Nos aumentos de capital de sociedades anônimas, o preço de emissão das ações é determinado pelo órgão responsável por deliberar o aumento de capital – assembleia geral ou, no caso de companhias com capital autorizado, o conselho de administração. Contudo, a deliberação do aumento de capital e a fixação do preço de emissão de novas ações podem gerar controvérsias e, apesar de discricionárias, essas decisões não podem ser arbitrárias,[1]. Por isso, elas poderão ser revistas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Poder Judiciário, caso venham a causar diluição injustificada aos acionistas.

A Lei nº 6.404/76, conforme alterada (Lei das Sociedades por Ações), estabelece em seu artigo 170 parâmetros a serem considerados, alternativa ou conjuntamente, para a fixação do preço de emissão: (i) a perspectiva de rentabilidade da companhia (que pode incluir métodos consagrados de avaliação, como o de fluxo de caixa descontado (discounted cash flows ou DCF) e o de múltiplos comparáveis); (ii) o valor do patrimônio líquido da ação; e (iii) a cotação das ações em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, sendo admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado. A atual redação do art. 170, dada pela Lei nº 9.457/1997, esclarece que não é obrigatória a adoção cumulativa dos parâmetros ali definidos; pode-se fazer uma ponderação entre dois ou três dos critérios, ou mesmo utilizar um quarto critério.

Segundo Modesto Carvalhosa, a finalidade desse dispositivo é assegurar que o preço de emissão reflita o valor real da ação, exceto quando plenamente justificado por motivos mercadológicos.[2] Em outras palavras, a emissão poderá ser feita a qualquer preço, desde que não acarrete a diluição injustificada dos antigos acionistas. Conforme a Exposição de Motivos nº 196, de 24 de junho de 1976, que acompanhou a Lei das Sociedade por Ações, proíbe-se a diluição injustificada dos acionistas porque nem sempre o direito de preferência conferido pelo art. 171 da lei acionária oferecerá proteção adequada a todos os acionistas.

A interpretação dominante desse dispositivo denota a intenção de que tais critérios não sejam compreendidos como elementos estanques e absolutamente rígidos. Nessa linha, o PAS CVM RJ 2009/8316 reconhece que “os critérios legais devem ser vistos como parâmetros de orientação, que, sopesados com os aspectos específicos de cada caso concreto, permitam a fixação de um preço de emissão sem diluição injustificada dos acionistas”.

No caso em exame, a determinação do preço se baseara em negociações com os credores estratégicos da companhia, que converteriam seus créditos em capital para evitar a recuperação judicial da empresa, e seguira apoiado por laudo de avaliação confirmatório. Assim se manifestou a diretora Luciana Dias, reconhecendo a possibilidade de utilização de outros critérios adicionais ao art. 170, §1º, da Lei das Sociedades por Ações: “A CVM tem, portanto, reconhecido que o valor justo das ações pode ser aferido por um processo de negociação entre partes independentes e que o preço de emissão numa oferta pública de ações pode ser determinado pela composição das intenções de investimento de partes não relacionadas à companhia ou aos coordenadores.”

Sobre o procedimento de bookbuilding, amplamente utilizado em distribuições públicas, Nelson Eizirik[3] entende que esse método de fixação de preço, na prática, consiste no indicativo do preço de mercado, razão pela qual atenderia o disposto no art. 170, §1º, III, da Lei das Sociedades por Ações. No entanto, pode-se também argumentar que o procedimento de bookbuilding não se encaixa exatamente no critério de “cotação em bolsa ou mercado de balcão organizado” do art. 170, §1º, III, podendo ser entendido como um quarto critério admitido expressamente pelo regulador, tanto em normativo (Instrução CVM nº 400/2003) quanto em julgados administrativos (PAS CVM nº RJ 2009/83167 e PAS CVM nº RJ 2009/8316).

Nessa linha, Fábio Konder Comparato afirma que aos órgãos responsáveis pela fixação do preço de emissão seria atribuído um “poder discricionário”, uma vez que a eles seria conferido “uma certa latitude, (...) um perímetro decisório (...), um quadro de referências, dentro do qual pode ser determinado (...) [o] preço [de emissão], de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto e em função do interesse societário dos minoritários”.[4]A Lei das Sociedades Anônimas não requer que o preço de emissão seja fixado “segundo” os três critérios de avaliação, mas apenas “tendo em vista” tais critérios, o que levou Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira a afirmar que “há na determinação do preço de emissão necessariamente exercício de poder discricionário do órgão competente para, caso a caso, fixá-lo tendo em conta o interesse dos acionistas”.[5]

Na mesma linha, seguiu o voto do então presidente da CVM Marcelo Fernandez Trindade no PAS RJ 2004/3098:[6] “note-se que, conforme melhor doutrina, a interpretação do disposto no § 1º do art. 170 deve ser no sentido de que os critérios constantes de seus incisos são elementos indicativos que devem ser justificadamente ponderados para a fixação do preço de emissão, devendo a determinação dos critérios estar embasada em fundamentos verdadeiros e consistentes, sob pena de se causar a diluição injustificada dos demais acionistas”.

