Após meses de intenso debate entre Executivo, Legislativo, sociedade civil e agentes do mercado, a MP da Liberdade Econômica (Medida Provisória nº 881, de 30/4/2019) foi enfim convertida em lei em 20 de setembro (a Lei nº 13.874/19), com vigência imediata. A fim de desburocratizar o dia a dia do empresário brasileiro, estabelecer garantias de livre mercado e trazer maior segurança jurídica para o ambiente empresarial do país, a nova lei promove alterações em diversas áreas do direito, dentre elas os direitos civil, administrativo, empresarial, societário e trabalhista.

Em uma série de quatro artigos, analisaremos as principais alterações trazidas pela Lei nº 13.874/19 sob a ótica empresarial, passando por temas que deverão impactar o ambiente de negócios brasileiro e exigirão a adequação das empresas às novas regras estabelecidas.

Aspectos societários e contratuais

A lei alterou o Código Civil no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, esclarecendo as definições de desvio de finalidade e confusão patrimonial que alimentavam discussões jurídicas sobre seu conceito e aplicabilidade, com o fim de trazer maior proteção patrimonial para o empresário brasileiro.

Além disso, a lei criou no direito brasileiro a figura da sociedade unipessoal como alternativa tanto à sociedade limitada, que por regra exige a presença de no mínimo dois sócios no quadro social da empresa, quanto à Empresa de Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), a qual, ainda que se caracterize pela existência de somente um sócio, nunca foi amplamente adotada no país, devido à exigência de integralização de 100 salários mínimos ao capital social no ato de constituição e à proibição de sócio pessoa jurídica.

A nova lei também flexibiliza as regras de contratação entre entes privados, dando preferência à autonomia contratual das pessoas em detrimento das estipulações legais. Ela incorporou ao texto do Código Civil regras de interpretação que visam valorizar mais o pactuado pelas partes e desincentivar a revisão de contratos em conflitos judiciais.

Desburocratização

As mudanças promovidas pela Lei nº 13.874/19 buscaram adequar à era digital em que vivemos diversos processos e atividades cotidianas que milhares de empresas no país enfrentam todos os dias. A versão digital de documentos que já constem do banco de dados do poder público e cuja integridade já tenha sido verificada terão força de original. Nesse mesmo sentido, registros públicos realizados em cartório poderão ser armazenados de forma eletrônica, como o registro civil de pessoas naturais, o de constituição de pessoas jurídicas e o registro de imóveis.

No que concerne à constituição e extinção de empresas e ao registro de atos societários, foram estipulados prazos para as juntas comerciais analisarem os documentos pertinentes e formalizarem os respectivos registros, com aprovação automática no caso de inércia da junta em determinadas situações.

Também foi permitido que atos, documentos e declarações contendo informações meramente cadastrais sejam levados automaticamente a registro caso seja possível obtê-los em outras bases de dados disponíveis em órgãos públicos. O objetivo é integrar melhor os órgãos de registro do governo.

Flexibilização para atividades de “baixo risco”

Sociedades e empresas que exercem atividades consideradas de “baixo risco” pelo Poder Executivo estão dispensadas de obter e manter válidos seus alvarás e licenças de funcionamentos, sem qualquer “ato público de liberação”. Pequenos comércios e startups deverão ser beneficiados por essa regra.

Aspectos trabalhistas

Importantes mudanças foram trazidas na esfera trabalhista, por meio de alterações feitas diretamente no texto legal da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Destaca-se, entre elas, o fim do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-Social), que deverá ser substituído por um sistema mais simples.

Seguindo a mesma tendência de modernização das relações de trabalho e digitalização de documentos públicos e particulares, foi criada a carteira de trabalho eletrônica do empregado, que terá como identificação única seu número de inscrição no CPF.

Outra inovação visando favorecer pequenas empresas e startups foi a limitação do registro obrigatório dos horários de entrada e saída de funcionários (registro de ponto) somente para empresas com mais de 20 funcionários, regra antes prevista para empresas com mais de 10 funcionários.

Fundos de investimento

A Lei nº 13.874/19 também alterou o Código Civil para estabelecer novas regras para os fundos de investimento e dar força de lei ordinária a regras antes restritas às regulamentações da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). A responsabilidade dos cotistas de fundos de investimento poderá ser limitada ao valor de suas cotas, e a dos prestadores de serviços (como gestores e administradores), ao escopo dos serviços prestados. Foi permitida, ainda, a constituição de patrimônio separado para cada classe de cotas, com direitos e obrigações distintos e com regulamentação a ser divulgada posteriormente pela CVM.

Nos próximos artigos desta série, analisaremos em mais detalhes as alterações descritas acima, com recomendações práticas e pontos de atenção que devem ser levados em conta por empresas e investidores.