Preconceitos e práticas sistemáticas de discriminação de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho motivaram organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a dispor sobre o problema em suas convenções e recomendações.

É o caso da Convenção nº 111 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 62.150/68, a respeito de discriminação em matéria de emprego e profissão. Essa norma estimula a adoção de políticas de ação afirmativa, tendo como principal instrumento a colaboração das organizações de empregadores e trabalhadores e de outros organismos apropriados. O objetivo é promover a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais.

No âmbito interno, o legislador estabeleceu ação afirmativa no artigo 93 da Lei nº 8.213/91, ao dispor que as empresas com cem ou mais empregados estão obrigadas a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com trabalhadores reabilitados ou pessoas com deficiência habilitadas. Determina-se ainda que a dispensa imotivada desses empregados só poderá ocorrer após a contratação de substituto em condição semelhante.

Essa proteção estatal limitou o poder potestativo do empregador em dispensar imotivadamente empregados que estejam dentro da cota legal. Para que não seja presumido ou configurado ato discriminatório, o empregador deve ter cautela redobrada caso precise dispensar empregado com deficiência.

Segundo a jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho (TST), “a demissão do trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado, imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante, sendo nula a demissão sem justa causa quando não observada a exigência legal”. Em outras palavras, por entendimento majoritário da Corte Superior, a rescisão contratual do empregado contratado pela cota do artigo 93 da Lei nº 8.213/91, fora das condições ali previstas, poderá acarretar sua reintegração ao posto até que se cumpra a exigência imposta por lei. Essa reintegração é considerada uma garantia provisória de emprego.

A nulidade da rescisão com a reintegração do trabalhador às funções antes exercidas não é considerada estabilidade, mas sim uma garantia de emprego até que a empregadora cumpra a exigência legal de substituir a pessoa com deficiência em iguais condições e com o mesmo nível de adaptações.

Surgem dúvidas, no entanto, sobre o sentido da expressão “substituto em condição semelhante”. A obrigação de substituição prevista em lei só pode ser satisfeita caso o empregado substituto seja portador de deficiência do mesmo tipo e grau que o empregado substituído?

De acordo com essa interpretação, a dispensa de empregado que utilizasse cadeira de rodas, por exemplo, poderia ser considerada discriminatória caso o substituto fosse trabalhador com deficiência de grau leve, em detrimento da manutenção do contrato daquele que evidentemente tem menor possibilidade de obtenção e conservação de emprego, por não exigir maiores adaptações no ambiente de trabalho.

A 6ª turma do TST se posicionou dando interpretação ao dispositivo no Recurso de Revista RR-779-16.2012.5.03.0069. No caso em questão, a vara do trabalho de origem, bem como o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) adotaram o entendimento de que a substituição deveria se dar por portador do mesmo tipo de deficiência, determinando a reintegração do ex-empregado demitido. Entretanto, segundo decidiu a 6ª Turma, a norma legal não faz distinção, limitando-se a exigir a contratação de empregados nas mesmas condições – “pessoa com deficiência”, e não pessoa que tenha a mesma deficiência. A empregadora foi absolvida da reintegração e da condenação pelo juiz da vara e pelo tribunal regional.

Outra questão que gera discussão sobre o tema de cumprimento das cotas: uma empresa que supera o percentual exigido pode demitir um empregado com deficiência ou deve seguir a regra imposta pelo artigo 93, §1º da Lei nº 8.213/91, segundo o qual a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao fim do contrato por prazo determinado de mais de 90 dias e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderão ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante?

A lei não é clara se tal vedação deve ser aplicada em todos os casos ou apenas quando a empresa não cumprir a cota mínima legal, fato que levou o tema a muitos embates judiciais. Durante anos os tribunais trabalhistas entenderam que a vedação deveria ser aplicada em todos os casos, mesmo quando o empregador já tivesse o número mínimo de pessoas com deficiência exigido por lei. O argumento era que a intenção da lei é a integração social e profissional dessas pessoas, independentemente de cumprimento ou não de cotas.

Entretanto, em meados de 2017, a Subseção de Dissídios Individuais I do TST proferiu decisão no processo nº 0010740-12.2005.5.17.0012 reconhecendo que não há impedimento legal à dispensa de empregado portador de deficiência, mesmo sem a contratação de substituto, quando a empresa mantém em seus quadros percentual de empregados nessa condição acima do estipulado no artigo 93 da Lei nº 8.213/91 (cota mínima).

Após essa decisão, os tribunais têm entendido, cada vez mais, que a vedação do §1º do artigo 93 deve ser aplicada apenas quando o empregador não cumpre a cota mínima legal, muito embora ainda haja bastante controvérsia sobre o tema.

Diante das controvérsias jurídicas, o governo federal, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, editou visando informar e orientar empregadores, empregados e a sociedade em geral sobre as ações afirmativas e assegurar a inclusão social e o cumprimento das normas que proíbem a discriminação nas relações de trabalho.

Caso comprovada a prática discriminatória, a Secretaria de Inspeção do Trabalho pode autuar a empresa por meio da lavratura de auto de infração, sob pena de responsabilidade administrativa, conforme artigo 628 da CLT.

Ainda como ação afirmativa, o governo federal, por meio da MP 905/2019 (artigo 19), instituiu o Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho, tendo como finalidade financiar o serviço de habilitação e reabilitação profissional prestado pelo INSS.

Verificam-se, portanto, ações do governo brasileiro e a internalização intensa de normas internacionais com a finalidade de eliminar práticas discriminatórias de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, seja por adesão às regras das convenções e suas recomendações, seja pela edição de leis e ações afirmativas. Nesse contexto, os empregadores devem ajustar suas práticas e políticas aos dispositivos legais, à jurisprudência e às recomendações internacionais, implementando ações afirmativas para erradicar a discriminação no ambiente de trabalho e prevenir ações judiciais.