A Medida Provisória nº 927, publicada em 22 de março, alterou a legislação para regular as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas por empregadores para preservar o emprego e a renda e para enfrentar a covid-19 enquanto permanecer vigente o estado de calamidade pública.

As medidas trabalhistas poderão ser celebradas entre empregado e empregador por acordo individual escrito, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites da Constituição Federal (CF).

Estas são as principais medidas contidas na MP 927 (resumidas em quadro mais à frente)[1]:

  • teletrabalho
  • antecipação de férias individuais
  • concessão de férias coletivas
  • aproveitamento e antecipação de feriados
  • banco de horas
  • suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
  • diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

A MP 927 estabelece que as medidas adotadas por empregadores nos 30 dias anteriores a 22 de março de 2020 que não contrariem o disposto na MP são consideradas convalidadas.

Fica estabelecido também que o estado de calamidade pública constitui, para fins trabalhistas, hipótese de força maior, conforme artigo 501 da CLT, o que, nos termos do artigo 503 da CLT, implica na possibilidade de redução geral dos salários dos empregados, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

Entretanto, o próprio artigo 2º da MP 927 faz referência aos limites da CF. Nesse contexto, entendemos que a redução salarial (i) deve ser implementada mediante negociação coletiva, na medida em que, conforme o artigo 7, VI, da CF, a redução salarial apenas será considerada válida se negociada com o sindicato profissional; e (ii) poderá ultrapassar o limite de 25% estabelecido pelo artigo 503 da CLT em razão da prevalência do negociado sobre o legislado estabelecido pela Reforma Trabalhista.

MP 927: MEDIDAS TRABALHISTAS PARA ENFRENTAMENTO DA COVID-19

MEDIDA

COMENTÁRIOS

Teletrabalho

Pode ser adotado pelo empregador, a seu critério, independentemente de acordo individual ou coletivo.

Requer notificação, escrita ou eletrônica, com antecedência de, no mínimo, 48 horas.

As regras sobre responsabilidade pela aquisição e manutenção e pelo fornecimento dos equipamentos e da infraestrutura necessária e adequada e sobre reembolso de despesas devem ser previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30 dias da data da mudança do regime de trabalho.

Caso o empregado não possua equipamentos e infraestrutura necessária à prestação do teletrabalho: (i) o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura (que não caracterizarão verba de natureza salarial); ou (ii) na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho.

O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

Não se aplicam aos trabalhadores em regime de teletrabalho as regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing.

O empregador poderá adotar o regime de teletrabalho também para estagiários e aprendizes.

O empregador também poderá determinar, a seu critério, o retorno ao regime de trabalho presencial, mediante notificação com 48 horas de antecedência.

Antecipação de férias individuais

O empregador poderá antecipar as férias individuais mediante notificação escrita ou eletrônica com antecedência de, no mínimo, 48 horas.

Trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus devem ser priorizados para as férias.

As férias: (i) não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos; e (ii) poderão ser concedidas ainda que o seu período aquisitivo não tenha transcorrido (antecipação).

O pagamento da remuneração das férias poderá ser feito até o 5º dia útil do mês subsequente ao início das férias. O empregador também poderá optar por efetuar o pagamento do terço de férias após sua concessão, até a data em que é devido o 13º salário.

A conversão de um terço de férias em abono estará sujeita à concordância do empregador.

Na hipótese de dispensa do empregado, o empregador pagará, com as demais verbas rescisórias, as férias ainda não pagas.

O empregador também poderá negociar com os empregados a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.

O empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48 horas.

Concessão de férias coletivas

O empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas mediante notificação dos empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48 horas.

Ficam dispensadas as comunicações prévias ao Ministério da Economia e aos sindicatos profissionais.

Não são aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias previstos na CLT (dois períodos anuais não inferiores a dez dias corridos).

Trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus devem ser priorizados para as férias.

Aproveitamento e antecipação de feriados

O empregador poderá antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais mediante notificação, escrita ou eletrônica, dos empregados, com antecedência de, no mínimo, 48 horas, com indicação expressa dos feriados aproveitados.

Os feriados também poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.

O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, por acordo escrito.

Banco de horas

O empregador poderá interromper suas atividades e constituir regime especial de banco de horas, por meio de acordo coletivo ou individual, para a compensação no prazo de até 18 meses após a data de encerramento do estado de calamidade pública.

A compensação de tempo de recuperação poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, não excedendo o limite diário de dez horas.

Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho

Durante o estado de calamidade pública, fica suspensa a obrigatoriedade de realização (i) dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais; e (ii) de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.

Os exames demissionais também poderão ser dispensados caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.

Os exames suspensos deverão ser realizados em 60 dias após o encerramento do estado de calamidade pública, e os treinamentos, em 90 dias.

A Cipa atual poderá ser mantida até o encerramento do estado de calamidade pública, e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.

Diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

Fica suspensa a exigibilidade do FGTS referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020.

O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado, sem a incidência de atualização, multa e encargo, em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, a suspensão ficará resolvida e o empregador ficará obrigado: (i) a recolher os valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos, caso seja efetuado dentro do prazo legal estabelecido para sua realização; e (ii) a depositar os valores do mês da rescisão e do imediatamente anterior, que ainda não houver recolhido.

A MP 927 estabeleceu ainda os seguintes os pontos:

  • É permitido aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso: (i) prorrogar a jornada de trabalho, nos termos do disposto no art. 61 da CLT; e (ii) adotar escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado nos termos do disposto no art. 67 da CLT.
  • Durante o período de 180 dias, contado de 22 de março de 2020, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos.
  • Os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
  • As convenções e os acordos coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de 180 dias, contado de 22 de março de 2020, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias, após o termo final desse prazo.

Vamos continuar acompanhando a evolução desses temas e seus potenciais desdobramentos.

[1]Este artigo já considera as alterações implementadas pela Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020, que revogou a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para qualificação do trabalhador sem negociação coletiva.

*Informação atualizada em 24 de março de 2020, às 7:40