A Lei de Recuperação Judicial e Falência (LRF) estabelece que, deferido o processamento do pedido de recuperação judicial, haverá suspensão de todas as ações e execuções em face da recuperanda durante o stay period, exceção feita às de natureza trabalhista, às que demandam quantia ilíquida e às execuções fiscais.

Como os créditos tributários não estão sujeitos a esse procedimento, a LRF dispõe que é preciso criar parcelamento tributário especial para as empresas em dificuldade financeira, as quais, por ocasião da homologação do plano de recuperação, devem apresentar certidões de regularidade fiscal.

Entretanto, na prática, em razão do princípio da preservação da empresa, o Poder Judiciário não tem admitido que o Fisco, nos autos da execução fiscal, satisfaça seu crédito pela excussão de bens de empresas em recuperação, quando os ativos são essenciais à atividade da recuperanda.

Também por causa do princípio da preservação da empresa, aliado à demora na promulgação de lei – e à sua insuficiência – para tratar do parcelamento tributário, a Justiça tem concedido recuperações judiciais com dispensa da apresentação das certidões fiscais.

No que tange especificamente à dificuldade do Fisco em penhorar bens, a questão envolve também conflito suscitado em boa parte das recuperações judiciais – quando há penhora de ativo da recuperanda no juízo fiscal – sobre qual é o juízo competente para decidir a respeito da essencialidade do bem, se da execução fiscal ou da recuperação judicial.

Até o momento, os conflitos vinham sendo encaminhados à Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que firmou entendimento pela competência do juízo da recuperação, independentemente da origem da ordem de constrição. Com base no princípio da preservação da empresa, esse juízo em geral não permite a excussão de bens essenciais da recuperanda por credores não sujeitos ao procedimento.

Todavia, com a entrada em vigor da Lei nº 13.043/14, que instituiu parcelamento de créditos fiscais federais específico para empresas em recuperação judicial, há uma tentativa de mudar o cenário descrito acima que merece ser acompanhada de perto.

Decisão recente do ministro Herman Benjamin, integrante da Seção de Direito Público do STJ, impõe a releitura do entendimento consolidado pela Seção de Direito Privado. Segundo o ministro, ainda que o crédito tributário não se sujeite ao plano de recuperação judicial, considerando que as execuções fiscais não são suspensas, poderia haver penhora de bens, mesmo aqueles indispensáveis ao cumprimento do plano.

Nessa ordem de ideias, ao julgar o REsp 1.512.118/SP e o AgRg no REsp 1.582.260/PE, o ministro entendeu que, se o plano foi aprovado com evidência de regularidade fiscal, a execução fiscal será suspensa, em razão da suspensão dos próprios créditos fiscais determinada pelo art. 151 do Código Tributário Nacional. Do contrário, aprovado o plano sem demonstração da regularidade fiscal, a execução poderá ter prosseguimento regular, independentemente da recuperação judicial. Nesse caso, como entende o ministro, não há que se falar em prevalência do juízo da recuperação sobre o da execução fiscal, visto que o processamento da recuperação não interfere na execução fiscal, cujo juízo é competente para decidir sobre bens e interesses essenciais, respeitado o princípio da menor onerosidade da recuperanda.

São decisões isoladas, mas que devem ser monitoradas, especialmente em virtude de algumas exceções observadas à praxe de enviar conflitos dessa natureza à Seção de Direito Privado do STJ. Com efeito, alguns desses incidentes foram redistribuídos à Seção de Direito Público, como no caso dos Conflitos de Competência 116.579/DF e 112.646/DF. Neste último, o relator, ministro Benjamin, consignou que “os conflitos de competência julgados na Segunda Seção se referem às execuções ordinárias, de natureza civil ou trabalhista; ao passo que in casu a execução [fiscal] é de rito especial, regido pela Lei nº 6.830/1980, e cuja singularidade é reconhecida na Lei nº 11.101/2005”.

Ainda sobre a situação do Fisco na recuperação judicial, em 27/04/16, nos autos da recuperação judicial do Grupo GEP, o juízo da 2ª Vara de Falência e Recuperação Judicial de São Paulo, com base no acórdão relatado pelo ministro Benjamin, condicionou a manutenção da decisão de conceder a recuperação à demonstração da existência de parcelamento dos créditos tributários no prazo de 120 dias. Caberia à recuperanda escolher entre os parcelamentos disponíveis e não necessariamente seguir o previsto na Lei nº 13.043/14 – que estabelece prazo de pagamento em 84 meses e exige renúncia à pretensão deduzida em juízo. No entender do magistrado, as condições previstas na lei não condizem com a situação de uma empresa em dificuldade econômico-financeira.

Apesar desses movimentos, ainda prevalece o entendimento de que, como as condições para a adesão ao parcelamento da Lei nº 13.043/14 são extremamente onerosas à recuperanda e como a lei só trata de tributos federais, a homologação judicial do plano e a concessão da recuperação podem ocorrer independentemente de apresentação das certidões de regularidade fiscal.