Se bom ou ruim, fato é que um dos maiores legados da pandemia de covid-19 foi o teletrabalho e, definitivamente, ele veio para ficar. Várias empresas adotaram o regime de teletrabalho como regra, permitindo que seus empregados trabalhem de casa ou de qualquer outro lugar que tenha uma boa conexão de internet.

O que grande parte dessas empresas não vislumbra – e não o faz por desconhecimento – é que a multiplicidade de locais de prestação de serviços leva a uma multiplicidade de locais em que seus empregados podem processá-las. Assim, o que era para ser um benefício, pode se tornar um pesadelo do ponto de vista jurídico.

Imagine uma empresa com um empregado nômade, que ao longo de um ano viaja todo o litoral brasileiro, e no final do contrato, decide processá-la. Em que local ele distribuirá essa ação? E se a empresa tiver todo o quadro de colaboradores adeptos do anywhere office, como ela pode promover a defesa de seus interesses considerando o tamanho continental do nosso país?

Em uma primeira visão – e considerando a regra geral de que é competente para julgar uma reclamação trabalhista a vara do trabalho do local em que o empregado presta seus serviços – pode-se pensar que as opções seriam inúmeras, mas as recentes decisões[1] dos tribunais que abordam a questão dos nômades digitais têm colocado essa regra em xeque.

Diante da multiplicidade de locais de prestação de serviços e da liberdade concedida ao empregado, os tribunais têm entendido que a competência para julgar uma reclamação trabalhista proposta por um colaborador adepto do anywhere office é da sede da empresa.

Os motivos elencados pelas decisões giram, em sua maioria, em torno do direito de defesa das empresas, que pode ser limitado no caso de haver imprevisibilidade sobre o local em que será proposta a reclamação trabalhista. Além disso, toma-se “emprestado” o exemplo do agente ou viajante comercial, já que o empregado nômade pode trabalhar em diversos locais, mas sem necessariamente morar em qualquer um deles.

Entendemos que alguns cuidados na contratação podem ajudar a prevenir diversas reclamações trabalhistas relacionadas aos adeptos do anywhere office.

Fixar o local da sede da empresa como foro competente para julgar a ação trabalhista no contrato de trabalho é um deles, melhor ainda se o trabalhador em questão possuir diploma de nível superior e receber salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 

O estabelecimento de uma política de trabalho remoto em que se deixe claro que as questões relacionadas ao contrato de trabalho também serão discutidas na sede da empresa fortalecerá igualmente os argumentos perante a Justiça do Trabalho, no caso de haver discussão quanto ao local em que uma reclamação trabalhista tramitará.

Existe um entendimento de que o local de discussão das demandas trabalhistas não pode ser determinado pelo empregador e pelo empregado pelo receio de que este possa ser prejudicado. É a chamada “proibição à cláusula de foro de eleição”, isto é, a impossibilidade de estabelecer este local em contrato ou de qualquer outra forma. Assim, mesmo adotadas as cautelas necessárias, ainda existiria o risco de se concluir pela inexistência desse ajuste.

Porém, acreditamos que as medidas propostas trarão maior segurança jurídica às empresas e, no mínimo, facilitarão a discussão deste assunto nos tribunais, que precisam se adaptar às novas formas de trabalho.

A adaptação das leis trabalhistas aos novos fenômenos sociais é necessária, e as medidas sugeridas buscam justamente aliar o melhor de dois mundos: conceder ao empregado liberdade de escolha sobre onde trabalhar e, de outro lado, dar segurança jurídica para as empresas, que conseguirão concentrar suas demandas no local de sua sede, sem precisar mobilizar pessoas e recursos financeiros para atender reclamações trabalhistas espalhadas por um país tão grande como o Brasil.


[1] RO: 0100647-28.2019.5.01.0246

RT: 1000924-87.2020.5.02.0009

RR: 0000426-03.2017.5.20.0012