Durante a pandemia de covid-19, como a realização de exames médicos presenciais não era permitida, o governo federal publicou a Lei 13.989/20, que possibilitou o uso da telemedicina enquanto durasse o período de emergência de saúde pública.

Contudo, com a decretação do término do estado de emergência de saúde pública de importância nacional em 22 de abril 2022 (Portaria GM/MS 913), o uso da telemedicina para a realização de exames médicos perdeu embasamento jurídico.

Para permitir e regulamentar a continuidade dessa prática, o governo federal publicou, em 28 de dezembro de 2022, a Lei 14.510/22. Além de revogar a Lei 13.989/20, a norma autoriza e disciplina de forma definitiva a prática da telessaúde[1] no Brasil.

Apesar da autorização legal, ainda restam dúvidas sobre a possibilidade de realização de exames médicos ocupacionais (admissional, retorno ao trabalho, mudança de função, periódico e demissional) de forma telepresencial.

  • Mas, afinal, é possível usar a telemedicina para atender trabalhadores em exames ocupacionais após a edição da Lei 14.510/22?

Antes da pandemia da covid-19, não havia previsão legal expressa autorizando o uso da telemedicina para realização desses exames. Apenas em 2020, no auge da crise sanitária, a Lei Federal 13.989/20 e a Portaria 467/20 permitiram o uso da telemedicina durante o período da pandemia. Nenhuma dessas normas, porém, estabeleceu expressamente que a telemedicina poderia ser usada em exames médicos ocupacionais. Muitas questões, então, surgiram e ficaram sem resposta.

Na época, havia uma resistência muito grande dos conselhos de medicina em relação ao uso da telemedicina para a realização de exames médicos ocupacionais. Destacava-se, principalmente, ser imprescindível o exame clínico direto e presencial no paciente.

Sobre esse assunto, o Conselho Federal de Medicina (CFM), expediu o Parecer CFM 08/20, segundo o qual o art. 3º da Lei 13.989/20 teria permitido o uso da telemedicina somente para consultas clínicas de assistência à saúde, pesquisa, ensino, prevenção ou promoção da saúde.

Ou seja, o CFM entendeu que as teleconsultas não poderiam ser realizadas nos exames ocupacionais, que exigiriam o exame e contato direto com o trabalhador, sob o argumento de que os exames ocupacionais estão regulamentados pela Norma Regulamentadora 7 (NR7) do Ministério do Trabalho.

É válido destacar que não analisamos a questão sob a ótica do Conselho Federal de Medicina (CFM) e, portanto, não discutimos a possibilidade de aplicação de eventual sanção aos médicos que praticarem atos em desconformidade com o entendimento do Parecer CFM 08/20. Na verdade, a nossa análise é puramente sob a ótica da Justiça do Trabalho.

Assim, apesar de as normas e os pareceres dos conselhos de medicina terem relevância quando apreciados pela Justiça do Trabalho para auxiliar na interpretação das normas que regem a medicina do trabalho, o fato é que a legislação federal não havia restringido o uso da telemedicina em exames ocupacionais.

Mas, mesmo sem proibição expressa da legislação trabalhista, havia o risco de questionamentos sobre a validade dos atestados de saúde ocupacionais (ASOs), pois, apesar de as normas e os pareceres do CFM ou CRM não terem efeito vinculante no Judiciário, eles poderiam ser utilizados como parâmetro decisório.

Além disso, a Lei 13.989/20 autorizava o uso da telemedicina enquanto perdurasse a pandemia. Portanto, se não houvesse nenhuma lei/regulamentação que permitisse o uso da telemedicina após a pandemia, os exames via telemedicina não teriam mais embasamento jurídico.

A Lei 14.510/22 não dispõe expressamente sobre a possibilidade de realização de exames médicos ocupacionais via telemedicina. Estabelece, porém, diretrizes que trazem maior segurança jurídica para a execução desses exames com o uso da telessaúde.

A norma permite o atendimento a distância tanto na rede pública como nos hospitais e clínicas privadas, desde que o médico e o paciente concordem com a modalidade. No caso de recusa, o atendimento presencial deve ser garantido ao paciente. A Lei 14.510/22 também garante ao médico ampla autonomia para decidir sobre a utilização ou não da telessaúde.

Ao condicionar a realização do exame na modalidade telessaúde à concordância do médico e do paciente, a Lei 14.510/22 trouxe maior segurança jurídica às empresas para utilizar essa modalidade de exame. Entretanto, como não há precedentes da Justiça do Trabalho sobre o tema, ainda existe risco de questionamentos sobre a validade dos ASOs elaborados via telemedicina.

Dessa forma, mesmo com a promulgação da Lei 14.510/22, as empresas ainda não estão totalmente protegidas e seguras de que a validade dos ASOs elaborados por meio de exames médicos telepresenciais será reconhecida.

A nova norma, porém, a nosso ver, traz ótimos argumentos para que a validação aconteça, caso o médico e o paciente concordem com a modalidade de exame médico ocupacional telepresencial.

 


[1] Nos termos da Lei 14.510/22, telessaúde é a modalidade de prestação de serviços de saúde a distância, por meio da utilização das tecnologias da informação e da comunicação, que envolve, entre outros, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, de sons, de imagens ou outras formas adequadas.