A recuperação judicial, em linhas gerais, é um instituto que tem como objetivo ajudar empresários e sociedades empresárias a superar uma crise econômico-financeira momentânea, por meio da negociação com seus credores, sob a fiscalização do Poder Judiciário.

Caso as negociações sejam bem-sucedidas, os credores aprovarão o plano de recuperação judicial proposto pela devedora. Esse plano, que tem a natureza de um contrato, definirá os meios de reestruturação da recuperanda.

Aos credores cabe analisar, em especial, a viabilidade econômica do plano para o soerguimento operacional e econômico da recuperanda, e, a depender da sua conclusão, aprová-lo ou rejeitá-lo. Já o Poder Judiciário deve assegurar a legalidade das cláusulas do plano de recuperação judicial aprovado, conforme o ordenamento jurídico em vigor.

Há alguns anos, o Poder Judiciário se deparou com discussão sobre a (im)possibilidade de o plano de recuperação judicial determinar a liberação das garantias oferecidas a credores cujos créditos encontram-se sujeitos ao processo concursal, devido ao disposto no artigo 49, §1º, da Lei 11.101/05 (LRF).

O dispositivo determina a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra fiadores, coobrigados e obrigados em regresso. Esse entendimento foi referendado no julgamento do Tema 885 e na edição da Súmula 581 pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – órgão que reúne a Terceira e a Quarta Turmas, responsáveis pelo julgamento de matérias de direito privado.

A discussão passa também pela interpretação do artigo 50, §1º, da LRF, segundo o qual a supressão ou substituição das garantias reais (penhor, anticrese e hipoteca) dependerá da concordância expressa daquele que delas se aproveita.

Os privilégios concedidos aos credores titulares de garantias reais e pessoais vinham sendo reconhecidos pelos tribunais estaduais, que, a nosso ver, acertadamente, não aceitavam cláusulas de supressão e/ou liberação de garantias nos planos de recuperação judicial analisados. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) editou, em fevereiro de 2020, a Súmula 61, na qual se consolidou o entendimento de que “na recuperação judicial, a supressão da garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação expressa do titular”.

No julgamento dos recursos especiais 1.532.943/MT e 1.700.487/MT, a Terceira Turma do STJ alterou esse cenário. Na ocasião, validou-se a aplicação e eficácia indistinta de cláusula do plano de recuperação judicial que suprimia garantias reais e fidejussórias, mesmo para os credores que se opuseram a essa disposição.

O assunto chegou à Segunda Seção do STJ em 2021. Ao julgar o Recurso Especial 1.794.209/SP, o órgão sedimentou a tese de quea cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição”.

Estabeleceu-se ainda que “a anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição”.

Desde então, as turmas do STJ e os tribunais estaduais têm seguido a tese firmada no Recurso Especial 1.794.209/SP. Muitos são os precedentes nesse sentido. Como exemplo, é possível citar:

  • o Recurso Especial 1.899.107/PR, julgado em 25 de abril deste ano pela Terceira Turma do STJ, no qual se determinou a extinção de execução individual movida contra os devedores coobrigados exclusivamente porque, no caso específico, havia concordância do credor com a cláusula de supressão de garantias; e
  • o Agravo Interno em Recurso Especial 2.138.943/GO, julgado em 13 de março deste ano pela Quarta Turma do STJ, para confirmar a ineficácia da cláusula de supressão de garantias prevista no plano ao credor financeiro que não concordou com a disposição.

Parece haver, portanto, uma uniformidade no entendimento de que é inadmissível que o plano de recuperação judicial imponha ao credor discordante ou ausente a supressão de garantias, tanto reais quanto pessoais. Isso, a nosso ver, fortalece a autonomia da vontade das partes quando elegeram a outorga dessa garantia, além de solidificar a segurança jurídica do ato jurídico acordado e consumado.

Nesse caso, a atuação dos advogados para objetar expressamente esse dispositivo revela-se imprescindível, tanto na fase de controle prévio de legalidade, com a apresentação de objeção consistente e tempestiva ao plano de recuperação judicial, quanto na fase de controle posterior, por meio da submissão de declaração de ressalvas.

Entendemos que merece atenção o debate instaurado no Recurso Especial nº 2.059.464/RS, em trâmite perante a Terceira Turma do STJ, sob relatoria do ministro Moura Ribeiro. Nele se discute assunto relacionado ao tema deste artigo, com uma sutil diferença: com base na tese definida pelo STJ no Recurso Especial 1.794.209/SP, a intenção do recorrente é obter a declaração de validade da cláusula que determinou a suspensão de exigibilidade das garantias pessoais – que fora julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ineficaz em relação a credor financeiro que contra ela se insurgira.

Esse recurso especial ainda não foi decidido e é cedo para prever se levará o STJ a mudar seu posicionamento sobre a necessidade de concordância expressa do credor em questão para que a disposição seja aplicável a ele ou outras implicações. Por esse motivo, acreditamos ser oportuno acompanhar o julgamento do recurso.