O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em agosto deste ano, ser lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324.

Como aplicação prática desse entendimento, o Plenário do STF igualmente concluiu que a licitude da terceirização se aplica ao serviço de call center de empresas de telefonia, ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932, com repercussão geral reconhecida.

Como o STF já havia considerado lícita a terceirização da atividade-fim e reconhecido a inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST, o ministro Alexandre de Moraes, relator, entendeu por afastar a configuração da relação de emprego entre as partes. Nas palavras do ministro “não há como se confundir a terceirização de uma das etapas do fluxo de produção com a hipótese de ilícita intermediação de mão de obra, como fez o acórdão recorrido”.

Dessa forma, o STF deu provimento ao recurso extraordinário, declarando a nulidade da decisão do TST, que havia concluído pela inserção dos serviços de call center na atividade-fim de empresas de telefonia. Foi então restabelecida a decisão de primeira instância proferida pelo juízo da 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), a qual afastava a existência de vínculo empregatício entre a empresa de telefonia e o operador de call center.

Até o momento, o STF não modulou os efeitos da decisão que reconheceu como lícita a terceirização da atividade-fim e declarou inconstitucional os incisos I, III, IV e VI da Súmula 331 do TST. Todavia, o recente julgamento sobre a terceirização dos serviços de call center pode servir de norte para o que restará decidido pelo Supremo.

Historicamente, existem duas teorias sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade: a da nulidade da norma inconstitucional e da sua anulabilidade. Segundo a teoria da nulidade, entende-se que a norma inconstitucional é absolutamente nula, estado esse que afeta a sua validade e eficácia desde o início da sua existência. Dessa maneira, a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos retroativos ao início da vigência da norma. Como consequência, todos os efeitos pretéritos produzidos sob a égide daquela norma devem ser desconsiderados, já que sua invalidade é reconhecida desde a entrada em vigor.

Já a teoria da anulabilidade entende que a norma inconstitucional é anulável, ou seja, afeta a sua eficácia a partir da constituição desse estado de invalidade. Nesse caso, não se opera, em regra, efeito retroativo, mas prospectivo, pois são intocáveis todos os efeitos jurídicos produzidos pela norma antes do reconhecimento de sua invalidade.

A jurisprudência e a doutrina brasileiras filiam-se majoritariamente à teoria da nulidade da lei inconstitucional, sendo esse o entendimento do STF. Até hoje, o Supremo proferiu apenas uma decisão que aderiu à tese da anulabilidade, sendo ela prolatada no Recurso Extraordinário 79.343/BA, com relatoria do ministro Leitão de Abreu.

A decisão quanto à licitude da terceirização de serviços de call center de empresas de telefonia, ao restabelecer a sentença em que se havia afastado o reconhecimento de vínculo de emprego entre a operadora de telefonia e a atendente, poderá indicar que, mais uma vez, o STF adotará a teoria da nulidade e decidirá que os efeitos produzidos sob a égide da Súmula 331 do TST devem ser desconsiderados, restando apenas dúvidas acerca do marco temporal a ser fixado para essa desconsideração.

A preocupação, contudo, é a recepção desse novo entendimento na Justiça do Trabalho, que até hoje rechaça o instituto da terceirização e provavelmente encontrará outros meios para barrar sua aplicação.

Nesse sentido, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) já informou que a Justiça do Trabalho terá a incumbência de avaliar as condições nas quais a terceirização foi realizada. O entendimento da Anamatra nesse sentido é que caberá aos juízes a análise de eventual precarização.

De acordo com Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, “o que será discutido é se aquela terceirização concretamente levou à precarização, se configura fraude e se viola isonomia salarial. (...) Com a decisão, nenhum juiz vai declarar em primeiro olhar que a terceirização de atividade-fim de empresa já configura fraude, mas vai analisar provas para ver se no caso concreto houve precarização em função disso”.

Em vista desse cenário, é recomendável que as empresas do ramo de telefonia verifiquem a existência de casos em que o vínculo de emprego com ocupantes de call center terceirizado foi reconhecido com base meramente na argumentação de realização de atividade-fim. Assim, será possível tentar reverter essas decisões em instâncias superiores, valendo-se da recente decisão do STF.