Publicada com o objetivo de amenizar os prejuízos econômicos decorrentes da pandemia de covid-19, a Medida Provisória nº927/20, de 22 de março, também buscou assegurar a observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório às empresas, insculpidos no art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal de 1988.[1]

Em seu art. 28, a MP 927/20 prevê a suspensão dos prazos processuais para apresentação de defesas e interposição de recursos em processos administrativos decorrentes de autuações trabalhistas durante o período de 180 dias. A determinação de suspensão abrange processos administrativos oriundos de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) no âmbito do Ministério da Economia.

A medida garante a observância da regra prevista no inciso LV do art. 5°, da CF/88, que é plenamente aplicável aos processos administrativos, no quais as partes têm o direito de ampla produção de prova, independentemente de qual modalidade, podendo inclusive requerer a designação de audiência para realização de prova oral.

Além disso, de acordo com as alterações introduzidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) pela Medida Provisória nº 905/19, que instituiu o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, a análise de defesas e dos recursos administrativos deverá ser realizada por unidade federativa distinta da que lavrou a autuação, nos termos do critério da desterritorialização.

Também cabe ressaltar que o Ministério da Economia não possui sistema eletrônico de peticionamento para envio de defesas e recursos administrativos, de modo que o protocolo das peças deve ser feito presencialmente pela empresa, preferencialmente no órgão responsável pela autuação, ou por meio de envio de correspondência pelos Correios.

Para protocolo das peças, é necessário deslocamento, seja para comparecer ao órgão do Ministério da Economia, seja para se dirigir a uma agência dos Correios. Na última hipótese, considerando as medidas adotadas para contenção do contágio da doença, há agências dos Correios que nem estão funcionando.

Diante da situação atual de restrição de convívio social e considerando a decretação do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus, há extrema dificuldade de garantir o regular andamento dos processos administrativos, de forma que sejam observados os procedimentos aplicáveis e as garantias constitucionais asseguradas às empresas autuadas.

Por esse motivo, a suspensão dos prazos processuais para apresentação de defesa e interposição de recursos em processos administrativos decorrentes de autuações trabalhistas e de notificações de débito de FGTS é de suma importância

No entanto, a MP n 927/2020 não dispõe sobre a situação que deverá ser observada no caso de fiscalizações em curso no âmbito do Ministério da Economia. É necessário que as empresas entrem em contato diretamente com os respectivos auditores fiscais do trabalho para verificar qual será o posicionamento adotado caso a caso. Apesar dessa circunstância, que não foi adequadamente dirimida pela medida provisória, as autuações decorrentes das fiscalizações em curso estão suspensas.

Além disso, a MP 927/20 também promove alterações na atuação dos auditores fiscais do trabalho do Ministério da Economia no período de 180 dias após a sua publicação. De acordo com o art. 31 da MP 927/20, caberá a esses servidores atuar de forma orientadora quanto às irregularidades verificadas nesse período. Isso significa que, verificada eventual irregularidade, antes da lavratura da autuação, os auditores fiscais deverão orientar as empresas sobre como saná-la.

As exceções a essa regra, que permitem a lavratura de autuação no período de 180 dias logo de plano, estão previstas nos incisos I a IV do mesmo dispositivo: (i) falta de registro de empregado, a partir de denúncias; (ii) situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; (iii) ocorrência de acidente de trabalho fatal em decorrência de procedimento fiscal de análise de acidente, somente no que se refere às irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e (iv) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

Tal determinação é de extrema importância, considerando que, na atual circunstância, as empresas estão enfrentando inúmeras dificuldades para desenvolver suas atividades, focando, em primeiro lugar, na saúde de seus colaboradores em detrimento do atendimento de formalidades legais que podem ser consideradas desnecessárias ou colocadas em segundo plano ao menos nesse momento.

Assim, tendo em vista que a situação atual pode impossibilitar o cumprimento de determinadas regras por parte das empresas em decorrência de força maior, a disposição prevista no art. 31 da MP 927/20 é extremamente razoável, especialmente tendo em vista que as infrações graves cometidas pelas empresas seguirão sendo fiscalizadas pelo Ministério da Economia e levarão à lavratura de autuação.

[1] “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”