O governo do estado do Rio de Janeiro anunciou a intenção de investir R$ 400 milhões na construção e revitalização de distritos industriais no estado.

Este tipo de iniciativa não é isolado. Estados e municípios, muitas vezes por meio de entidades de economia mista chamadas de companhias de desenvolvimento, adotam essa estratégia para fomentar atividades empresariais de modo genérico (industriais ou de serviços, por exemplo) ou setoriais (tecnologia, têxtil, química, cerâmica etc.). Neste artigo, usamos genericamente o termo “distritos”.

Em geral, empresas de grande e médio porte são atraídas pela oferta de doação ou venda a menor custo de terrenos dentro do distrito. Também se interessam por incentivos fiscais relativos ao terreno, à construção da unidade fabril e à própria atividade empresarial.

A concessão de tais incentivos e benefícios tem um alto custo para o governo local, relacionados à desapropriação de imóveis para a criação do distrito, realização de obras de infraestrutura e renúncia fiscal por determinado período (como isenção ou desconto de ITBI e IPTU do imóvel ou ISS das obras).

Em contrapartida, as companhias de desenvolvimento locais impõem às empresas beneficiadas condições e encargos (cujo cumprimento é fiscalizado) para garantir que sua instalação no distrito, de fato, gere renda à população, fomente o comércio local e traga tributos ao erário público.

Se a empresa beneficiada não cumprir as condições e obrigações estabelecidas, ela pode sofrer penalidades financeiras, ter que arcar com indenizações e até fazer o pagamento retroativo de impostos incentivados ou ver revertida a doação ou venda dos bens adquiridos a menor custo.

Empresas interessadas em se instalar em distritos precisam tomar cuidados, portanto, ao adquirir imóveis, seja diretamente das companhias de desenvolvimento ou de terceiros que tenham adquirido os imóveis das companhias de desenvolvimento. Neste artigo, tratamos dos cuidados especiais em relação à aquisição de imóveis em distritos, adicionalmente àqueles que devem ser tomados em qualquer aquisição imobiliária.

Quem é o dono do imóvel?

Os imóveis que formam o distrito são, em geral, bens públicos. O regime geral de alienação de bens públicos exige a realização de licitação. Para que um imóvel em distrito possa ser alienado a particulares (seja por meio de doação, seja por meio de venda), deve haver lei específica autorizadora, deixando explícita a dispensa de licitação.

Também, é necessário confirmar se governo local ou a companhia de desenvolvimento detêm a propriedade do imóvel pretendido. Pode parecer óbvio que sim, mas não é incomum que os governos locais iniciem as tratativas e, até mesmo, firmem documentos relativos a imóveis dos quais ainda não são proprietários. Isso ocorre porque, em geral, os distritos são instalados em áreas desapropriadas (ou a serem desapropriadas) de terceiros.

Caso a desapropriação não tenha sido regularmente realizada ou concluída, a transferência do imóvel pelo governo local à empresa pode ser questionada. Já houve casos em que a empresa beneficiada, para conseguir realizar o registro do imóvel em seu nome, foi obrigada a pagar indenizações diretamente aos expropriados, diante da incapacidade financeira do governo local para concluir o processo de desapropriação.

Aspectos ambientais

O licenciamento ambiental do distrito industrial e eventuais condições a serem cumpridas pelos seus ocupantes também devem ser objeto de estudo aprofundado. Para isso, o estudo prévio do impacto socioambiental constitui instrumento valioso. Além da responsabilidade ambiental, não podemos esquecer do risco reputacional que problemas nessa esfera podem trazer, especialmente do ponto de vista da agenda ESG.

Infraestrutura adequada

Outro ponto de atenção refere-se ao estágio de instalação e operação do distrito em relação a infraestruturas, como acessos públicos, rede de água e esgotamento e de energia elétrica. Também em razão de incapacidade financeira, há casos em que os governos locais deixam de concluir essas obras nos prazos prometidos, ocasionando transtornos operacionais e custos adicionais às empresas instaladas no distrito.

Também é necessário entender se o distrito foi criado na forma de loteamento ou condomínio e se há rateio de despesas de manutenção de infraestruturas e equipamentos comuns, como portarias, jardinagem, sistema de segurança contra incêndio, enfermaria, administração etc.

Restrições de uso ou para alienação

Outro ponto bastante relevante são as possíveis limitações de uso ou do imóvel. Como já dissemos, muitos distritos são vocacionados a determinados usos industriais, de serviços ou setoriais. Nesses casos, pode haver proibição de uso diverso daquele estabelecido na lei de criação do distrito e em seus regulamentos. Não é raro que haja limitações construtivas também.

Além disso, sempre há regras bastante restritivas a uma posterior alienação, direta ou indireta, do imóvel pela empresa beneficiada a terceiros. As restrições mais comuns se referem à obtenção de anuência prévia e expressa do governo local e à comprovação de que houve cumprimento integral dos encargos assumidos pela empresa beneficiada.

De modo geral, a lei diz que é nula a transferência do imóvel realizada pela empresa beneficiada a terceiros sem a devida anuência do governo local. Em muitos casos, não são claras e objetivas as regras para que se obtenha tal anuência, o que gera espaço para certa discricionaridade dos órgãos. Esse é um ponto de atenção bastante relevante.

Encargos assumidos

Os encargos, em geral, se referem à construção da planta industrial, geração de empregos, capacitação de profissionais e realização de determinado volume de transações que gere determinada arrecadação de tributos ao município ou ao estado. Sempre há prazos definidos para o cumprimento de tais encargos.

É recomendável que as condicionantes a serem cumpridas pelo adquirente, o prazo de cumprimento e a obrigação de celebrar um termo de quitação pelo governo local sejam regrados de forma clara no título aquisitivo do imóvel e que, depois de cumpridas, tal termo de quitação seja devidamente averbado na matrícula do imóvel para se garantir a publicidade necessária e se evitar questionamentos futuros.

Caso se trate de uma aquisição secundária (não realizada diretamente do governo local), o potencial adquirente deve se preocupar em analisar os seguintes aspectos:

  1. A legislação que criou o distrito;
  2. O contrato aquisitivo original celebrado entre o governo local e o primeiro particular para verificar quais foram as condicionantes impostas, o prazo para seu cumprimento e as consequências em caso de descumprimento; e
  3. O termo de quitação para confirmar que todas as condicionantes impostas para a doação ou venda subsidiada do imóvel foram devidamente cumpridas.

Essas são apenas algumas recomendações e cautelas que devem ser observadas no momento da aquisição de imóvel localizado em distrito. Apesar da complexidade, esse não deixa de ser um negócio extremamente vantajoso para as empresas. É importante, apenas, que os interessados estejam cientes das peculiaridades desse tipo de transação e sejam bem assessorados para mitigar riscos.