A regularidade da utilização de espaços físicos em águas públicas é tão importante para alguns empreendimentos quanto a regularidade do registro da propriedade de um terreno na respectiva matrícula imobiliária.

Atualmente, a instalação e a utilização de estruturas náuticas em águas públicas federais no Brasil são regulamentadas pela Portaria nº 404/2012 da Secretaria do Patrimônio da União (Portaria SPU 404). Ela define quais estruturas estão sujeitas à regularização de posse por meio da celebração de um contrato de cessão onerosa com a SPU. Nessas estruturas náuticas, incluem-se conceitualmente as “obras molhadas” dos terminais portuários privados brasileiros.

Muito se discute sobre a legalidade dessa portaria, especialmente quanto à possibilidade de cobrança pelo uso das águas públicas, o que já é objeto da ADI 4819, ajuizada pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários no Supremo Tribunal Federal. Não obstante a judicialização do tema, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil e o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão têm procurado organizar o procedimento para regularizar o uso de águas públicas nos empreendimentos portuários, o que se evidencia timidamente com a publicação da Portaria Interministerial nº 1, de 18 de abril de 2017.

Ocorre que, na realidade dos empreendimentos portuários privados brasileiros, regulamentar o procedimento para pedido de uso de águas públicas em novos terminais é apenas um dos passos para solucionar os desafios que os operadores portuários enfrentam. A Portaria SPU 404 já não consegue abarcar a realidade desses terminais e, principalmente, as peculiaridades das atividades portuárias e de navegação.

Em primeiro lugar, a Portaria SPU 404 não é clara quanto ao valor a ser pago pelo uso das águas públicas. O texto normativo remete a uma tabela de preços públicos de difícil acesso, que impede o interessado de identificar de antemão o custo do uso de águas públicas.

Em segundo lugar, a Portaria SPU 404 – que não é voltada especificamente para empreendimentos portuários, mas sim para todas as situações que exijam a instalação de estruturas náuticas em águas públicas federais – não é clara na divisão do que são estruturas náuticas e do que são estruturas utilizadas meramente para apoio à atividade de navegação. Por exemplo, o interessado que precisar alocar estruturas para fundeio de embarcações deverá não apenas solicitar a aprovação da autoridade marítima, pois se trata de atividade atrelada à navegação, mas também solicitar a cessão onerosa das respectivas águas públicas federais à SPU, ainda que a alocação de estruturas seja realizada para garantir maior segurança à navegação e ao fundeio de suas embarcações e das demais empresas de navegação que atuam na região.

O grande desafio, nesse contexto, é ter uma norma que garanta segurança jurídica aos empreendedores e que indique claramente quanto isso custará, quais estruturas estão sujeitas à aprovação da SPU, quais estruturas estão sujeitas à cessão onerosa e quais estruturas são meramente relacionadas à atividade de navegação e, portanto, de competência da autoridade marítima. É importante ainda que a norma indique quais são as hipóteses de licitação (e de sua dispensa) e o critério utilizado para ceder determinado espaço a um operador e não a outro, especialmente quando o terminal já estiver autorizado pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

Nesse cenário, a norma que trata da posse de águas públicas – que, reitera-se, é tão relevante quanto a posse e a propriedade dos respectivos terrenos – deve acompanhar a realidade das atividades que atinge. No caso dos terminais portuários, especialmente, o desafio é esclarecer a divisão de competências entre órgãos federais, o que justifica, inclusive, a edição de norma específica para esse tema.

Enquanto isso não ocorre, as empresas do setor acabam esbarrando em sérias dificuldades para se enquadrarem nas normas fundiárias aplicáveis e funcionarem de forma regular, o que gera incertezas operacionais e insegurança jurídica para o setor.