A discussão sobre a (não) tributação das receitas decorrentes de subvenções para investimentos concedidos pelos estados brasileiros aos contribuintes tomou recentemente novos contornos com o julgamento do Tema 1.182 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O entendimento firmado pelo tribunal por meio dos acórdãos publicados em 12 de junho foi de que os benefícios genéricos do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias ou Serviços (ICMS) – benefícios de ICMS nas formas de isenção, diferimento, redução da base de cálculo ou redução de alíquota, ou seja, benefícios que não são créditos presumidos do imposto – não deveriam compor a base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Para isso, três requisitos deveriam ser atendidos (os dois últimos, conforme estabelecido pelo artigo 30 da Lei 12.973/14):

  • Registro e depósito do benefício na Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – nos termos do artigo 10 da Lei Complementar 160/17 (LC 160/17);
  • Constituição e manutenção dos montantes referentes aos benefícios usufruídos em conta de reserva de incentivos no patrimônio líquido; e
  • Limitação em relação à destinação dos valores, que não podem ser distribuídos aos sócios da entidade beneficiária do incentivo em questão.

O STJ confirmou o entendimento que já vinha sendo adotado por ambas as turmas do tribunal de que a intenção do estado na concessão do benefício fiscal deixou de ser relevante, com a edição da LC 160/17 – que inseriu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei 12.973/14.

Em outras palavras, não caberia mais questionar se o estado concedeu o benefício de ICMS com o objetivo de estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (conceito de subvenção para investimento). Isso porque a diferenciação da classificação dos benefícios em subvenção para investimento (apta à exclusão para fins de cálculo do IRPJ/CSLL) e subvenção para custeio (tributável pelo IRPJ/CSLL) não mais importava para definir a possível intributabilidade desses incentivos concedidos pelos estados.

Para haver a condição de intributabilidade dos benefícios genéricos, portanto, bastava cumprir os três requisitos mencionados acima – e nenhum outro.

O STJ também acabou por diferenciar os benefícios de créditos presumidos dos benefícios genéricos e estabeleceu que somente os primeiros deveriam receber o tratamento previsto no EREsp 1.517.492/PR – que determinou a não tributação dos créditos presumidos de ICMS com base em fundamentos de cunho exclusivamente constitucional, não analisando eventual necessidade de atendimento aos requisitos da legislação. Fixou-se, assim, que:

  • os créditos presumidos não poderiam ser submetidos à tributação por ofensa ao pacto federativo e à imunidade recíproca (ou seja, representam receitas intributáveis por si mesmos); e
  • os demais incentivos fiscais não poderiam ser submetidos à tributação somente quando atendidos os requisitos do artigo 30 da Lei 12.973/14 e do artigo 10 da LC 160/17, mencionados acima.

Contribuintes podem ter dificuldades com o fisco

Embora o entendimento do Tribunal Superior pareça muito claro, os contribuintes ainda poderão encontrar resistência por parte das autoridades fiscais na aplicação das teses firmadas.

No último dia 12 de junho, logo após a publicação dos acórdãos referentes ao Tema 1.182, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgou nota pública informando, entre outros pontos, que o ICMS que deixou de ser pago em razão de o benefício fiscal não pode ser incorporado ao lucro da sociedade. Ele deve ser registrado em conta de reserva de incentivos e posteriormente reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento.

A nosso ver, o entendimento da PGFN sobre a necessidade de reinvestimento dos valores na expansão ou implantação de um empreendimento não encontra amparo na lei ou na decisão do Tema 1.182 proferida pelo STJ. No entanto, pode representar uma orientação sobre a matéria que a Receita Federal do Brasil (RFB) adotará em futuras fiscalizações.

Entendemos que o objetivo do STJ no julgamento do Tema 1.182 foi assegurar que os recursos não fossem retirados da esfera patrimonial da pessoa jurídica beneficiada, em reforço ao conteúdo legal expresso no parágrafo 2º do artigo 30 da Lei 12.973/14.

O parágrafo é explícito ao não permitir a exclusão dos benefícios da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, caso haja destinação diversa dos benefícios. Lista, em seus incisos, exemplos do que deve ser considerado como desvio – basicamente hipóteses de transferência dos lucros para os sócios da pessoa jurídica.

Sob nenhuma perspectiva o legislador e os ministros do STJ entendem que o desvio da destinação seria caracterizado como a necessidade de reinvestimento em expansão ou implantação de um empreendimento, como pretende fazer crer a PGFN. Trata-se de tentativa de reabrir longa discussão, hoje pacificada nos tribunais e definitivamente afastada, sobre a comprovação matemática de investimento dos recursos em ativos da pessoa jurídica.

Além disso, em recentes procedimentos de fiscalização, iniciados após a publicação dos acórdãos do Tema 1.182, a RFB buscou aplicar um segundo entendimento sobre a decisão do STJ. Essa outra posição acaba por restringir (ou mesmo inviabilizar) a aplicação do entendimento do tribunal aos casos concretos.

Em um precedente específico, o fisco buscou sustentar que o STJ teria concluído que a exclusão dos incentivos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL imporia a observância dos requisitos previstos no artigo 10 da LC 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14. Entre esses requisitos estaria o de que deve haver a ocorrência de efetivo benefício tributário ao contribuinte decorrente da norma estadual que concedeu o benefício de ICMS.

