Por Mariana Moschiar Almeida

Basta observar algumas das cidades mais pulsantes da atualidade para ver que a criatividade empreendedora parece ser inversamente proporcional ao espaço urbano disponível. Prova disso são os diversos projetos pelo mundo com novas maneiras de fazer melhor uso da cobertura das edificações ou lajes.

Alguns deles agregam à exploração econômica das lajes a ambiciosa proposta de repensar a função dos edifícios no contexto urbano. É o caso do Bosco Verticale de Milão, edifício todo coberto de árvores que, além de referência arquitetônica, funciona como um ar-condicionado natural, diminuindo a temperatura das unidades em dois a três graus centrígrados. Nessa mesma vertente, surgem os green spaces, coberturas de edificações destinadas a agricultura, florestas e espaços de convivência em uma tentativa de combater problemas atuais como a poluição e o aquecimento global. Há inúmeras empresas que instalam e operam fazendas urbanas no topo de edifícios em cidades como Boston e Chicago (EUA), Toronto (Canadá), Xangai (China) e Roterdã (Holanda).

Esse ideário de financiamento da economia verde tem impulsionado também o mercado de energia solar. Em Nova York, por exemplo, onde o público é sensível às questões ambientais, o alto preço da eletricidade, somado a incentivos fiscais e possibilidades de financiamento, tem elevado expressivamente a demanda por instalação de placas solares nos imóveis, seja individualmente ou pela criação de condomínios solares para a produção de energia diferida. Formatos como esses estão presentes em grandes quantidades, por exemplo, em Los Angeles, Maputo (Moçambique) e Hamburgo (Alemanha).

Outro setor em que os players estão se articulando e que deve passar por grandes transformações é o do transporte urbano aéreo. Graças ao fenômeno relativamente novo da entrega por drones, algo até então tido como futurista já é realidade em cidades da China, em Helsinki (Finlândia) e Lugano (Suíça). Estima-se que, em dois a três anos, esses equipamentos tomem o espaço aéreo urbano de cidades como Los Angeles, Londres e Singapura. Empresas do setor estão investindo centenas de milhões de dólares na construção de uma rede de infraestrutura de vertiports, locais de pouso de drones nos topos de edifícios de diversas cidades do mundo.

A demanda tem sido tão grande que edifícios reservam suas coberturas para essa finalidade com antecedência. A proposta dos vertiports é criar um hub de conectividade entre a área onde eles serão instalados e o restante da cidade. Eles servirão como pontos logísticos de distribuição de produtos e recepção de passageiros e prometem, com isso, agregar ao edifício um valor que vai muito além do uso da plataforma de pouso para benefício pessoal dos condôminos do edifício. Um agitado tráfego aéreo nas cidades parece ser uma realidade mais próxima do que se imagina.

Os exemplos acima são prova de um espaço urbano cada vez mais disputado e, nessa mesma medida, mais valioso. Dar nova destinação econômica a uma porção de um imóvel antes inutilizada, além de agregar valor à propriedade, intensifica o cumprimento de sua função social como parte integrante de uma cidade ordenada.

Esse conceito em nada é estranho ao ordenamento jurídico brasileiro que, pela Lei nº 13.465/2017 (até então objeto da Medida Provisória nº 759/2016), regulamentou em definitivo o direito real de laje, uma modalidade de direito de superfície pensada para legalizar assentamentos irregulares em razão dos inúmeros casos de habitações informais nos centros urbanos do país e da evidente necessidade de atribuir valor a esses imóveis como medida para inseri-los na cidade formal.

O direito de laje institui um direito real ao patamar que se sobrepõe ou subpõe a uma construção-base por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis, o que possibilita ao proprietário da laje, por exemplo, ofertá-la em garantia de uma linha de crédito. O novo imóvel passa a ter inscrição individualizada na prefeitura e, com isso, deve recolher tributos e submeter projetos à aprovação da municipalidade, tornando-se uma área computável aos registros do poder municipal e sujeita às normas administrativas e diretrizes urbanísticas. Assim, pela sua regularização, o novo imóvel-laje passa a ser mais seguro e a ter maior valor de mercado, gerando um ganho a todos os agentes envolvidos: o proprietário/contribuinte, o poder municipal e a sociedade como um todo.

Resguardadas aqui as possíveis ponderações jurídicas ao instituto, o direito de laje serve como ferramenta para que o proprietário de um imóvel individualize sua laje para exploração, sem que a lei faça restrição quanto à forma ou finalidade dessa exploração. O diploma legal prevê, inclusive, que o proprietário possa individualizar a laje de seu imóvel, ainda que mantendo para si a titularidade. Assim é possível que o titular da laje e da construção-base sejam a mesma pessoa.

Ora, não funcionaria o instituto igualmente como forma de gerar valor nos exemplos de exploração acima? Seria possível pensar o direito de laje como uma ferramenta aceleradora de oportunidades nesse cenário atual de surgimento de novas demandas e soluções dinâmicas?

Sem dúvida, um grande entrave a essa concretização surge da efetiva operacionalização do direito de laje. A priori, a laje deve ter acesso independente da construção-base, ter seu projeto de utilização submetido à aprovação municipal e seu contribuinte individualizado. Sua instituição depende, ainda, de outorga de escritura, recolhimento do imposto de transmissão e averbação na matrícula da construção-base. Em se tratando de um instituto recente, os registradores imobiliários têm ainda pouca familiaridade com ele, além de entendimentos divergentes e não consolidados quanto aos requisitos para seu registro, o que dá margem a uma abordagem subjetiva das ocasiões em que o direito de laje conseguirá ser efetivamente instituído.

Um longo caminho ainda precisa ser trilhado para que o direito de laje sirva como ferramenta eficaz. Ainda assim, a positivação da modalidade por si só evidencia uma mudança de mindset quanto ao uso do espaço urbano e quanto à importância de que esse espaço urbano integre a cidade formal.Essa abordagem é um caminho sem volta. Vivemos a era do adensamento, da verticalidade e da crescente preocupação com a sustentabilidade do meio urbano. Viabilizar a vida nesses centros passa necessariamente por atender a novas demandas, às vezes recorrendo a medidas multidisciplinares e inovadoras, as quais poderão ser alçadas à qualidade de “soluções” apenas quando sua implementação for economicamente viável. É de se concluir que tão importante quanto pensar soluções para as demandas urbanas da atualidade é desenvolver ferramentas capazes de operacionalizar o modelo de cidade que queremos construir.