o falecimento do patriarca ou da matriarca e a efetiva partilha dos bens.

Espólio como titular das ações

Em sociedades anônimas, salvo acordos específicos entre os sócios, normalmente reguladas em acordos de acionistas, a transmissão das ações é livre. No intervalo entre o falecimento e a partilha, o acionista da companhia passa a ser o espólio, ao qual caberá o exercício de todos os direitos decorrentes dessa condição.

No cenário em que o espólio assume a titularidade das ações, essa condição deverá ser devidamente refletida no livro de registro de ações nominativas da companhia, para permitir o exercício dos direitos, o recebimento dos dividendos e a integralidade da condição de acionista. Isso porque a propriedade das ações se presume pela inscrição no livro.

Em relação às participações societárias, portanto, os herdeiros só se tornarão efetivos acionistas após a inscrição no livro de registro de ações, finda a partilha. No intervalo de tempo entre o falecimento e a inscrição, às vezes muito longo, os herdeiros podem acabar afastados da gestão social e do exercício de direitos de acionistas, inclusive do recebimento de dividendos.

Esse cenário pode dar início – ou aguçar – eventual litígio entre partes, tornando o inventário e a gestão das empresas mais desafiador e acarretando efetivos prejuízos às partes envolvidas.

Nesses casos, para além dos remédios jurídicos e de uma devida assessoria apta a enfrentar a complexidade do tema, espera-se que as partes sejam razoáveis e ajam de boa-fé, de modo a viabilizar alguma solução que melhor acomode todos os interesses.

Quando o herdeiro assume a função de inventariante

É comum que um dos herdeiros assuma a função de inventariante, responsável pela administração da herança e, portanto, esteja legalmente obrigado a representar os interesses dos demais herdeiros, arrecadar bens, pagar dívidas, prestar contas e realizar a partilha.

Nessa situação, o inventariante passa ainda a acumular os direitos e deveres decorrentes da posição do espólio e acionista na companhia, estando sujeito, inclusive, aos regimes de responsabilidade societária previstos em lei.

Considerando que o intervalo entre a abertura do inventário e a partilha pode ser longo, sobretudo em inventários judiciais, é possível que existam conflitos de interesse na posição do inventariante: seja entre o espólio e a sociedade ou entre os herdeiros que o inventariante representa.

No primeiro caso, é possível que, em algum momento, os interesses da sociedade e do espólio sejam conflitantes, seja em relação à cobrança de valores devidos de parte a parte ou na tomada de determinada decisão que envolva interesses contrapostos.

Nesses casos, caberá ao inventariante, agindo de boa-fé e com diligência, avaliar suas alternativas e tomar a melhor decisão, considerando as circunstâncias do caso concreto. Entre as medidas que o inventariante poderá tomar estão:

  • escolher determinada forma de atuação, ainda que represente algum tipo de prejuízo para o espólio ou para a sociedade – caso em que a decisão deverá ser devidamente fundamentada e tomada de forma diligente;
  • optar pela abstenção sobre determinada deliberação societária, preservando sua isenção em relação ao tema; ou
  • dividir a decisão com os demais herdeiros.

Em qualquer uma das alternativas, é importante que haja a devida assessoria para que sejam preservados os interesses das partes envolvidas.

Já no caso de conflito entre os herdeiros, a situação pode ganhar outras camadas de complexidade.

Como se sabe, com a abertura da sucessão, a herança é automaticamente transmitida aos herdeiros do falecido (artigo 1.784 do Código Civil, conhecido como princípio da saisine).

Na prática, porém, o processo de inventário e partilha é necessário para regular exatamente quais bens serão transmitidos a cada um dos herdeiros e viabilizar os procedimentos formais de transferência que são necessários em determinados casos, como bens imóveis e participações societárias.

Planejamento prévio pode facilitar a transição durante o inventário

Um bom planejamento de transição, com a definição prévia em relação aos sucessores que ficarão à frente da gestão da empresa e com o progressivo ingresso e atuação desses sucessores na gestão empresarial, tende a ser bastante positivo.

O impacto pode ser sentido tanto na perspectiva operacional, com a integração desses sucessores às rotinas da empresa, como na perspectiva societária, na medida em que eles tomem conhecimento e se engajem nos processos formais de tomada de decisão.

Em algumas situações, talvez não seja possível – ou mesmo desejável – permitir que todos os herdeiros participem do dia a dia da gestão empresarial. Já em outros casos, pode fazer sentido incluir esses herdeiros em órgãos não deliberativos ou conselhos consultivos, para que tenham voz ativa, ainda que não participem diretamente da gestão.

Em qualquer dos cenários, ter um planejamento sucessório sólido e estruturado e um regramento definido para o período do inventário pode tornar o processo mais eficiente e menos litigioso, preservando, em última instância, o funcionamento e os interesses das sociedades.