O Decreto 11.795/23, publicado em 24 de novembro, regulamenta a Lei 14.611/23 ou Lei de Equidade Salarial entre Mulheres e Homens.

A principal inovação introduzida é a estipulação dos meses de março e setembro de cada ano para a publicação semestral do Relatório de Transparência Salarial. Com isso, as empresas ganham uma extensão no prazo, inicialmente previsto para janeiro de 2024.

No mais, o Decreto 11.795/23 não trouxe novidades relevantes em relação ao que já era esperado da regulamentação e ao que estamos aplicando nos relatórios de clientes que se preparam para cumprir a obrigação legal.

Conteúdo do relatório

De acordo com o decreto, o relatório deverá contemplar, no mínimo, as informações de cargo ou ocupação contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com as respectivas atribuições e o valor da remuneração do trabalhador.

Conforme antecipamos, a comparação da remuneração deve englobar as parcelas fixas e variáveis pagas ao trabalhador, ou seja, devem incluir:

  • salário contratual;
  • décimo terceiro salário;
  • gratificações;
  • comissões;
  • horas extras;
  • adicionais noturno, de insalubridade, penosidade, periculosidade, entre outros;
  • terço de férias;
  • aviso prévio trabalhado;
  • descanso semanal remunerado;
  • gorjetas; e
  • demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração.

Em relação à remuneração variável, o desafio consiste em detalhar todas as verbas de forma segregada e indicar que, embora os critérios para pagamento sejam os mesmos para mulheres e homens, as possíveis diferenças salariais resultam de desempenhos distintos.

Será necessário ter mecanismos robustos para respaldar as empresas caso surjam questionamentos de que as diferenças salariais entre homens e mulheres na empresa se devem à discriminação de gênero e não à performance.

Além disso, embora disponha sobre a apresentação dos valores referentes às verbas remuneratórias, o decreto reforçou que o relatório deverá conter dados anonimizados e em observância à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), garantindo às empresas a possibilidade de não divulgar em valores absolutos as verbas pagas aos trabalhadores.

Publicação do relatório

O decreto estabeleceu que a publicação do Relatório de Transparência Salarial deverá ocorrer nos meses de março e setembro, utilizando duas abordagens simultâneas:

  • Envio por meio de ferramenta informatizada fornecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (ainda pendente de criação e divulgação); e
  • Publicação nos sites das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para empregados, colaboradores e público em geral.

Com as datas e locais de publicação do Relatório de Transparência Salarial agora definidos, entendemos que as empresas que foram notificadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para apresentarem o documento em janeiro de 2024 podem se basear na regulamentação para apresentá-lo somente em março de 2024.

De qualquer modo, para as empresas que já concluíram o relatório ou que, em razão de procedimentos administrativos instaurados pelo MPT, encontram vantagem na apresentação antecipada, recomendamos que não esperem o prazo definido no decreto.

Plano de ação

Caso o Ministério do Trabalho e Emprego identifique desigualdade salarial ou de critérios de remuneração entre mulheres e homens, a empresa deverá elaborar e implementar um “Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens” no prazo de 90 dias da notificação do ministério.

O plano deverá estabelecer as medidas a serem adotadas, metas e prazos, além de detalhar a criação de programas relacionados à:

  1. capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
  2. promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e
  3. capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Na elaboração e implementação do plano de ação, deverá ser garantida a participação do representante das entidades sindicais e dos empregados. Isso deve ser feito preferencialmente na forma definida em norma coletiva ou, na ausência dela, por meio de comissão de empregados estabelecida nos termos do Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).[1]

Para empresas que tenham entre 100 e 200 empregados, é possível instaurar procedimento eleitoral específico para estabelecer uma comissão. O objetivo é garantir a participação efetiva dos empregados na elaboração e implementação do plano de ação.

Com isso, as empresas devem dar atenção a esse procedimento e, caso possível, negociar por meio de acordo coletivo a maneira como será garantida a participação dos representantes sindicais.

Canal de denúncia

O Ministério do Trabalho e Emprego fornecerá canal específico para recebimento de denúncias envolvendo discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

Fiscalização

O decreto atribui ao Ministério do Trabalho e Emprego competência para:

  • fiscalizar o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e
  • analisar as informações contidas nos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

Caberá também ao Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Auditoria Fiscal do Trabalho, notificar as empresas no caso de constatação de desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, para que elaborem o plano de ação no prazo de 90 dias.

Como esperado desde a publicação da Lei de Equidade Salarial entre mulheres e homens, o principal impacto da mudança para as empresas está diretamente relacionado aos efeitos que as informações constantes do Relatório de Transparência Salarial terão em sua imagem institucional.

A publicidade das informações, ainda que garantida a anonimização de dados, expõe ao público possíveis práticas discriminatórias de gênero. No contexto atual, isso pode afetar a reputação das empresas, resultando até mesmo em danos financeiros devido às reações de consumidores, empregados e outros stakeholders.

 


[1] Art. 510-A.  Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.

  • 1o A comissão será composta:

I - nas empresas com mais de duzentos e até três mil empregados, por três membros;

II - nas empresas com mais de três mil e até cinco mil empregados, por cinco membros;

III - nas empresas com mais de cinco mil empregados, por sete membros.

  • 2o No caso de a empresa possuir empregados em vários Estados da Federação e no Distrito Federal, será assegurada a eleição de uma comissão de representantes dos empregados por Estado ou no Distrito Federal, na mesma forma estabelecida no § 1o deste artigo.