A Câmara dos Deputados vai discutir em audiência pública o Projeto de Lei no 2.303/2015, que propõe a inclusão de moedas virtuais, como o bitcoin, e programas de milhagens aéreas na definição de arranjos de pagamento sob supervisão do Banco Central do Brasil (Bacen). Para isso, o projeto prevê alterações à Lei nº 12.865/13 e à Lei nº 9.613/98.

De acordo com a justificação do projeto, “tanto o Bacen como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e os órgãos do consumidor já têm competência para fiscalizar e regular moedas virtuais”. Contudo, existem ainda alguns desafios legais e regulatórios no que diz respeito à regulamentação das moedas virtuais.

O Bacen já se manifestou, em 2014, sobre o assunto pelo Comunicado no 25.306, o qual alerta, em síntese, que:

  • as moedas virtuais não são emitidas nem garantidas por uma autoridade monetária;
  • as moedas virtuais não têm garantia de conversão para a moeda oficial;
  • por causa do baixo volume de transações com moedas virtuais, a variação dos seus preços pode ser muito grande e rápida;
  • a eventual aplicação de medidas prudenciais, coercitivas ou punitivas sobre o uso das moedas virtuais por autoridades monetárias de quaisquer países pode afetar significativamente o preço de tais moedas ou mesmo a capacidade de sua negociação;
  • as moedas virtuais podem ser utilizadas para atividades ilícitas; e
  • ao armazenar moedas virtuais nas denominadas carteiras eletrônicas, o detentor desses ativos corre o risco de sofrer perdas patrimoniais decorrentes de ataques de criminosos que atuam no espaço da rede mundial de computadores.

Também segundo o comunicado, embora as moedas virtuais ainda não tenham se mostrado capazes de oferecer riscos ao Sistema Financeiro Nacional, o Bacen está acompanhando a evolução do uso desses instrumentos e, se necessário, adotará medidas no âmbito da sua competência. Portanto, até o momento não há um posicionamento conclusivo por parte do Bacen sobre a viabilidade e os riscos da adoção de moedas virtuais no Brasil.

A principal dificuldade para regulamentar esses instrumentos (apesar de sua designação como “moedas”) seria definir sua natureza jurídica. De fato, eles têm algumas características que lembram moedas, entre elas: uso e aceitação como meio de pagamento (tendo assim o caráter fiduciário próprio das moedas), alta liquidez, reserva de valor (ainda que sujeita a flutuações) e facilidade de movimentação e armazenamento. No entanto, há outros parâmetros que, do ponto de vista legal, impedem essa caracterização, como a reserva de autoridade conferida pela Constituição ao Bacen para emitir moeda no Brasil e o curso forçado do real estabelecido na Lei no 9.069/95 (Lei do Plano Real).

Há problemas também em classificar as moedas virtuais como valores mobiliários de acordo com a definição prevista na Lei nº 6.385/76 (Lei do Mercado de Capitais). Isso se deve ao fato de que o valor desses instrumentos não depende de variáveis relacionadas a uma pessoa ou entidade determinável, mas predominantemente à sua oferta e procura e a fatores exógenos de ordem político-econômica. Portanto, seria difícil classificar a moeda virtual como título ou contrato de investimento coletivo, conforme mencionado no artigo 2º da lei.

Desse modo, outra alternativa seria classificá-las meramente como ativos, de natureza incorpórea e de alta liquidez, em linha com o entendimento já manifestado pela Receita Federal. Contudo, fica ainda em aberto a sua classificação definitiva para fins da constituição de arranjos de pagamento.

Uma segunda dificuldade na regulamentação das moedas virtuais estaria relacionada à legislação cambial brasileira. Considerando sua alta liquidez, facilidade de movimentação e dificuldade para determinar sua localização e seus proprietários, há o risco de questionamento pelo Bacen nos casos em que moedas virtuais sejam utilizadas como meio indireto para constituir recursos em moeda estrangeira no exterior, sem o fechamento da respectiva operação cambial. Além disso, as transações internacionais com moedas virtuais também poderiam configurar operações ilegítimas de câmbio ou mesmo compensação privada de créditos internacionais, tendo em vista o não envolvimento de bancos habilitados a operar em câmbio.

Por fim, uma terceira dificuldade estaria relacionada à legislação sobre a identificação de clientes e a prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro, uma vez que as operações com moedas virtuais poderiam apresentar obstáculos à devida identificação das partes envolvidas. Há, inclusive, alguns casos notórios de atividades ilícitas envolvendo os bitcoins, como o do site de mercado negro Silk Road e o da centralizadora costarriquenha Liberty Reserve.

O recente aumento das atividades envolvendo os bitcoins e outras moedas virtuais, o seu potencial econômico e o crescimento de sua aceitação entre os consumidores torna cada vez mais necessária uma discussão sobre a sua regulamentação. Entretanto, tal discussão traz desafios relevantes relativos à análise dos impactos das moedas virtuais sobre a economia, seus potenciais riscos para os consumidores e sua harmonização com as demais regras do Sistema Financeiro Nacional.