Diversos negócios no Brasil vêm sofrendo, nos últimos tempos, as consequências da aridez do cenário econômico atual. Muitas vezes, as organizações afetadas convidam seus credores para discutir possíveis ajustes nos pagamentos de suas dívidas e, ao mesmo tempo, reorganizam sua estrutura interna e seu quadro de funcionários.

Para driblar o ponto de não retorno de dívidas ingovernáveis com seus credores, renomadas empresas em crise recorrem a um plano de recuperação judicial ou extrajudicial para evitar a quebra – e, consequentemente, o efeito dominó em clientes, fornecedores e trabalhadores.

A recuperação judicial, em resumo, é o procedimento iniciado pela empresa com dificuldades financeiras para viabilizar a manutenção do seu empreendimento. Ela se baseia na criação de um plano aprovado com os credores, para que as dívidas sejam reorganizadas em ordem de preferência e o negócio se mantenha saudável enquanto atravessa a turbulência.

Como vem sendo noticiado pela mídia, a redução e/ou reorganização do quadro de empregados tem ganhado destaque no plano de recuperação judicial como instrumento necessário para garantir a saúde da empresa e pode gerar a forçosa medida de desligamentos em massa.

O caso das Lojas Americanas, especialmente após o seu protocolo de pedido de recuperação judicial em 17 de janeiro deste ano, trouxe mais relevância ao assunto e levantou questionamentos: sendo inevitável a dispensa coletiva de trabalhadores, é necessária a negociação coletiva com sindicatos, ainda que a empresa esteja em recuperação judicial ou em vias de recuperação? E, se necessária a negociação, o que deve ser negociado com os sindicatos?

Sobre o tema das dispensas coletivas, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário 999435, com repercussão geral (Tema 638), e decidiu por maioria de votos pela necessária intervenção prévia dos sindicatos nos procedimentos de demissão em massa, que comentamos em artigo recente.

Olhando a fotografia atual, sabe-se que, havendo a necessidade de dispensar coletivamente trabalhadores, seja antes ou durante as fases da recuperação judicial, a intervenção prévia do sindicato profissional é etapa indispensável, e poderá ser selado um acordo ou não.

Embora a negociação sindical em casos de desligamentos coletivos tenha sido, em certa medida, esclarecida pelo STF, novos e acalorados debates têm surgido sobre o que seria negociação “eficaz” quando imposta às empresas em crise. Ou seja, o que os negócios “em salvação” e com fluxo de caixa comprometido deveriam oferecer na hora de negociar com seus sindicatos?

Lembramos o emblemático caso da Editora Abril que, à época em recuperação judicial, propôs aos sindicatos dos seus empregados um acordo coletivo de trabalho com o objetivo de parcelar as verbas rescisórias e a multa prevista no artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), devidas aos trabalhadores que seriam desligados coletivamente por causa da reestruturação organizacional.

Apesar dos desafios financeiros da Abril naquele momento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região decidiu pela ilegalidade da dispensa coletiva e pela reintegração dos trabalhadores, sob o argumento de que a proposta apresentada pela empresa aos sindicatos “em nada representava efetiva disposição de negociação para minimizar o impacto da dispensa coletiva de seus empregados”.[1]

A nosso ver, o entendimento do tribunal nesse caso merece reforma, sobretudo por não nos parecer razoável que seja imposto às empresas, nesse delicado momento de escassez de recursos econômico-financeiros, pagamentos adicionais ou compromissos de ordem econômica que poderão expor ao risco toda a atividade empresarial e a cadeia de pessoas físicas e jurídicas que dela dependem.

Decisões como a do caso da Editora Abril podem formar uma jurisprudência refratária aos esforços de superação de crises nas empresas que já estão ou poderão passar pela recuperação judicial. Mais que isso: podem consolidar conceitos perigosos que, na prática, afetariam postos de trabalho, futuras contratações e a disposição das empresas de solicitar a recuperação judicial.

 


[1] Processo 1000446-88.2018.5.02.0061.