A necessidade de criar áreas específicas de aleitamento para empregadas de lojas de shoppings é matéria ainda não pacificada entre as turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em setembro, ao longo de poucas semanas, o tribunal proferiu acórdãos em sentidos diametralmente opostos, em dois processos cujos pedidos eram idênticos: a criação de espaço de guarda, vigilância e assistência para empregadas lojistas.

Em acórdão publicado no dia 10 de setembro, a 8ª Turma do TST decidiu que os shoppings não são obrigados a criar esses espaços e que cabe aos empregadores (as lojas neles instaladas) satisfazer essa necessidade específica. Poucos depois, no dia 19, a 2ª Turma do mesmo tribunal proferiu decisão exatamente contrária, publicada no dia 28, estabelecendo que o shopping “deve assegurar lugar de amamentação para comerciárias”.

A matéria é relevante, pois pode ser igualmente aplicável a espaços públicos semelhantes, como aeroportos, prédios comerciais, mercados comunitários e escritórios compartilhados.

O art. 389, §§1º e 2º da CLT estabelece que toda empresa, nos estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 empregadas mulheres com mais de 16 anos, deve ter local apropriado para que seus filhos possam ficar no período da amamentação:

“Art. 389 - Toda empresa é obrigada:

(...)

§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.

§ 2º - A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais”.

O caput do artigo é destinado à “empresa”. Por seu turno, o §1º estabelece a obrigação com base em cada “estabelecimento”. Como o §1º está inserido no art. 389, a ideia do legislador foi pensar em cada estabelecimento da empresa, pois se uma empresa possui estabelecimentos em diversas localidades do país, não seria imaginável pensar apenas no número de 30 empregadas no total da empresa.

No contexto das decisões judiciais, a 8ª Turma, no julgamento do RR no processo 1487-13.2015.5.23.0002, decidiu pela inexistência de obrigação do shopping center quanto à instalação do local destinado à amamentação, fundamentando-se no fato de que “o shopping center assume tão somente obrigações genéricas quanto à segurança dos trabalhadores, fornecimento de banheiros e locais para alimentação, mas as obrigações trabalhistas específicas decorrem do contrato de trabalho firmado entre os estabelecimentos comerciais individualmente considerados e seus trabalhadores”.

A decisão aponta, ainda, que “tal obrigação é destinada exclusivamente à real empregadora, como se extrai da própria exegese do art. 389, §§ 1º e 2º da CLT” e que seria “procedimento indevido somar todas as empregadas das lojas às do shopping center para este fim”.

Diferentemente, a decisão da 2ª Turma do TST proferida no julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista (processo nº 131651-27.2015.5.13.0008) foi um pouco mais extensa. O principal argumento para a condenação do shopping center foi o princípio da função social da empresa e o art. 227 da Constituição da República de 1988 (CR/88).

Argumentou-se também que a controvérsia não pode ser óbice à efetivação do direito vindicado e que “ao lojista, locatário do 'salão comercial', quase nenhuma liberdade é atribuída, tudo é rigorosamente voltado para uma padronização de instalações, ações e procedimentos necessários ao fim do empreendimento coletivo”. Ou seja, para a 2ª Turma, “não se trata, pois, como quer fazer crer o recorrente, de um mero contrato de locação, mas de uma relação em que há forte ingerência do promovido sobre a atividade dos lojistas”. Nesse mesmo sentido, argumentou-se que "os shopping centers são, em verdade, um sobre-estabelecimento comercial”, atuando em “atividade de supracomércio”.

Além disso, segundo o acórdão, a condenação se sustenta na subordinação estrutural reticular e não no grupo econômico entre o shopping e as lojas:

“Há, portanto, entre os empregados dos lojistas e o condomínio o que a doutrina chama de subordinação estrutural reticular, justificando-se, também por essa visão, a responsabilização do promovido. Ou seja, não se trata de responsabilidade fundada no reconhecimento da existência de grupo econômico, como sustenta o recorrente”.

Por fim, o acórdão apontou que a lei deve ser interpretada com base no contexto atual, de modo que teria obrigado o estabelecimento – e não a empresa – com mais de 30 empregadas a fornecer o espaço para a amamentação.

A controvérsia é complexa. Interpretar de maneira extensiva a aplicabilidade do art. 389 da CLT implicaria em outras consequências na esfera trabalhista, especialmente quando se amplia o conceito de “estabelecimento”. Assim, locais que abrangem diversas empresas poderiam ser compelidos a cumprir cota de aprendiz, PCD, constituir SESMT e CIPA de acordo com o número de trabalhadores nesses locais, mesmo que não sejam empregados diretos da empresa detentora da estrutura.

Ainda que o art. 227 da Constituição assegure, de maneira prioritária, às crianças todos os direitos fundamentais previstos constitucionalmente, tal dispositivo constitucional não demonstra ser suficiente para se concluir que o art. 389 da CLT seja destinado a quem não é o real empregador.

Tal conclusão é alcançada sobretudo considerando que os conceitos de empregador e de estabelecimento não podem ser expandidos pelo julgador para além da conceituação trabalhista dos termos.

Afinal, o art. 389 da CLT tem como destinatário a “empresa”. Por sua vez, o art. 2º do mesmo diploma legal considera como sendo empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Além disso, entende-se por estabelecimento, segundo o art. 74 da CLT, cada local de prestação de serviços, diferentemente da totalidade do empreendimento, que seria considerado como “empresa”.

Assim, considerando que o shopping center (ou ainda, os aeroportos, prédios comerciais, complexos portuários, mercados comuns e escritórios compartilhados) não assalaria, nem dirige a prestação pessoal do serviço dos empregados das empresas, cujos estabelecimentos estão localizados no interior de seu empreendimento, a decisão de uma das turmas do TST poderia ser combatida juridicamente ante esses argumentos.