O Supremo Tribunal Federal (STF), como órgão máximo do Poder Judiciário, tem como função principal a guarda da Constituição Federal. Quando o STF decide determinada matéria com a fixação de uma tese (tema) de repercussão geral reconhecida, todos os demais órgãos do Poder Judiciário têm a obrigação de aplicar o mesmo entendimento. No entanto, essa diretriz nem sempre é observada, o que não tem escapado à atenção do STF.

Nesse cenário, o STF designou os recursos extraordinários 1.387.205, 1.387.210 e 1.387.211 para análise. A partir desses julgamentos, ainda sem data marcada, a Suprema Corte definirá nova tese de repercussão geral para assegurar a autoridade das suas decisões. Nos recursos mencionados, será discutida a possibilidade ou não de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aplicar óbices processuais[1] que impeçam a análise do mérito dos recursos cuja matéria se refira a tema de repercussão geral já reconhecida e pacificada pela Suprema Corte.

Em todos os casos paradigmáticos mencionados acima, a parte alega que a matéria de mérito do recurso foi decidida pelo STF em tema de repercussão geral e não foi corretamente aplicada pela Justiça do Trabalho. Alega também que os recursos de natureza especial interpostos perante o TST não foram admitidos por meras formalidades processuais.

Os casos foram indicados como representativos de controvérsia, nos termos do artigo 1.036, § 1º, do CPC. Nesse contexto, os recursos extraordinários paradigmas encaminhados ao STF levarão para a Corte a análise da seguinte questão: a Justiça do Trabalho, ao impedir a aplicação de entendimento de natureza vinculante com fundamento em óbices processuais meramente formais, estaria usurpando a competência constitucional do STF?

Embora ainda não seja possível prever qual será o desfecho do julgamento desses recursos – que terão decisão com efeito vinculante diante da indicação para representarem a controvérsia –, é possível mapear o entendimento já proferido por alguns ministros em situações semelhantes, em reclamações relatadas por eles. Entre elas, já se decidiu que:

  • o TST teria ultrapassado os limites da sua competência, devendo prevalecer o princípio da primazia de mérito (art. 4º do CPC) diante dos óbices processuais impostos pelos art. 896, §1º-A, e 896-A da CLT. Ou seja, para esse entendimento, se o STF já decidiu sobre a matéria, em caso de não aplicação da tese firmada, o recurso deve ser admitido, independentemente de questões formais;[2]
  • o TST teria ultrapassado os limites da sua competência, visto que “os temas sobre os quais este Supremo Tribunal tenha se pronunciado, produzindo decisões com eficácia erga omnes e/ou vinculante, dispõem de presumida relevância, não podendo, por isso mesmo, ter seu exame obstado pela aplicação preceito infraconstitucional”;[3]
  • o TST não teria ultrapassado os limites da sua competência, entretanto, o STF ainda poderia analisar a matéria de fundo da questão;[4]
  • o TST não teria ultrapassado os limites da sua competência, cabendo a ele a análise dos pressupostos extrínsecos (modo correto do exercício do recurso) e intrínsecos (existência do direito de recorrer) do recurso, desde que não relacionados à própria jurisprudência do STF sobre o tema.[5]

Em relação ao entendimento de que o TST não teria ultrapassado os limites da sua competência, é necessário ter cuidado com a interpretação que pode ser dada pelo Poder Judiciário a questões meramente formais, como o reconhecimento de ausência de transcendência ou de dialeticidade, que, sem parâmetros claros direcionados ao julgador, acaba impedindo que as partes tenham a questão meritória do recurso apreciada.

Nessa linha se insere a decisão proferida pela ministra Cármen Lúcia na Reclamação 35.816 MC/MA:

“(...) Como uma matéria poderia dispor de repercussão geral sob o prisma econômico, político, social e jurídico e exigir sucessivos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e não preencher esse mesmo atributo quando examinada monocraticamente em jurisdição trabalhista? (...) Essa conclusão, se admitida, comprometeria a sistemática da repercussão geral e subverteria a ordem processual e constitucional vigente, conferindo ao Tribunal Superior do Trabalho a competência para proferir em última palavra em matérias constitucionais e de relevância reconhecida por este Supremo Tribunal. (...)” – grifo nosso.

O próprio STF já sinalizou ao TST[6] que a não aplicação, por parte dos órgãos da Justiça do Trabalho, do entendimento vinculante e já pacificado pelo STF acarreta o assolamento de centenas de decisões em reclamações sobre questões que já foram decididas, mas não corretamente aplicadas pelas instâncias inferiores, desrespeitando a celeridade processual, que é um princípio previsto na Constituição.

Assim, pela análise das decisões acima, tem prevalecido no STF o entendimento de que o TST ultrapassa os limites da sua competência ao priorizar questões processuais que impedem a aplicação do princípio da primazia da solução de mérito, violando, desse modo, a autoridade das decisões proferidas pelo STF em matérias cuja repercussão geral e aplicação obrigatória já foram reconhecidas.

Essa questão revela mais um capítulo na história de embates que vistos entre os entendimentos manifestados pelo TST e pelo STF a respeito de diversos temas, como vinculo de emprego, pejotização, terceirização, entre outros.

Portanto, enquanto a “certeza” (sempre momentânea) não é dada pelo STF, cabe às partes o estrito cumprimento dos requisitos formais dos recursos, com atenção e zelo à máxima técnica processual, para evitar eventuais alegações de vícios formais que não permitem a apreciação do mérito das demandas postas em debate.

 


[1] Todo recurso tem pressupostos para que seja devidamente conhecido e remetido ao órgão responsável pelo seu julgamento. Os óbices processuais se referem a meras questões formais e, por vezes, subjetivas, como relevância da matéria ou correto enquadramento das violações, que são usadas pelo TST para impedir que o STF aprecie um recurso. O que o STF decidirá é se esses meros óbices processuais poderiam ser utilizados para impedir que um recurso chegue ao STF em um caso no qual a matéria de mérito já foi decidida pelo STF e não teve sua aplicação observada pelos órgãos inferiores. É preciso também destacar que aqui se trata de óbices processuais chamados intrínsecos (e que detêm certa carga de subjetividade por parte do julgador). Os requisitos extrínsecos claramente continuam necessários a qualquer recurso, como, por exemplo, tempestividade, preparo (recolhimento de depósito e custas) etc.

[2] Rcl 39.493 AgR/MG, rel. min. Marco Aurélio, red. min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 3 de setembro de 2021

[3] Ministra Cármen Lúcia, DJe de 7 de agosto de 2019, na Reclamação Constitucional 35.816 MC/MA

[4] Rcl 41.446 AgR, 1ª Turma, rel. ministro Barroso, DJe 27 de outubro de 2020

[5] Rcl 48.919 AgR/PE, rel. min. Dias Toffoli, DJe 10 de fevereiro de 2022

[6] Rcl 35.816 MC/MA, ministra Cármen Lúcia, DJe de 7 de agosto de 2019