Em tempos de constante inovação, criptomoedas e outros criptoativos ocupam o palco central do nosso futuro financeiro, trazendo promessas de grandes oportunidades de investimento com a utilização da tecnologia blockchain. Como em qualquer nova fronteira, porém, essas oportunidades também trazem novos desafios – no caso, desafios regulatórios.

Aqui entra em cena a Organização Internacional de Valores Mobiliários (Iosco, na sigla em inglês). Esse órgão internacional, responsável por garantir a integridade do mercado de valores mobiliários em âmbito global, servirá como uma bússola no desbravamento desse novo território financeiro.

Em maio, a Iosco publicou uma série de recomendações sobre a regulação de criptoativos. Aproveitamos a oportunidade para abordar o papel da instituição e a importância de suas recomendações na regulação dos criptoativos, tanto no contexto brasileiro quanto no cenário global.

O que é a Iosco

A Iosco é uma instituição que reúne os reguladores de valores mobiliários de todo o mundo. Reconhecida como o órgão que estabelece padrões globais para o setor de valores mobiliários, ela foi fundada em abril de 1983 com a missão de desenvolver, implementar e promover a adesão a padrões internacionalmente reconhecidos para a regulamentação de valores mobiliários.

Esse compromisso se traduz em esforços para proteger os investidores, sustentar mercados justos, eficientes e transparentes e abordar os riscos sistêmicos relacionados a valores mobiliários.

A organização também realiza ações importantes para melhorar a proteção ao investidor e fomentar a confiança na integridade desses mercados. Isso é feito a partir do fortalecimento da troca de informações, da cooperação para fiscalizar más condutas e da supervisão de mercados e intermediários de mercado.

Recentemente, a Iosco abriu uma consulta sobre uma série de recomendações relativas à regulação de criptoativos, cujos comentários deverão ser enviados até o começo do quarto trimestre deste ano. Publicadas em 23 de maio, essas orientações abordam questões críticas na interseção entre tecnologia financeira e regulamentação de valores mobiliários e poderão moldar a regulamentação e supervisão dos criptoativos em jurisdições de todo o mundo.

As recomendações da Iosco

As recomendações propostas pela Iosco são baseadas em princípios, focadas em resultados e direcionadas a atividades desempenhadas pelos provedores de serviços de criptoativos (CASPs, na sigla em inglês).

O documento tem um total de 18 recomendações, divididas em nove capítulos. Para lidar com os principais riscos identificados, considera-se todo o ciclo de vida dos criptoativos, analisando-se cada uma de suas fases ou aspectos, do início ao fim.

Essas recomendações abrangem uma ampla gama de atividades em mercados de capitais que envolvem CASPs, desde a oferta de criptoativos, admissão à negociação, negociação contínua, liquidação, vigilância de mercado e custódia até o marketing e distribuição – tanto orientados como não orientados para investidores de varejo.

As recomendações enfatizam a necessidade de se intensificar a cooperação entre reguladores e propõem aos membros da Iosco parâmetros de cooperação, coordenação e resposta aos desafios transfronteiriços na aplicação e supervisão das normas.

Isso inclui questões relacionadas à arbitragem regulatória originadas por atividades globais envolvendo criptoativos e conduzidas por CASPs que oferecem seus serviços – muitas vezes de maneira remota – em várias jurisdições. É importante destacar que as recomendações não cobrem atividades, produtos ou serviços fornecidos na área de finanças descentralizadas (DeFi).

O relatório da Iosco também aborda a gestão de riscos operacionais e tecnológicos, além da distribuição para o público de varejo. Inclui ainda comentários sobre as stablecoins, criptoativos projetados para manter um valor estável.

O documento contém três anexos que esclarecem melhor o assunto. O Anexo A apresenta questões para consulta e incentiva um diálogo aberto e colaborativo sobre a regulamentação dos criptoativos. O Anexo B faz um levantamento de eventos recentes no mercado de criptoativos e oferece uma visão atual e relevante do setor. Por fim, o Anexo C detalha os objetivos e princípios da Iosco na regulação de valores mobiliários e serve de base para as recomendações propostas.

É importante ressaltar que a Iosco planeja publicar um relatório de consulta com recomendações propostas sobre a área de DeFi até setembro deste ano.

O olhar dos reguladores brasileiros

No Brasil, a Lei 14.478/22, conhecida como Marco Regulatório dos Criptoativos, já ofereceu diretrizes básicas para a regulamentação dos provedores de serviços de criptoativos. Essa lei foi regulamentada em 13 de junho de 2023 pelo Decreto 11.563/23, que estabeleceu a competência do Banco Central do Brasil para, entre outras atribuições, regular a prestação de serviços de ativos virtuais no Brasil

O disposto na lei não se aplica, no entanto, aos ativos que representem valores mobiliários. A competência para absorver as recomendações feitas pela IOSCO e estabelecer a regulação dos provedores de serviços de criptoativos que sejam considerados valores mobiliários, nesse caso, caberá à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A propósito, já existe alguma regulação da CVM sobre o assunto, como:

  • o Parecer de Orientação da CVM 40, que consolida o entendimento da autarquia sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança e de fomentar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos criptoativos, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes;
  • o Ofício-Circular 4/2023/CVM/SSE, que trata da caracterização dos “tokens de recebíveis” ou “tokens de renda fixa” como valores mobiliários; e
  • a legislação esparsa relativa à implementação do Sandbox Regulatório.

As recomendações da Iosco certamente servirão para orientar a regulação específica da CVM sobre o assunto, enriquecendo a discussão sobre a natureza e classificação dos criptoativos, além de ajudar a estabelecer diretrizes para a adequada proteção do investidor.

Esses novos parâmetros propostos pela instituição devem incentivar a criação de uma regulação eficiente e responsiva, que estimule a inovação e a integridade do mercado, sem perder de vista a prevenção de atividades ilícitas e a manutenção da estabilidade do sistema financeiro.

A consolidação dessas regras pode, portanto, não apenas trazer mais segurança jurídica aos investidores e empresas que operam no setor, como também incentivar o crescimento e a internacionalização do mercado de criptoativos no Brasil.

Importância das recomendações da Iosco para a regulação de criptoativos

A importância dessas recomendações para a regulação de criptoativos no Brasil e no mundo é imensa. A crescente popularidade dos criptoativos trouxe grandes desafios para os reguladores. A necessidade de uma abordagem regulatória global e coordenada nunca foi tão grande.

As recomendações da Iosco podem servir como importante roteiro para reguladores em todo o mundo – inclusive no Brasil – desenvolverem e adaptarem suas estruturas regulatórias para lidar com a evolução do mercado de criptoativos.

Além disso, a iniciativa busca limitar o risco de arbitragem regulatória, que ocorre quando os participantes do mercado tiram vantagem das diferenças entre as regulamentações de diferentes jurisdições.

Esse aspecto é particularmente importante no mercado de criptoativos, o qual tem natureza global. Em setores como esse, as diferenças regulatórias podem levar a graves riscos, inclusive sistêmicos.

As ações da Iosco apontam para um futuro em que a regulação de criptoativos se tornará cada vez mais homogênea e consistente globalmente, com uma abordagem unificada sobre o tema, mais proteção para os investidores e o crescimento seguro e sustentável desse importante segmento do mercado financeiro de capitais.

A leitura das recomendações torna-se, portanto, imprescindível para reguladores, investidores privados e demais participantes do mercado de criptoativos, pois elas são uma compilação daquilo que se deve esperar, em breve, no ambiente regulatório no Brasil e em todo o mundo.