O número de brasileiros que estão deixando o Brasil de forma definitiva vem crescendo desde 2019, conforme demonstra o estudo conduzido pelo Ministério das Relações Exteriores relativo ao ano-base de 2022.

Em 2022, o número de brasileiros residindo no exterior chegou a 4,5 milhões. O estudo apontou ainda que a maior concentração de brasileiros residindo no exterior está nos Estados Unidos (45%), seguido de alguns países europeus, como Portugal, Reino Unido, Espanha, Alemanha e Itália (32%), e países da América do Sul, como Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia (14%).

Os motivos que justificam esses números são diversos, entre os quais a instabilidade econômica do país – acentuada após a pandemia de covid-19 –, o aumento da taxa de desemprego e a grande redução de investimentos nacionais e internacionais nos setores de engenharia e tecnologia.

Ainda em relação a 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou um relatório informando que mais de 15 mil brasileiros apresentaram a Declaração de Saída Definitiva do País. Em 2023, a RFB informou que foram apresentadas 19,5 mil declarações de saída por residentes brasileiros – um aumento de 23% comparado com o ano anterior.

Na prática, porém, esses números podem ser ainda maiores, considerando que nem todos os brasileiros que saem fisicamente do país apresentam a declaração de saída às autoridades fiscais.

Sob a perspectiva legal, de acordo com a legislação brasileira, nacionalidade e residência fiscal são conceitos que não se confundem. O Brasil adota o critério da jurisdição de nascimento para atribuir a nacionalidade. Já a condição de residente fiscal no país dependerá da qualificação da pessoa física em um dos seguintes critérios:

  • brasileiro que resida regularmente no Brasil;
  • brasileiro que adquiriu a condição de não residente no Brasil e retorne ao país com ânimo definitivo na data da chegada;
  • brasileiro que tenha se ausentado do Brasil em caráter temporário ou que se retirou em caráter permanente sem apresentar a Declaração de Saída Definitiva do País durante os primeiros 12 meses consecutivos de ausência;
  • estrangeiro portador de visto permanente;
  • estrangeiro portador de visto temporário para trabalhar com vínculo empregatício na data da chegada;
  • estrangeiro portador de visto temporário até a data em que completar 184 dias, consecutivos ou não, em um período de até 12 meses; e
  • estrangeiro portador de visto temporário até a data de obtenção do visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, em um período de até 12 meses.

A saída definitiva do Brasil, portanto, não implica perda da cidadania brasileira, assim como a cidadania brasileira não implica a situação de residente fiscal no país.

Saída definitiva do Brasil – Obrigações acessórias a apresentar na RFB

Sob a perspectiva tributária, os residentes fiscais no Brasil, sejam eles cidadãos brasileiros ou não, estão sujeitos à tributação em bases universais. Isso significa que os rendimentos e ganhos de capital obtidos por residentes fiscais no Brasil e exterior serão tributados no Brasil, independentemente da sua denominação, origem ou nacionalidade.

De acordo com os critérios para a atribuição da residência fiscal no Brasil descritos acima, na prática, a pessoa física que deixar o país sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País na RFB será considerada residente fiscal no Brasil durante os primeiros 12 meses contados a partir de sua ausência do país.

Consequentemente, a simples saída física do Brasil, sem a apresentação das obrigações acessórias para as autoridades fiscais brasileiras, não implica obtenção da condição de não residente fiscal no Brasil. Caso o indivíduo obtenha rendimentos de fontes pagadoras do exterior, continuará sujeito à tributação no Brasil, ainda que esses rendimentos sejam tributados na jurisdição de origem.

Para evitar a dupla tributação de sua renda, portanto, o brasileiro que deixar definitivamente o país deverá apresentar, necessariamente, duas obrigações na Receita Federal do Brasil: a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País.

Após o cumprimento dessas obrigações, a pessoa física poderá adquirir a condição de não residente fiscal no Brasil. Os procedimentos são os seguintes:

  Comunicação de Saída Definitiva do País Declaração de Saída Definitiva do País
Prazo A partir da data da saída definitiva (ou temporária) até o último dia do mês de fevereiro do ano-calendário subsequente. Até o último dia útil do mês de abril do ano seguinte ao da saída.
Forma de preenchimento Diretamente no site da RFB. Os dependentes que se retirarem do Brasil na mesma data do titular da Comunicação de Saída Definitiva do País devem ser indicados nesse mesmo documento. Por meio do programa da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
Imposto a pagar Não há. Eventual IRPF devido será apurado mediante a aplicação das alíquotas progressivas (7,5% a 27,5%), multiplicadas pelo número de meses em que a pessoa física tenha permanecido na condição de residente no Brasil no respectivo ano-calendário.
Penalidades Embora não haja imposição de multa pela não apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País, é obrigatória a entrega desse documento. Multa de 1% ao mês-calendário ou fração de atraso, calculada sobre o total do IRPF devido apurado na declaração (valor mínimo de R$ 165,74; o valor máximo é equivalente a 20% do IRPF devido).

Compensação do imposto pago no exterior com o imposto devido no Brasil e vice-versa

Não é incomum que um residente fiscal no Brasil tenha adquirido a mesma condição em outra jurisdição. Nesses casos, o contribuinte estará sujeito à tributação de seus rendimentos e ganhos no Brasil e na outra jurisdição (ou jurisdições).

