A Lei nº 13.699/2018, publicada em 2 de agosto, alterou o artigo 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) para fazer referência a condições aplicáveis a trabalhadores domésticos:

“Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

XIX – garantia de condições condignas de acessibilidade, utilização e conforto nas dependências internas das edificações urbanas, inclusive nas destinadas à moradia e ao serviço dos trabalhadores domésticos, observados requisitos mínimos de dimensionamento, ventilação, iluminação, ergonomia, privacidade e qualidade dos materiais empregados.”

Em uma rápida análise, é possível interpretar que o novo dispositivo estabelece obrigações aos empregadores domésticos. No entanto, como o Estatuto da Cidade regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tratam da política de desenvolvimento urbano, seus artigos são direcionados ao poder público municipal. Eles estabelecem diretrizes gerais que devem ser seguidas pelas municipalidades para atender à função social das propriedades urbanas e buscar o bem-estar de seus habitantes.

Trata-se, portanto, de uma lei programática, que define ideais a serem observados pelo poder público no desenvolvimento de seus planos diretores urbanos. Por essa razão, não contém em seu bojo previsões fiscalizatórias ou de penalidades.

Na exposição de justificativa do senador Cristovam Buarque, autor do projeto que resultou na alteração da lei, a referência aos empregados domésticos teve como objetivo alertar as casas legislativas das municipalidades para que, na elaboração dos planos diretores de desenvolvimento de política urbana, levem em consideração as condições dos locais destinados ao trabalho e à moradia dos empregados domésticos:

“Embora a União, por força da autonomia dos entes federativos, não possa adentrar o território legislativo dos municípios, aos quais compete editar as leis de uso e ocupação do solo urbano, a legislação federal deve orientar o estabelecimento dessas normas no âmbito local, observando, como é o caso, a garantia aos direitos e à dignidade humana e os direitos trabalhistas, esta sim, matéria de exclusividade da União.

É o que faz a presente proposição. Sem alterar a essência da diretriz de simplificação dos chamados “códigos de obras”, a redação ora proposta acrescenta ao Estatuto da Cidade a determinação de que os municípios, ao legislarem sobre essa matéria, estabeleçam padrões adequados de acessibilidade e conforto para as dependências habitacionais, inclusive as de serviço. Pretende-se, assim, nos escassos limites da jurisdição federal no campo das normas urbanísticas, assegurar o devido respeito à dignidade da pessoa na edificação dos espaços domésticos.”

Nessa linha, diferentemente do que a simples leitura do novo dispositivo legal possa sugerir, não foram estabelecidas obrigações aos empregadores domésticos.

Aliás, é de se ponderar que interpretação contrária poderia causar sérias dificuldades à própria viabilidade do trabalho doméstico. Isso porque o novo inciso XIX do artigo 2º do Estatuto da Cidade apresenta menções abrangentes e não definidas de acessibilidade, conforto, dimensionamento, ventilação, iluminação, ergonomia e privacidade, o que tornaria natural a adoção como parâmetro das regras apresentadas pelo Ministério do Trabalho sobre o tema.

Como consequência, haveria grande dificuldade de cumprir os requisitos de ergonomia e condições físicas dos locais de trabalho para os empregados domésticos, pois as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego[1] são bastante rígidas e muitas vezes mais exigentes que as condições que os próprios empregadores domésticos têm em suas residências.

Conclui-se que a nova disposição inserida no Estatuto da Cidade não traz obrigações aos empregadores domésticos, mas apenas tenta fazer com que as políticas municipais de desenvolvimento urbano levem em consideração as condições de trabalho dos domésticos.

De toda forma, é essencial que, dentro de um padrão de razoabilidade e levando em consideração as possibilidades de suas residências, os empregadores tenham o cuidado de oferecer boas condições de dimensionamento, ventilação, iluminação, ergonomia, privacidade e qualidade de materiais aos trabalhadores domésticos.


[1] Segundo consta da Norma Regulamentadora 1, o cumprimento das regulamentações do Ministério do Trabalho e Emprego é obrigatório apenas às empresas privadas e públicas e aos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário que tenham empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Não se aplicam, portanto, aos trabalhadores domésticos.