Entre seus principais pilares, a Reforma Trabalhista buscou a) esclarecer controvérsias sobre o conceito de tempo à disposição do empregador; b) atribuir maior autonomia ao trabalhador; c) desburocratizar alguns procedimentos obrigatórios às empresas; e d) fortalecer e incentivar as negociações coletivas de trabalho, o tão anunciado princípio do “negociado sobre o legislado”.

Em relação ao primeiro ponto, muitas eram as controvérsias sobre o que considerar jornada de trabalho, em razão do amplo conceito de “tempo à disposição do empregador” trazido pelo artigo 4º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Não havia clareza quanto a algumas atividades, como o café da manhã oferecido pela empresa e a troca do uniforme.

A nova legislação veio afinar o conceito de tempo à disposição do empregador, declarando que os minutos despendidos em atividades realizadas nas dependências da empresa, por opção pessoal do empregado, não fazem parte da jornada de trabalho. O café da manhã e a troca de uniforme serão parte da jornada apenas se o empregado não puder realizar essas atividades em casa. Ou seja, se houver reuniões de trabalho durante o café ou o uniforme precisar de higiene especial, por exemplo, esses períodos serão computados na jornada de trabalho dos empregados. Caso contrário, não.

Quanto à autonomia do trabalhador, segundo pilar da Reforma Trabalhista, a nova legislação atestou que os empregados em geral têm condições de negociar com o empregador algumas questões relacionadas ao seu dia a dia de trabalho. E identificou que um grupo seleto de empregados, com graduação universitária e salário superior a dois tetos do maior benefício da Previdência, são capazes de negociar um patamar mais abrangente de condições de trabalho, tendo em vista seu maior discernimento e melhor formação.

Trata-se de um reconhecimento da maturidade das relações de trabalho, que retira a presunção de invalidade atribuída aos ajustes e acordos feitos individualmente entre trabalhadores e empregadores. Esse reconhecimento se relaciona, principalmente, também a questões de jornada de trabalho, autorizando, por exemplo, a negociação individual de regimes de compensação mensal de jornada e banco de horas de compensação semestral ou anual, conforme o caso.

No tocante à desburocratização de procedimentos, terceiro pilar da Reforma, merecem destaque a informatização da entrega dos documentos relativos ao seguro-desemprego e à movimentação do FGTS e o fim da exigência da homologação das rescisões de contratos de trabalho no sindicato da categoria profissional.

A aplicação das novas regras ao cotidiano de trabalhadores e empregadores nos três citados pilares da Reforma Trabalhista depende de uma cuidadosa avaliação das normas coletivas que balizam essa relação no âmbito das categorias profissionais e econômicas ou no âmbito das empresas.

Isso porque o quarto pilar da nova legislação busca incentivar as negociações coletivas. E o princípio do “negociado sobre o legislado” não se restringe apenas a cláusulas que pretendam flexibilizar ou modernizar as relações de trabalho. Estende-se também àquelas que visem burocratizá-las ou torná-las mais antiquadas, inclusive para aplicar a lei trabalhista anterior.

Não são poucas as convenções e os acordos coletivos de trabalho que trazem em seu bojo cláusulas que repetem textos de lei ou reconhecem conceitos de limitação à negociação individual até então integrados às relações de trabalho. Caso tais condições integrem normas coletivas, provavelmente se entenderá que elas devem prevalecer, mesmo que a contragosto do que se buscou com a Reforma Trabalhista. “Negociado sobre o legislado”.

A seguir, citamos algumas cláusulas comumente identificadas em convenções e acordos coletivos e que podem contrariar a nova legislação trabalhista e prevalecer sobre ela:

  • “As empresas se obrigam a homologar no sindicato as rescisões dos contratos de trabalho de seus empregados com mais de 1 (um) ano de serviço”.

  • “As empresas poderão instituir banco de horas, desde que aprovado em assembleia de empregados”.

  • “Independentemente de haver transporte público ou ser o local de trabalho de fácil acesso, fixa-se o tempo de deslocamento no transporte em uma hora diária, que será computada na jornada de trabalho dos empregados”.

  • “A empresa fornecerá café da manhã ao primeiro turno, cujo tempo é fixado pelas partes em 10 (dez) minutos diários e integrará a jornada de trabalho dos empregados”.

  • “As empresas da categoria econômica só poderão terceirizar atividade-meio, vedada, para qualquer atividade-fim, a utilização de mão de obra terceirizada”.

  • “As férias serão concedidas, por ato do empregador, em um só período. Apenas em casos excepcionais, as férias poderão ser fracionadas em 2 (dois) períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 (dez) dias”.

  • “Fica estabelecido o limite mínimo de 6 (seis) de horas diárias e 36 (trinta e seis) horas semanais de trabalho para os empregados das empresas da categoria econômica”.

  • “Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo de, no mínimo, 1 (uma) hora. Caso o empregado não usufrua o intervalo integralmente, fará jus ao pagamento de 1 (uma) hora extra”.
     
  • “As cláusulas desta convenção coletiva integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.

Assim, decisões como estabelecer acordos individuais de banco de horas semestrais ou deixar de considerar o tempo do café na jornada de trabalho dos empregados podem gerar indesejáveis passivos trabalhistas se a convenção ou o acordo coletivo exigir comportamento diverso.

Por essa razão, é essencial que os sindicatos patronais e os empregadores analisem cuidadosamente as suas normas coletivas para verificar eventuais conflitos com o novo texto legal e identificar oportunidades de revisão das cláusulas para adequá-las à nova realidade trazida pela Reforma Trabalhista.