A elaboração de um contrato empresarial envolve discussões que se traduzem em mera alocação de riscos de uma parte à outra. Em teoria, o risco será alocado contratualmente à parte que puder suportá-lo de forma mais eficiente (e por eficiência entendemos a capacidade tanto de evitar que o risco se materialize quanto de suportar o risco de forma menos custosa, além do apetite de risco de cada parte). Claro que qualquer alocação de risco importa em custos - o comprador, tendo de suportar um risco maior, vai propor um preço de aquisição inferior ao que proporia se tivesse de suportar menor risco.

Os assessores legais têm, portanto, função de agregar valor às operações nas quais atuam, uma vez que, quanto mais complexa for a operação objeto do contrato, mais sofisticadas serão as estruturas contratuais que lhe darão guarida. Esse é justamente o caso dos contratos de M&A, que se valem de cláusulas de declarações e garantias (representations and warranties) e de estruturas de indenização para a alocação de risco entre as partes.

Alocar um risco à outra parte não é fácil e nem sempre uma tarefa simples com base em números e probabilidades. Dessa forma, tais discussões, extremamente relevantes no âmbito de um contrato empresarial, podem revelar-se verdadeiros gargalos para consecução da operação. Assim, uma operação que poderia ser mais expedita acaba levando mais tempo para ser concluída, ou sequer é concluída caso haja deal breakers no momento da discussão quanto à alocação de risco. Assim, é recomendável que as partes busquem alternativas mais adequadas às necessidades da operação, sendo uma delas a contratação de seguros contra riscos transacionais, como os seguros de indenização fiscal (ainda não disponíveis no Brasil), ou os seguros de representations and warranties (seguro de R&W), já bastante difundidos e utilizados nos Estados Unidos e na Europa. Apesar de terem sido inaugurados no mercado brasileiro apenas há cerca de quatro anos, eles vêm ganhando popularidade – a procura por seguros de R&W cresceu no primeiro semestre deste ano. O aumento foi de 35% em relação ao índice de prospecção do ano de 2017.[1]

O seguro de R&W é um produto especializado que oferece cobertura exclusivamente ao comprador por perdas financeiras decorrentes do descumprimento quanto ao conteúdo das declarações e garantias prestadas pelo vendedor, inclusive aquelas relativas a contingências tributárias, se aplicáveis, e cobertas pela apólice no contexto de um M&A.

A cobertura do seguro de R&W não abrange, entretanto, quebra de qualquer declaração e garantia, mas tão somente daquela relativa a passivo oculto, ou seja, aquele não conhecido ou esperado pelo vendedor e comprador. Por exemplo, não são segurados os riscos conhecidos pelo comprador, e aqueles riscos que são desconhecidos porque a matéria em questão fora excluída da due diligence. Adicionalmente, o seguro de R&W atualmente disponível no Brasil tem franquia obrigatória, o que exclui, portanto, da cobertura securitária eventuais perdas relativas à quebra de declarações e garantias seguradas em valores iguais ou inferiores ao de minimis e à franquia agregada (que varia de 1 a 3% do valor da transação) estabelecidos na apólice.

Pelo seguro de R&W, o comprador é indenizado dos valores que tenha direito a reclamar contra o vendedor, bem como dos custos para realizar sua defesa até o limite máximo de garantia da apólice contratada.

As apólices são feitas sob medida para o M&A em questão a partir da avaliação dos riscos típicos das atividades desenvolvidas pela sociedade-alvo, dos resultados da due diligence feita, das demonstrações financeiras da sociedade-alvo e, como o próprio nome já indica, da cláusula de declarações e garantias constante do contrato de M&A.

Assim, o seguro de R&W representa uma segurança adicional para investidores, particularmente em contratos de M&A nos quais o comprador não tem o nível desejado de indenização para o período pós-fechamento e/ou pelo prazo desejado, ou o vendedor não tem capacidade financeira para suportar eventuais passivos ocultos. Um potencial comprador poderá, inclusive, diferenciar-se em processos de venda competitivos mediante apresentação de proposta de aquisição que inclua a contratação de um seguro de R&W. Como efeito prático, isso pode representar uma vantagem para todas as partes envolvidas no M&A, contribuindo para reduzir (e até mesmo eliminar) a utilização de uma conta escrow para o eventual pagamento de indenização.

Conforme acima mencionado, o seguro de R&W visa tão somente garantir indenização securitária ao comprador em caso de perda decorrente do descumprimento das declarações e garantias feitas pelo vendedor no contexto da operação de M&A, mas não elimina os riscos totalmente. Não se trata, portanto, de uma carta branca que escusa as partes de dispensar a devida atenção à cláusula de declarações e garantias ou ao procedimento de due diligence propriamente dito. Isso vale, especialmente, para o vendedor a quem a seguradora terá direito de regresso, especialmente em caso de fraude ou má-fé na prestação de declarações e garantias.


[1] Revista Seguro Total. “Cresce procura por seguros para riscos relacionados a fusões e aquisições”. São Paulo: PubliSeg. Nº 191, 2018.