A partir disso, o fisco considerou que não haveria qualquer benefício tributário para o vendedor da mercadoria que usufruísse de benefícios genéricos de ICMS. Como exemplo, citou que se trataria do:

  • mero diferimento da cobrança do tributo para etapa posterior da cadeia de produção, devido ao efeito de recuperação próprio do regime da não cumulatividade (isto é, o valor do tributo que o vendedor deixa de debitar em operação com isenção ou redução de base de cálculo ou alíquota é igual ao valor que o comprador deixa de creditar); ou
  • benefício tributário do adquirente da mercadoria (consumidor final), não contribuinte do imposto.

A nosso ver, portanto, a orientação da RFB é de buscar restringir a aplicação do julgamento do Tema 1.182 do STJ, iniciando uma discussão até então não existente – e, principalmente, não prevista na lei. Além disso, o fisco busca ignorar as teses firmadas pela Corte Superior sobre a possibilidade de exclusão das receitas subvencionadas em relação aos benefícios genéricos de ICMS das bases de cálculo do IRPJ/CSLL, afrontando diretamente o princípio da segurança jurídica.

Existem embargos de declaração opostos à decisão proferida no Tema 1.182 que estão pendentes de julgamento. Esses embargos buscam esclarecer, entre outros pontos, o descabimento da exigência de aplicação do benefício em reinvestimento na expansão ou implementação do empreendimento, para que fique claro que a RFB só poderá proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que o contribuinte não observou os requisitos legais previstos no artigo 10 da LC 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

A decisão do STJ em relação a esse ponto poderá afastar, portanto, o entendimento encampado pela PGFN em sua nota pública – e, dependendo da profundidade da análise, o entendimento da RFB mencionado acima.

Em 7 de agosto, a Fazenda Nacional protocolou impugnações aos embargos de declaração opostos pelos contribuintes e pelos amicus curiae no caso e reforçou seu entendimento sobre a necessidade de os ganhos advindos dos benefícios fiscais de ICMS serem destinados à viabilidade do empreendimento econômico mediante a implantação de um novo empreendimento ou expansão de um já existente.

Segundo o entendimento do órgão fazendário, a decisão do STJ apenas afastou a necessidade de comprovação prévia de que a lei estadual teve a intenção de subvencionar, mantendo-se a necessidade da comprovação posterior de que os montantes relativos aos benefícios fiscais de ICMS foram investidos no empreendimento econômico (via implantação ou expansão destes).

Além disso, a PGFN confirmou nos autos das impugnações mencionadas a posição que vem sendo adotada pela RFB nas fiscalizações, como mencionamos acima, tendo destacado que “quando ocorre a desoneração fiscal por meio de isenção e redução de ICMS, os contribuintes que se encontram no meio da cadeia produtiva não irão obter qualquer vantagem econômica, tampouco há renúncia de receita, dado que haverá recuperação na etapa ou etapas subsequentes”.

A Fazenda concluiu que os benefícios fiscais de ICMS concedidos de forma genérica, incondicional e que não gerem qualquer ganho não são subvenções e, portanto, não estariam aptos à exclusão da base de cálculo do IRPJ/CSLL mediante a comprovação do preenchimento dos requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

Consideramos que tanto o posicionamento da PGFN quanto o entendimento da RFB nas recentes fiscalizações das quais tivemos notícia não encontram respaldo no julgamento do Tema 1.182 ou na legislação vigente. Mesmo assim – e apesar de a decisão do STJ no Tema 1.182 ter sido proferida sob o rito dos recursos repetitivos (sistemática cuja intenção é, ironicamente, conferir tratamento isonômico e de segurança jurídica aos seus tutelados) –, é importante que o contribuinte esteja alerta para a possível resistência que enfrentará para a aplicação da tese firmada sobre a intributabilidade dos benefícios genéricos de ICMS.

Não bastassem as diferentes posições das autoridades fiscais sobre a interpretação restritiva da aplicação da tese firmada no Tema 1.182, existem discussões que não foram tratadas pelo STJ nesse repetitivo e que podem impactar diretamente a fruição do crédito tributário originado da exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O reconhecimento e aproveitamento do crédito tributário mencionado estaria condicionado não só à validação da possibilidade de exclusão das receitas subvencionadas das bases de cálculo do IRPJ/CSLL, mas também à dedutibilidade das despesas de ICMS reconhecidas na escrituração contábil da sociedade – com especial atenção à contabilização determinada pelo Pronunciamento Técnico 07 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).

De acordo com esse pronunciamento, deve-se registrar:

  • uma despesa referente ao ICMS que seria integralmente devido na operação, caso não houvesse o benefício fiscal; e
  • a correspondente receita subvencionada.

Embora tratem de situações distintas, avaliamos que o risco de as autoridades fiscais considerarem indedutíveis as despesas mencionadas tornou-se maior com a edição das soluções de consulta Cosit 15/20 e Cosit 12/22.

Há ainda controvérsias sobre a extensão e mensuração das subvenções concedidas via crédito outorgado. Discute-se se as receitas reconhecidas poderiam ser integralmente excluídas ou se a exclusão se restringiria à parcela que efetivamente supera os créditos que poderiam ser reconhecidos pelo contribuinte a partir de suas aquisições (neste caso, crédito outorgado menos crédito reconhecido).

Vê-se, portanto, que, apesar do esforço dos contribuintes para pacificar a questão, a intributabilidade das receitas oriundas das subvenções para investimento ainda é uma matéria controvertida e pode gerar embates entre contribuintes e o fisco.