As startups criam modelos inovadores de negócio. Um dos exemplos é a economia compartilhada, que surgiu da ampliação do conceito de gig economy[1] (também conhecido como “economia freelancer”). Nela, as plataformas on-line fazem a intermediação de autônomos ou prestadores de serviços com pessoas ou empresas que precisam do trabalho deles e garantem a esses profissionais autonomia para trabalhar quando e como quiserem.

Segundo estudo da consultoria McKinsey,[2] que acompanha a tendência de crescimento desse segmento, 27% da população economicamente ativa nos Estados Unidos e Europa desenvolveu algum tipo de trabalho autônomo e 40% dos usuários desses aplicativos estão apenas em busca de uma renda complementar a seus ganhos principais.

Outro estudo da EY[3] revela que 80% dos usuários de plataformas on-line apreciam a flexibilidade proporcionada por esse modelo de negócio. A maioria absoluta dos entrevistados diz ter feito uma escolha consciente por trabalhar dessa forma, e não uma opção por necessidade.

No difícil momento econômico que o Brasil vive há alguns anos, esse novo modelo de negócio ganhou destaque, oferecendo opções válidas para garantir uma segunda fonte de renda ou para trabalhadores desempregados em busca de recolocação profissional.

Contudo, para que esse modelo de negócio seja viável economicamente e atrativo para os usuários, ele precisa ser estruturado de modo a evitar o risco de reconhecimento do vínculo de emprego,[4] que atrai para startups e usuários todos os direitos e encargos aplicáveis aos empregados, como controle de jornada de trabalho, horas extras, intervalos, 13° salário, férias com adicional de 1/3, FGTS, INSS, IRRF, entre outros.

A chave para definir o reconhecimento do vínculo de emprego é a subordinação direta. Porém, ela não se confunde com as diretrizes de negócio. Enquanto a subordinação direta implica em sujeição ao comando e no domínio hierárquico de ordens diretas, a diretriz de negócio é apenas a indicação de regras de negócio que podem ou não ser aceitas pelos usuários.

Decisões recentes dos tribunais trabalhistas[5] mostram que as startups podem:

  • Exigir cadastro pessoal e intransferível;
  • Definir o valor do serviço;
  • Repassar orientações acerca da forma de prestação do serviço;
  • Estipular taxa fixa de intermediação;
  • Receber diretamente o valor pago pelo serviço e repassar a parte do usuário;
  • Realizar campanhas de incentivo; e
  • Desconectar usuários por mau uso da plataforma.

Isso ocorre porque as plataformas on-line permitem que os usuários se conectem e desconectem quando quiserem, tendo, assim, autonomia para usá-la. Por outro lado, as decisões judiciais[6] também mostram que as startups devem evitar:

  • Disponibilizar os meios de prestação do serviço ao trabalhador autônomo usuário (ex.: um carro para um motorista ou uma motocicleta para um motociclista);
  • Enviar ordens diretas aos usuários;
  • Aplicar penalidades caso os usuários não atendam ao comando;
  • Exigir frequência mínima para prestação de serviços;
  • Realizar o controle direto sobre a forma como os serviços estão sendo prestados;
  • Realizar exclusão da plataforma de motoristas/motociclistas com base exclusivamente na avaliação de usuários; e
  • Realizar promoções que terminem por obrigar o trabalhador autônomo usuário a permanecer utilizando a plataforma por períodos determinados (ex.: uma promoção com base em número de viagens mínimas ou tempo de deslocamento da entrega).

Nesses casos, a Justiça tem entendido que esses são requisitos que caracterizam a relação de emprego, em especial a subordinação direta e/ou subordinação estrutural (quando o trabalhador está inserido na dinâmica empresarial), havendo risco de reconhecimento do vínculo.

Portanto, é crucial analisar seu modelo de negócio para definir qual a melhor forma de estruturá-lo a fim de eliminar o risco de subordinação direta ou estrutural, evitando assim riscos indesejados que possam prejudicar o desenvolvimento da sua startup.

Na próxima quarta-feira, falaremos sobre a possibilidade de equilibrar informalidade no ambiente com segurança na contratação de trabalhadores.

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[1] “Gig” é uma gíria em inglês semelhante à gíria “bico” em português e que se refere a trabalhos temporários.

[2] McKinsey & Co. “Independent work: Choice, necessity, and the gig economy”, 2016. https://www.mckinsey.com/featured-insights/employment-and-growth/independent-work-choice-necessity-and-the-gig-economy

[3] EY. “Is the gig economy a fleeting fad, or an enduring legacy?”, 2016. https://gigeconomy.ey.com/Documents/Gig%20Economy%20Report.pdf

[4] Há risco de vínculo de emprego sempre que estão presentes na relação entre as partes, de forma concomitante, os requisitos de subordinação, onerosidade, habitualidade e pessoalidade.

[5] 0000155-67.2015.5.17.0005; 0011258-69.2017.5.03.0012; 0010795-02.2017.5.03.0183; 0011359-34.2016.5.03.0112; 1001574-25.2016.5.02.0026; 1000026-79.2018.5.02.0321; 1002392-25.2017.5.02.0613

[6] 1000123-89.2017.5.02.0038; 0001161-69.2018.5.11.0006; 0100294-09.2017.5.01.0003