Para alguns é um caminho de volta, para outros um plot twist do Supremo. As tantas cenas do filme das contribuições aos sindicatos vêm instigando reflexões – a nosso ver necessárias – sobre o financiamento sindical no Brasil. Apertando o botão “stop”, o que o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) nos revela no “frame” atual das contribuições sindicais?

No início de setembro deste ano, o voto do ministro Alexandre de Moraes em julgamento virtual do STF (em sede de embargos de declaração na ARE 1018459 – tema de repercussão geral 935) reforçou a novíssima posição da maioria dos ministros da Corte quanto à possibilidade de os sindicatos cobrarem, de todos os representados, independentemente de filiação ou associação à entidade, uma contribuição assistencial prevista em instrumento coletivo, desde que:

  • aprovada por assembleia de trabalhadores filiados e não filiados; e
  • oportunize o direito de oposição daqueles que não quiserem contribuir.

Num passado não tão distante, em novembro de 2017, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) promoveu mudanças impactantes nas principais fontes de custeio de atividades sindicais e acabou com a obrigatoriedade do imposto sindical (recolhido no mês de março de cada ano em valor equivalente a um dia de salário do trabalhador).

O fim dessa contribuição compulsória secou a fonte de custeio de muitos sindicatos no Brasil, levando ao fechamento de diversas entidades à época. Sobreviveram as entidades mais empenhadas, que se adaptaram ao fim do imposto e, especialmente por meio de negociações, engajaram filiações ou contribuições espontâneas.

Pouco antes da Reforma, o STF já tinha indicado as cenas que estavam por vir: a vedação da cobrança obrigatória às inúmeras contribuições instituídas por meio de convenção ou acordo coletivo, incluindo a contribuição assistencial.[1]

No quadro geral, as contribuições feitas aos sindicatos passaram a ser facultativas, sendo somente obrigatórias aos empregados e empresas associados ou aos representados não sindicalizados que, voluntariamente, quisessem contribuir – desde que autorizassem individualmente, e não coletivamente, qualquer pagamento às entidades.

No pós-reforma, ainda que sob fortes críticas de parte dos especialistas e entidades, essa lógica da contribuição voluntária continuou a ser sustentada pela maioria dos ministros do STF – vista por todos no julgamento da ADI 5.794 –, norteando a dinâmica do financiamento sindical no Brasil nos últimos seis anos.[2]

Como ressaltado pelo STF no julgamento da ADI 5.794, a contribuição assistencial no Brasil (apelidada por alguns de “taxa negocial”) se assemelha à chamada agency fee, cobrada pelos sindicatos norte-americanos dos trabalhadores para custear as negociações coletivas, ressalvado o direito de oposição do empregado quando evidenciado o uso inadequado desses fundos, como, por exemplo, o financiamento político.

O rumo do financiamento sindical obrigatório somente para alguns, e não para outros, intensificou a polêmica sobre a ausência de custeio dos empregados e empresas que se beneficiam das negociações coletivas, mas optam por não contribuir com os sindicatos que negociaram essas normas.

Houve quem chamasse os beneficiados não pagantes de “caronas”[3] – termo citado pela Suprema Corte norte-americana nos fundamentos do emblemático precedente Janus v. AFSCME (2018), versando também sobre contribuições agency fees de trabalhadores (públicos) não sindicalizados aos unions.

Há quem diga que, na prática, a mudança do posicionamento do STF no tema 935 sobre as contribuições assistenciais obrigatórias flerta com o conceito do extinto imposto sindical, pautando-se na necessidade prática de se resolver a questão financeira dos sindicatos no período pós-Reforma Trabalhista.

Por outro lado, em uma ponderação que nos parece razoável, há quem defenda que os custos da representação sindical nas negociações coletivas podem ser divididos entre os representados beneficiados pelos instrumentos coletivos, independentemente da sua filiação ao sindicato, ressalvado o direito de oposição ao pagamento dessas taxas, para quem assim preferir.

Até porque, como poderiam os integrantes de uma categoria se beneficiarem dos “almoços”, ainda que não tragam o melhor menu, mas insistirem que seja grátis?

A conscientização sobre o financiamento por todos os beneficiados pelos acordos e convenções coletivas, independentemente de filiação sindical, passa inevitavelmente por um debate que convoca em primeira chamada tanto empresas como advogados trabalhistas.

O volver jurisprudencial do STF merece atenção também, sobretudo diante dos questionamentos que poderão surgir, sob o enfoque de responsabilização às empresas que deixem de descontar de seus empregados a contribuição assistencial ou, por omissão, não repassem às entidades sindicais os valores oriundos dessa taxa.

Por ora, aguardamos a publicação da decisão do STF, que, certamente, trará mais cenas para esse longa-metragem.

 


[1] ARE 1018459 RG / PR, decisão publicada em 10/03/2017.

[2] STF/ADI 5.794, decisão publicada em 29/06/2018.

[3] Tradução livre da expressão “free rider”, termo mencionado pela Suprema Corte dos EUA no julgamento do caso Janus v. AFSCME, 585 U.S. __ (2018).