Nos artigos anteriores, abordamos algumas medidas preventivas que podem ser tomadas pelas startups para adequar seus procedimentos internos e, com isso, evitar possíveis descumprimentos da legislação trabalhista. As startups podem, no entanto, se deparar com reclamações trabalhistas movidas por seus ex-empregados ou, até mesmo, por terceiros que nem mesmo foram seus contratados diretos.

Há uma explicação: a responsabilidade trabalhista pode transbordar os limites da relação entre contratante-contratado, alcançando empresas ou pessoas que, muitas vezes, sequer tiveram participação nas irregularidades apontadas no processo. Na Justiça do Trabalho, além do devedor principal – em geral, o próprio empregador – a responsabilidade de terceiros pode se dar de duas formas:

  1. Responsabilidade subsidiária

Nessa hipótese, a empresa apenas deve arcar com a dívida trabalhista caso a devedora principal não o faça. Cabe à Justiça do Trabalho esgotar todas as tentativas de execução da responsável principal antes de se voltar contra a responsável subsidiária.

São duas as principais hipóteses em que essa responsabilidade é reconhecida na Justiça do Trabalho:

  1. Responsabilidade do tomador de serviços pelos trabalhadores terceirizados; e
  1. Responsabilidade dos sócios, administradores, investidores e diretores pelas dívidas trabalhistas da sociedade.

A primeira situação decorre do mero trabalho realizado por terceiros mediante a contratação de uma empresa prestadora de serviços. Nesse cenário, entende-se que a empresa tomadora de serviços (contratante) deve responder pelas verbas devidas pela prestadora de serviços (contratada) aos terceirizados que lhe prestaram serviços. É o caso, por exemplo, da empresa contratante de serviços de vigilância, que passa a ser responsável pelas verbas trabalhistas devidas a qualquer de seus vigilantes terceirizados, ainda que não seja sua empregadora.

A segunda hipótese – especialmente relevante no contexto das startups – é a da responsabilidade individual de pessoas-chave pelas dívidas trabalhistas da sociedade. Em algumas situações e mediante a devida apuração, sócios, administradores, investidores e diretores poderão responder pessoalmente por tais dívidas após esgotadas as tentativas de execução da sociedade.

Considerando a instabilidade que ronda algumas startups em seus primeiros anos, é natural que a responsabilização pessoal de seus investidores possa desencorajar aportes de capital. Porém, visando minimizar os riscos do investimento, blindar o patrimônio pessoal dos investidores e estimular o aporte de capital, houve uma importante alteração da Lei do Simples Nacional em 2016.

Com essa alteração, os aportes de capital em microempresas ou empresas de pequeno porte – principais modelos para criação de startups – não integram o respectivo capital social. Assim, tais investidores, também conhecidos como “investidores-anjo”, respondem pelas dívidas da sociedade até o limite do capital aportado. Aqueles que optarem pelo aporte em tais condições contarão com maior segurança jurídica e confiança para realizar investimentos em startups ainda na fase de desenvolvimento.

  1. Responsabilidade solidária

Diferentemente do que ocorre no caso acima, a empresa responsável de forma solidária poderá ser executada de forma simultânea às demais empresas acionadas na reclamação trabalhista. Não há, portanto, uma ordem a ser respeitada pelo juiz, que poderá executar qualquer uma das empresas ou, até mesmo, todas elas ao mesmo tempo. As principais hipóteses de responsabilidade solidária na Justiça do Trabalho são as seguintes:

  1. Grupo econômico;
  2. Sucessão de empresas;
  3. Acordos entre as partes ou previsão legal expressa; e
  4. Práticas fraudulentas durante a vigência do contrato.

O conceito de grupo econômico – uma das hipóteses mais frequentes na Justiça do Trabalho – está presente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 2º e parágrafos. Embora o texto tenha sofrido diversas mudanças ao longo dos anos, a redação atual exige que, para caracterizar o grupo econômico, é necessário comprovar: (i) a relação de direção, controle ou administração entre as empresas; (ii) o interesse integrado; (iii) a efetiva comunhão de interesses; e (iv) a atuação conjunta das empresas.

Além disso, com a conversão em lei da Medida Provisória nº 881/19 (MP da Liberdade Econômica), há expectativa de que a mera existência do grupo econômico não seja mais suficiente para o reconhecimento da responsabilidade solidária. Caso a nova redação seja aprovada pelo Congresso Nacional, será exigida também a comprovação do abuso da personalidade jurídica, identificado pelo desvio de sua finalidade ou pela confusão patrimonial. Trata-se de uma alteração altamente relevante e que terá diversos desdobramentos na forma como a Justiça do Trabalho analisa o tema.

Assim, no que diz respeito à responsabilidade subsidiária, caberá às startups redobrar seus cuidados na seleção e contratação de empresas prestadoras de serviços, optando por aquelas com melhor saúde financeira e alta reputação no mercado. Aos investidores, recomenda-se cautela não apenas na seleção das startups como também, e principalmente, na escolha da melhor modalidade de aporte, resguardando seu patrimônio pessoal.

Com relação à responsabilidade solidária, caberá às startups acompanhar de perto a saúde financeira de empresas coligadas, uma vez que, pela legislação atual, bastam poucos elementos para a configuração de um grupo econômico. Vale lembrar que esse cenário pode ser alterado de forma significativa com a conversão em lei da MP da Liberdade Econômica.

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