As sete ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra os principais bancos do país por alegada responsabilidade pelos riscos socioambientais de seus clientes começam a ter seus primeiros desdobramentos.

O caso começou, na verdade, em 2016, quando o MPT instaurou procedimento promocional para acompanhar as Políticas de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) exigidas pela Resolução nº 4.327/14, do Conselho Monetário Nacional (CMN), em relação aos principais bancos em operação no país.

Além de implementar as diretrizes para a PRSA, a resolução estabelece os requisitos a serem observados pelas instituições financeiras nas ações de natureza socioambiental tanto em relação aos seus próprios negócios quanto em relação àqueles celebrados com partes interessadas, ou seja, empresas consumidoras dos produtos e serviços oferecidos.

Segundo o MPT, a intenção da Resolução nº 4.327/14 é exigir que as instituições financeiras planejem ações para prevenir ou reparar o fornecimento de crédito a empreendimentos envolvidos com a exploração de trabalho escravo, trabalho infantil ou sérias violações a normas de saúde e segurança. Entretanto, durante o procedimento instaurado, o órgão verificou que as ações de responsabilidade socioambiental anunciadas pelas instituições financeiras investigadas não correspondiam à realidade e não eram convertidas em ações concretas.

Diante do resultado das investigações e após negociações infrutíferas com os bancos envolvidos, o MPT ingressou com sete ações civis públicas contra essas instituições na Justiça do Trabalho em maio deste ano, com o argumento de que as diretrizes previstas pela resolução não teriam sido atendidas. As ações se baseiam, entre outras questões, na ideia de que, caso as instituições financeiras tivessem compelido as empresas beneficiárias de seus serviços e produtos (especialmente crédito) a cumprir políticas de responsabilidade socioambiental, muitos desastres não teriam ocorrido.

Tal responsabilidade foi imputada pelo MPT aos principais bancos em operação no país, pois o engajamento socioambiental dos clientes beneficiados teria se dado exclusivamente com base em licenças para funcionamento emitidas por órgãos ambientais e documentação autodeclaratória, sem qualquer questionamento de aspectos trabalhistas nem verificação de violações graves de direitos trabalhistas, por exemplo.

Nesse contexto, as sete ações civis públicas propostas pretenderam, em síntese, cobrar que as instituições: (i) elaborassem novas políticas de responsabilidade socioambiental para assegurar a identificação efetiva dos riscos socioambientais a que os clientes e usuários dos produtos estão expostos; (ii) não mais utilizassem autodeclarações como fonte exclusiva de identificação de riscos socioambientais; e (iii) incluíssem obrigações de cunho socioambiental nos contratos de concessão de crédito.

Ocorre que a Resolução nº 4.327/14 não descarta as autodeclarações como fonte de identificação de riscos socioambientais pelas instituições financeiras, além de não determinar a inclusão de obrigações de cunho socioambiental nos contratos de concessão de crédito, o que pode gerar grande repercussão quanto aos limites de atuação do MPT e à responsabilidade das empresas e instituições financeiras pelos riscos socioambientais a que estão expostos seus clientes e usuários/consumidores.

Essa mesma discussão já foi levantada em novembro de 2018, quando da publicação do Decreto Federal nº 9.571, que orientou as empresas a monitorar toda a sua operação, incluindo a cadeia produtiva, para promover os direitos humanos não apenas no âmbito de atuação de seus empregados. À época, no primeiro artigo escrito no Portal Inteligência Jurídica sobre o assunto, destacamos que, até então, a fundamentação utilizada pelos órgãos de controle – notadamente o MPT – para imputar a responsabilidade das empresas pela cadeia produtiva era principiológica, englobando a Constituição Federal, convenções internacionais, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, entre outros. Entretanto, antecipamos que, embora as empresas pudessem cumprir as diretrizes previstas de maneira voluntária, o MPT passaria a utilizar o decreto como base legal, e não mais principiológica, para imputar a responsabilidade pela cadeia produtiva.

Poucos meses depois, o MPT propôs as sete ações civis públicas, com pedidos diretamente relacionados à responsabilização das instituições pelos riscos socioambientais de seus clientes e usuários/consumidores. Mais uma vez, o MPT imputou uma obrigação não prevista em lei às partes envolvidas na operação.

Ou seja, embora o MPT não tenha mencionado expressamente o Decreto Federal nº 9.571/2018 nas ações civis públicas propostas, o fato de o órgão ter se utilizado de regramento mais específico faz com que a imputação de responsabilidade às empresas por toda a operação e até por riscos expostos por clientes e usuários possa se tornar ainda mais recorrente pelos órgãos de controle, com base na presunção de responsabilidade prevista pela primeira vez no Decreto Federal nº 9.571/2018, ainda que não haja previsão legal sobre o assunto.

De qualquer forma, é importante ponderar que a Resolução nº 4.327/14, utilizada para respaldar a alegação do MPT, tem abrangência mais limitada do que a atribuída pelo órgão de controle, o que ainda pode gerar importantes discussões sobre o assunto.

Em agosto deste ano, as ações civis públicas ajuizadas pelo MPT registraram seu primeiro desdobramento: a Justiça do Trabalho teve sua incompetência material declarada para julgar a matéria em uma delas, sob o argumento de que a análise da violação ou não das normas atinentes a políticas de responsabilidade socioambiental caberia à Justiça Federal comum, por envolver regras atinentes a ações de natureza socioambiental que impactariam o Sistema Monetário Nacional, de interesse da União.

Isso significa que a discussão sobre a imputação de responsabilidade às empresas por toda a operação ainda poderá persistir também na Justiça Federal comum, de modo que o Decreto Federal nº 9.571/2018 pode ter apenas indicado o comportamento futuro dos órgãos de controle tanto na esfera trabalhista quanto na esfera civil.