Publicada no dia 1° de julho, a Resolução nº 168 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho (CSMPT) instituiu a Lista Nacional de Condenações por Tráfico de Pessoas ou por Submissão de Trabalhadores a Condições Análogas à de Escravo em ações propostas pelo Ministério Público do Trabalho.

A primeira apresentação da lista deverá ocorrer em 180 dias da publicação da resolução. O Ministério Público do Trabalho divulgará em seu site, com atualização semestral, as decisões judiciais proferidas em ações ajuizadas pelo órgão que contenham expresso reconhecimento da responsabilidade de pessoas físicas ou jurídicas pelo tráfico de pessoas ou por submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo.

Para que um nome seja incluído na lista, é necessário que a decisão condenatória seja não sigilosa e tenha transitado em julgado em primeiro grau ou tenha sido confirmada por órgão colegiado ou tribunal por meio de acórdão já publicado.

Não é requisito, portanto, o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que torna a validade da resolução questionável de plano, por violação ao princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal.

As justificativas do Ministério Público do Trabalho para editar a resolução se fundam no direito de acesso à informação e no dever do órgão de assegurar a disponibilização de informações de interesse coletivo em seu site eletrônico. Entretanto, não haveria necessidade de divulgar as decisões por meio de uma lista, pois as informações relativas aos processos judiciais já são públicas, à exceção daquelas constantes de processos que tramitam em segredo de justiça, condição que constitui exceção para inclusão na lista.  

Ainda que assim não fosse, a lista não seria essencial para dar a publicidade às decisões judiciais, pois nosso ordenamento jurídico já prevê meios de obter essas informações, a exemplo do habeas data (artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal) e dos meios disponibilizados pela Lei de Acesso à Informação (12.527/11).

Como a matéria está disciplinada na Constituição Federal e em lei ordinária, é possível, portanto, questionar se a resolução seria meio legitimado para regulamentá-la.

Outra possível alegação de deficiência da Resolução CSMPT nº 168 é a ausência de competência do Ministério Público do Trabalho para disciplinar sobre o assunto, pois, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal, cabe à Administração Pública (composta pelo Executivo, Legislativo e Judiciário) zelar pela publicidade dos três Poderes, e não ao Ministério Público do Trabalho, órgão independente segundo a Constituição Federal vigente.

Nesse sentido, a alegação seria que a competência do Ministério Público se limita àquelas previstas nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, entre as quais não se inclui dar publicidade a atos judiciais.

A resolução pretende ainda viabilizar a execução de políticas corporativas de análise de risco na concessão de créditos no âmbito do BNDES – uma vez que a Lei nº 11.948/09 impõe restrições a empresas que tenham sido condenadas por trabalho escravo – e dos demais bancos em atividade no país.

Esse argumento utilizado pelo CSMPT tem relação direta com o ajuizamento de ações civis públicas em face de sete bancos, em maio deste ano, em virtude do não cumprimento das Políticas de Responsabilidade Socioambiental exigidas pela Resolução nº 4.327/2014 do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Nessas ações, o Ministério Público do Trabalho pretende, entre outras questões, que os bancos passem a identificar todo risco socioambiental relacionado a violações de direitos humanos de natureza trabalhista – como exploração de trabalho escravo, trabalho infantil ou sérias violações a normas de saúde e segurança – e insiram em seus contratos de concessão de crédito, financiamentos, investimentos e prestação de garantias cláusulas para reconhecer obrigações de cunho socioambiental e prever sanções em caso de descumprimento.

A edição da resolução menos de dois meses após o ajuizamento de tais ações não pode ser encarada como mera coincidência. É muito provável que, com a publicação da norma, o próximo desdobramento nas ações civis públicas seja a proposição, pelo Ministério Público do Trabalho, de Termos de Ajustamento de Conduta ou acordos para que as instituições incluam nas suas práticas a observância à lista criada pela Resolução nº 168.

Cabe ressaltar que a Portaria Interministerial nº 4/2016 já instituiu o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, o qual contempla exclusivamente o resultado de procedimentos administrativos que tramitaram perante o Ministério do Trabalho. Dessa forma, o intuito do CSMPT foi criar uma ferramenta para listar as ações judiciais em que a responsabilidade da pessoa física ou jurídica pela exploração do trabalho em condições análogas às de escravo tenha sido reconhecida pelo Poder Judiciário.

A resolução prevê a exclusão de um nome da lista criada pelo Ministério Público do Trabalho após cinco anos, contados da divulgação da decisão, ou em caso de celebração de acordo judicial com o órgão visando à regularização da conduta e à reparação do dano, ou, ainda, em virtude do provimento de recurso administrativo ao Procurador-Geral do Trabalho.

Esse procedimento dá mais motivos para questionar a legalidade da resolução. Em primeiro lugar, porque a publicação de lista dessa natureza denota exacerbação do Ministério Público, em especial quando já há procedimento vinculado ao Poder Executivo sobre o mesmo tema. Em segundo lugar, porque o prazo de cinco anos supera os dois anos previstos pelo Ministério do Trabalho para excluir um nome do cadastro regulamentado pela Portaria Interministerial nº 4/2016.

É importante ressaltar que a mera inclusão de empregador nesse tipo de rol pode gerar impactos imensuráveis para a operação e os negócios, que vão desde danos à imagem até restrições de crédito e desvalorização das ações da empresa.