O Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/15) enumera em seus artigos 879 e 880 as hipóteses de venda forçada de bens do executado no curso de ações judiciais. São elas a adjudicação, a alienação por iniciativa particular e, ainda, o leilão judicial eletrônico ou presencial. Conforme regulamentação processual em vigor, para os casos em que não há interesse do exequente na adjudicação do bem, a alienação por iniciativa particular passou a ser admitida, inclusive em preferência ao leilão.

Esse instrumento é uma novidade introduzida pelo Código de Processo Civil para acelerar a resolução de disputas e dar maior autonomia ao exequente, que pode converter o bem penhorado em dinheiro, buscando compradores para satisfazer seu crédito. Contudo, a alienação por iniciativa particular ainda desperta dúvidas (práticas, inclusive), diante da existência de lacunas legislativas, especialmente em relação aos bens imóveis. Isso se deve ao fato de o Código de Processo Civil ser silente sobre questões importantes para transações imobiliárias. Um exemplo é a forma como o imóvel será avaliado ou a natureza da aquisição (originária ou derivada), que pode implicar na assunção de ônus pelo adquirente, entre outros pontos destacados abaixo.

Conforme regramento legal, o exequente poderá requerer a adjudicação do bem penhorado nos próprios autos da ação. Isso significa que o credor substituirá a obrigação de pagamento em dinheiro pelo próprio bem penhorado, dele apropriando-se como forma de satisfazer o crédito. No entanto, no caso de não haver interesse do credor na adjudicação, o exequente poderá, se assim desejar, requerer a alienação do imóvel a terceiros, venda que poderá ser feita de forma direta ou por intermédio de corretor de imóveis ou de leiloeiro credenciado ao órgão judiciário (hipótese que não se confunde com o leilão puramente judicial, tratado a partir do artigo 881 do Código de Processo Civil). Não havendo interesse na alienação por iniciativa particular, a venda será feita pelo modelo de leilão presencial ou eletrônico. Dessa forma, o tradicional leilão continua sendo uma opção, mas aplicável subsidiariamente no caso de não haver interesse do exequente na adjudicação do bem ou na alienação por iniciativa particular.

O Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 880, que o procedimento da alienação por iniciativa particular será regrado pelo juiz da causa. Isso significa que o procedimento e a aplicação prática da venda do bem poderão variar de acordo com cada juiz, que deverá determinar: (i) prazo para alienação; (ii) forma de publicidade da venda; (iii) preço mínimo; (iv) condições de pagamento (v) eventuais garantias; e (iv) comissão de corretagem, se aplicável. Também será o juiz quem assinará, em conjunto com o adquirente e o executado (caso ele esteja presente), a carta de alienação e o mandado de imissão na posse, que representarão os títulos translativos da propriedade do bem imóvel, a serem registrados no Cartório de Registro de Imóveis competente, juntamente com o comprovante da quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Apesar de a alienação por iniciativa particular ter preferência sobre o leilão judicial, seu regramento se limita ao teor do disposto no artigo 880, ao passo que o leilão, modalidade tradicional de alienação no âmbito de ações judiciais, tem regulamentação bem mais robusta. Não existe disposição clara sobre a possibilidade de aplicação subsidiária dos dispositivos tratados para o leilão (por exemplo, se as pessoas impedidas de participar de leilão judicial, arroladas no artigo 890 do Código de Processo Civil, também não podem realizar a aquisição por iniciativa particular) nas alienações por iniciativa particular, o que gera dúvidas, além de tornar a mencionada venda quase que inteiramente regrada pelo juiz.

A título de ilustração, destacam-se algumas das principais lacunas da alienação por iniciativa particular:

  • Necessidade/exigência de o juiz tornar pública a oferta de alienação (por exemplo, por meio de edital) para verificar a existência de terceiros interessados;
  • Possibilidade expressa de o executado/devedor ou de terceiro interessado requerer a alienação, independentemente da manifestação de vontade do exequente; e
  • Critérios objetivos para o juiz estabelecer valor mínimo de venda (por exemplo, exigência de avaliação ou utilização da planta de valores do município, para o caso de imóveis urbanos).

De maneira geral, apesar da existência de diversas correntes doutrinárias, o posicionamento do Judiciário tem sido arrojado nesse sentido, permitindo a venda sem a necessidade de publicação de edital (o que, na prática, tornaria o processo moroso e o aproximaria do leilão tradicional). Além disso, o requerimento de alienação por parte do executado ou de terceiros, desde que com a anuência do exequente, tem sido permitido. Sem dúvida, o ponto mais controverso, no entanto, é o da avaliação do bem penhorado, para o qual a jurisprudência ainda não tem posicionamento sedimentado.

Além dos pontos destacados, sob a perspectiva imobiliária, uma das principais questões se refere à natureza da alienação por iniciativa particular. Isso porque, apesar de se tratar de uma venda no âmbito judicial, ela é requerida (na maioria das vezes) pelo polo ativo da ação, e os termos e as condições são estipulados pelo juiz da causa, que direciona todo o procedimento de alienação. Discute-se, assim, se eventuais ônus e/ou débitos de natureza propter rem existentes em relação ao imóvel seriam ou não oponíveis ao adquirente/arrematante da coisa, ainda que o procedimento ocorra totalmente na esfera judicial.

Em relação a esse tema, em 14 de fevereiro deste ano, ao julgar o Agravo em Recurso Especial 929.244-SP (que trata da oponibilidade de débitos de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU em face do adquirente), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que tal alienação é equiparável à hasta pública, haja vista que é “venda coativa da coisa penhorada, sob supervisão judicial, embora com procedimentos mais simples”. Dessa forma, estipulou que a alienação por iniciativa particular é modalidade de aquisição originária de bem imóvel, razão pela qual o adquirente recebe a coisa livre de ônus e débitos.

Outro ponto que merece destaque é a possibilidade de aplicar a alienação por iniciativa particular em ações trabalhistas. Em tais ações, o Código de Processo Civil é aplicado de forma subsidiária, mas o Decreto-Lei nº 5.452/43, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 888, também regulamenta o tema, só que de maneira diversa. O artigo estipula que a alienação particular é possível apenas caso não existam licitantes no leilão.

Nesse sentido, discute-se a prevalência do princípio da especialidade da lei trabalhista sobre a legislação suplementar posterior. O Judiciário vem se posicionando no sentido de permitir a aplicação do Código de Processo Civil, isto é, a venda particular antes da realização do leilão, focando na economia processual e na celeridade do procedimento, embora também exista corrente (minoritária) que defenda a aplicação da CLT.

Como exposto, a alienação por iniciativa particular visa conferir dinamismo aos processos judiciais, para tornar mais eficiente e menos burocrática a venda de bens penhorados. Contudo, a alienação coativa de bens pode esbarrar, em breve, nas lacunas legislativas e na divergência de entendimentos quanto à aplicação da legislação mais apropriada. Há risco de questionamentos e, consequentemente, de indesejável insegurança jurídica, especialmente para o adquirente de bem imóvel alienado nessas condições.