O Brasil assinou acordos para evitar a dupla tributação com diversos países. Esses acordos devem ser considerados na avaliação dos impactos tributários decorrentes da condição de residente fiscal em mais de uma jurisdição.

Além disso, o Brasil firmou acordos de reciprocidade de tratamento para reconhecer a dedução do imposto de renda pago em outra jurisdição no imposto devido no Brasil e vice-versa.

Como previsto pelo Ato Declaratório SRF 28/00, por exemplo, o imposto pago nos Estados Unidos será compensável no Brasil e vice-versa, desde que observadas as regras e limitações impostas para tanto.

Embora a legislação não trate especificamente desse ponto, um dos requisitos para a compensação é a possibilidade de o residente fiscal no Brasil comprovar, por meio de documentação hábil, o efetivo pagamento do imposto no exterior.

Planejamento da estrutura patrimonial na fase pré-imigratória

A saída definitiva do país implica não apenas o cumprimento de obrigações acessórias perante as autoridades fiscais, mas a tomada de diversas decisões de cunho patrimonial.

De acordo com a legislação regulatória, indivíduos que realizem a saída definitiva do país não poderão manter suas contas bancárias usuais em instituições financeiras no Brasil. Por outro lado, não residentes podem ter conta de depósito no Brasil e/ou outras modalidades de conta oferecidas a não residentes por instituições autorizadas.

Não residentes fiscais também podem investir no Brasil por meio de dois regimes: o regime geral, estabelecido pela Lei 4.131/62, e o regime especial, regulamentado pela Resolução 4.373/14, publicada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Os investimentos realizados no regime geral estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, da mesma forma que ocorre com os residentes fiscais no Brasil.

O regime especial, por outro lado, é o resultado de um incentivo do governo brasileiro ao investimento estrangeiro no mercado financeiro e de capitais.

Esse regime é oferecido aos não residentes que investem no Brasil conforme as regras estabelecidas pelo CMN. Ele prevê a isenção do imposto de renda sobre os ganhos de capital obtidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de mercado de futuros e assemelhados (além das operações com ouro e ativo financeiro fora de bolsa), desde que não sejam domiciliados em jurisdição com tributação favorecida.[1]

A opção por esses regimes pode implicar repercussões tributárias à pessoa física que está no processo de saída definitiva do país, como a alienação, resgate ou liquidação de investimentos. Essas repercussões podem variar de acordo com a natureza dos bens ou direitos que passarão a ser investidos pelo indivíduo na condição de não residente fiscal.

Ao optar pela alienação, liquidação ou resgate de ativos ou investimentos mantidos no Brasil antes da saída definitiva, a pessoa física estará sujeita à tributação dos rendimentos ou ganhos obtidos de acordo com as regras tributárias aplicáveis a cada tipo de ativo.

A alienação de bens e direitos no Brasil, por exemplo, estará sujeita à apuração de ganho de capital tributável pelo imposto de renda em alíquotas progressivas de 15% a 22,5%. Essa regra também se aplica à alienação de ações fora do ambiente de bolsa. A alienação de ações em bolsa é isenta de imposto de renda, caso não supere o total de R$ 20 mil no mês.

Escolha da jurisdição de destino

A escolha da jurisdição de destino da pessoa física e de seus respectivos bens e direitos também faz parte do planejamento pré-imigratório e envolve a jurisdição de origem e de destino.

A pessoa física pode avaliar a possibilidade de transferir seu acervo patrimonial para jurisdições que tenham regimes tributários atrativos para não residentes. Trata-se de programas imigratórios que concedem residência fiscal ou cidadania mediante o cumprimento de certos requisitos, entre eles, a realização de determinados investimentos no país.

O trust é outra estrutura muito procurada por brasileiros que estão planejando a saída fiscal do país. A transferência do acervo patrimonial ao trust, assim como a atribuição de seus rendimentos aos beneficiários deve ser cuidadosamente avaliada no processo imigratório, com especial atenção aos impactos tributários para fins de imposto de renda e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD).

Outra alternativa para a estruturação de investimentos no exterior é a constituição de uma pessoa jurídica na jurisdição de destino ou em jurisdições que ofereçam alternativas para isso.

Entre as estruturas normalmente analisadas para internacionalizar investimentos estão a Private Investment Company (PIC), Limited Liability Company (LLC) e International Business Company (IBC) – as chamadas “sociedades offshore”.

Outra modalidade de investimento no exterior muito comum são os fundos de pensão, entre outros tipos de aposentadoria. O Brasil firmou acordos internacionais com outros países com o objetivo principal de garantir os direitos de seguridade social previstos nas legislações de outras jurisdições aos respectivos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito no país.

Como visto, a crescente saída de brasileiros do país vem impulsionando a transferência de capital para o exterior e a diversificação de investimentos em outras jurisdições. Para evitar prejuízos nesse processo, recomenda-se fortemente que a saída física do Brasil seja precedida por um planejamento pré-imigratório.

Também é preciso ficar atento à necessidade de entregar a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País dentro dos prazos previstos pela legislação brasileira, especialmente para evitar a dupla tributação de rendimentos e eventuais pendências com as autoridades fiscais brasileiras.

 


[1] Pela legislação brasileira, considera-se jurisdição com tributação favorecida, a jurisdição que não tribute a renda ou que a tribute pela alíquota máxima inferior a 20%, reduzida para 17% para os países, dependências e regimes que estejam alinhados com os padrões internacionais de transparência fiscal.