A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17) trouxe diversas alterações ao direito do trabalho, especialmente do ponto de vista do direito coletivo. Um dos aspectos mais significativos foi o interesse demonstrado pelo legislador em promover a autonomia coletiva, estabelecendo, entre outras premissas, a prevalência do negociado sobre o legislado e a limitação do direito adquirido, com o fim da chamada ultratividade das normas coletivas, anteriormente sustentada pela jurisprudência.[1]

Ressalvadas algumas limitações legais,[2] o poder de negociação de sindicatos e empresas foi elevado, permitindo adequar as medidas negociadas ao contexto fático das atividades desempenhadas. Com essas alterações, cláusulas normativas historicamente sedimentadas e que não mais tinham o condão prático de servir ao fim a que se destinavam na origem podem ser rediscutidas pelas partes e, assim, adequar as negociações ao atual cenário da categoria econômica envolvida.

Foi o que ocorreu no caso da gratificação de função dos bancários submetidos à fidúcia diferenciada estabelecida no §2º do artigo 224 da CLT.[3]A legislação trabalhista estabelece a jornada de seis horas diárias para os bancários. Ela pode ser aumentada para oito horas nas hipóteses em que os trabalhadores exerçam cargo com fidúcia diferenciada, mas esse aumento é condicionado ao pagamento de uma gratificação correspondente a pelo menos 1/3 do salário do cargo eletivo.

Historicamente, as convenções coletivas aplicadas aos bancários estabeleceram gratificação muito superior ao mínimo legal. Desde 1987, todas as convenções coletivas aplicáveis aos bancários estabelecem que o percentual da gratificação deve ser de 55%. A única exceção é o estado do Rio Grande do Sul, que estabelece o percentual de 50%.

Ocorre que as características da atividade bancária ao longo das últimas décadas mudaram muito, sobretudo pela elevada informatização dos serviços prestados e pelo surgimento de novos modelos de instituições bancárias (bancos de investimento, private banking, corporate banking, bancos digitais, etc.). Com isso, a análise da fidúcia dos cargos pela Justiça do Trabalho tornou-se cada vez mais complexa.

Entretanto, essa modernização nem sempre é observada pela Justiça do Trabalho, que limita a análise da fidúcia dos cargos à ideia antiga do bancário de agência, muito presente nas décadas de 1980 e 1990. Esse comportamento acaba por alavancar a quantidade de decisões judiciais que descaracterizam o cargo de confiança bancário.

Além disso, a jurisprudência do TST, consolidada na Súmula 109, ainda estabelecia que, nas hipóteses de descaracterização do cargo de confiança bancário em juízo, os valores recebidos a título de gratificação de função não poderiam ser compensados com as horas extras deferidas.[4]Como consequência, nas situações em que a Justiça do Trabalho não julgasse a fidúcia do cargo suficientemente provada, os bancos eram condenados a pagar novamente a 7ª e a 8ª horas trabalhadas, independentemente da gratificação paga em valor superior ao legalmente previsto.

Diante desse cenário, considerando a vigência da Lei nº 13.467/17, os sindicatos dos estabelecimentos bancários optaram por renegociar as questões atinentes à gratificação de função, a fim de dirimir os riscos decorrentes dos desvirtuamentos posteriores do cargo de confiança bancário pelo Poder Judiciário.

De comum acordo, sindicato patronal e sindicato dos empregados optaram por manter a gratificação de função no percentual historicamente estabelecido de 55%. Em contrapartida, definiram que, caso o empregado fosse desenquadrado da exceção do §2º do artigo 224 da CLT por decisão judicial, a gratificação de função seria deduzida/compensada com as horas extras deferidas, alterando a redação da cláusula 11ª da convenção coletiva de trabalho (CCT).[5]Essa alteração visa dar maior segurança jurídica aos bancos, para evitar que a mesma atividade (o labor na 7ª e 8ª horas diárias) seja paga em duplicidade, o que encontra respaldo não só nas reformas trazidas pela Lei nº 13.467/17 atinentes à prevalência das negociações coletivas, como também na vedação do enriquecimento sem causa e no princípio da autonomia coletiva, há muito resguardados em nosso ordenamento jurídico.

A ideia do legislador, ao impor a gratificação de 1/3, e dos sindicatos, ao negociarem a majoração da gratificação para o percentual de 55% do salário, sempre foi recompensar as duas horas diariamente trabalhadas (além da 6ª hora) pelo empregado que exerce cargo revestido de fidúcia especial.

Em que pese a determinação da convenção coletiva de que a citada compensação só seja possível para ações trabalhistas ajuizadas após 1/12/2018, parece-nos razoável que ela seja válida também para ações ajuizadas antes dessa data, exatamente por causa da intenção do legislador e das negociações de impor gratificação que recompensasse as duas horas trabalhadas após a 6ª diária. Além disso, é claro, jamais houve norma que proibisse tal compensação, mas tão apenas construção jurisprudencial sobre o tema.

Nesse sentido, com a nova cláusula normativa, espera-se o desuso da Súmula 109 do TST e seu posterior cancelamento. Isso porque a Reforma Trabalhista visou também reduzir o intervencionismo e ativismo da Justiça do Trabalho, limitando-a a analisar os instrumentos coletivos para verificar os elementos de validade do negócio jurídico, nos termos do artigo 104 do Código Civil, estabelecendo o princípio da intervenção mínima do Poder Judiciário na autonomia da vontade coletiva.

A expectativa é de redução das ações trabalhistas sobre o tema, já que a dupla compensação (horas extras + adicional) acabava por estimular demandas, no nosso entender, equivocadas. Em consequência, diminuirá também a provisão trabalhista das instituições bancárias relacionada ao tema.


[1] Súmula 277, TST - Convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho. Eficácia. Ultratividade (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Súmula cuja aplicação está suspensa nos termos da medida cautelar deferida nos autos do processo STF-ADPF Nº 323/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

[2] Vide Art. 611-B CLT.

[3] § 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.

[4] Súmula 109 do C. TST

Gratificação de função (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT que receba gratificação de função não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem.

[5] Cláusula 11ª: gratificação de função

O valor da gratificação de função, de que trata o parágrafo 2º do artigo 224 da CLT, será complementado aos comissionados das carreiras administrativa e Técnico-Científica sempre que seu montante não atingir o equivalente a 55% do valor do VP do A1 + anuênios do funcionário (VCP do ATS). Para os ocupantes de comissões em extinção da carreira de Serviços Auxiliares será observado o VP inicial daquela carreira.

Parágrafo primeiro – Havendo decisão judicial que afaste o enquadramento de empregado na exceção prevista no §2º do art. 224 da CLT, estando este recebendo ou tendo já recebido a gratificação de função, que é a contrapartida ao trabalho prestado além da 6ª (sexta) hora diária, de modo que a jornada somente é considerada extraordinária após a 8ª (oitava) hora trabalhada, o valor devido relativo às horas extras e reflexos será integralmente deduzido/compensado, com o valor da gratificação de função e reflexos pagos ao empregado. A dedução/compensação prevista neste parágrafo será aplicável às ações ajuizadas a partir de 1º.12.2018.

Parágrafo segundo – A dedução/compensação prevista no parágrafo acima deverá observar os seguintes requisitos, cumulativamente:

Será limitada aos meses de competência em que foram deferidas as horas extras e nos quais tenha havido o pagamento da gratificação prevista nesta cláusula; e,

O valor a ser deduzido/compensado não poderá ser superior ao auferido pelo empregado, de modo que não pode haver saldo negativo.”