Ressalte-se, contudo, que a escolha dos parâmetros deverá ser justificada pormenorizadamente à luz dos seus aspectos econômicos, nos termos do parágrafo 7º do art. 170 da Lei das Sociedades por Ações. Deve-se demonstrar a adequação do critério utilizado à situação econômica da companhia.[7] No PAS CVM nº RJ 2013/6294,[8] analisando a regularidade dos critérios de precificação em aumento de capital, o diretor relator Pablo Renteria destacou que “não bastaria que fossem apontados os critérios que serviram de base para o preço de emissão, sendo necessário explicar, de forma detalhada, o motivo pelo qual se entendeu melhor fixar o preço com base nesse ou naquele critério (ou, em caso de utilização de mais de um critério, as razões de utilização daqueles parâmetros de forma combinada), ou o porquê da não utilização de outro parâmetro entre aqueles elencados nos incisos do art. 170, §1º, da Lei nº 6.404/76”.

Tratando-se de poder discricionário do órgão competente, a alegação de desvio de poder que resulta em diluição injustificada dependerá de comprovação de que os critérios legais não foram seguidos por causa de ato abusivo, e o ônus da prova recairá sempre sobre aquele que o invoca.[9] Não pode o acionista minoritário contestar a escolha do critério simplesmente por entender que não lhe foi o mais adequado. A Lei das Sociedades Anônimas cria uma presunção de legitimidade quando o órgão competente segue os critérios legais.[10]

Além disso, a Lei das Sociedades por Ações, ao proibir a “diluição injustificada”, admitiu, a contrario sensu, a possibilidade de ocorrência de hipótese de “diluição justificada”. Portanto, havendo razão econômica para o aumento de capital, fundada no interesse da companhia, e observados os parâmetros definidos no art. 170 da Lei das Sociedades por Ações, verifica-se a diluição justificada da participação societária dos acionistas que não subscrevam ao aumento de capital. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou entendimento que o aumento de capital de sociedade anônima altamente endividada, como forma legítima de salvá-la de insolvência, constitui diluição justificada, e o autor, naquele caso, não havia se desincumbido do ônus de demonstrar que sua participação havia sido injustificada.[11]

Em resumo, a mera fixação do preço de emissão das ações em valor inferior àqueles apurados segundo os parâmetros do art. 170 da Lei das Sociedades por Ações não implica obrigatoriamente na diluição injustificada ou ato abusivo do acionista ou administração, o que dependerá das circunstâncias de cada caso concreto. A lei societária não veda a emissão de ações a preço inferior a tais parâmetros[12] – a determinação legal é no sentido de que tais parâmetros, conjunta ou alternativamente, devem orientar a fixação do preço de emissão, o qual deverá ser justificado na proposta de aumento do capital.


[1]        Conforme PAS CVM n.º RJ 2010/16884, diretor relator Otavio Yazbek, j. 17.12.2013.

[2]     CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. III. p. 611

[3]        EIZIRIK, Nelson, op. cit., p. 205.

[4]     COMPARATO, Fábio Konder, A fixação do preço de emissão das ações no aumento de capital da sociedade anônima, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 81, jan./mar. 1991, p. 83.

[5]     LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, Direito das Companhias, 2ª ed., Ed. Forense, São Paulo, p. 1020.

[6]        CVM, Processo RJ 2004/3098, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. 25.01.2005.

[7]        EIZIRIK, Nelson, Lei das S.A. Comentada, v. II. p. 502.

[8]        PAS CVM RJ2013/6294, Dir, Relator Pablo Renteria, j. 14 de novembro de 2017

[9]     COMPARATO, Fábio Konder, op.cit., p. 83.

[10]    LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, op. cit., p. 1025.

[11]    TJSP, Apelação 0517189-28.2000.8.26.0100, Des. Relator Moreira Viegas, j. 11 de fevereiro de 2015.

[12]    Parecer de Orientação CVM nº 01, de 27.09.78.