Com a publicação da Lei Federal nº 13.786/18 (Lei dos Distratos), o legislador procurou encerrar a discussão sobre o percentual justo e razoável que poderia ser retido por incorporadoras imobiliárias no caso de desfazimento dos contratos de venda e compra por mera vontade do comprador ou por inadimplemento no pagamento do preço de aquisição.

A lei claramente definiu o limite de retenção máxima em 25% (ou 50%, para os casos em que houver patrimônio de afetação) do valor pago pelo adquirente, acrescido do valor da comissão de corretagem. Não foi indicado, no entanto, qual seria o regime aplicável aos contratos celebrados antes da vigência da lei, que muitas vezes previam percentuais mais altos (chegando a 70% em alguns casos).

Diante dessa dúvida, o Ministério Público do Estado de São Paulo propôs perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2017, ação coletiva de consumo[1] sobre a abusividade de cláusulas que estipulam retenções entre 50% e 70% do valor pago pelos consumidores. A ação foi levada à Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e julgada no âmbito do Recurso Especial 1820330/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi.

Contrariando as previsões sobre a aplicação da Lei dos Distratos como referência legal e de forma analógica (considerando que havia sido publicada após a celebração dos contratos discutidos, mas que tratava integralmente do tema), a ministra estabeleceu que “o percentual de 25% engloba, inequivocamente, todas as indenizações que devem ser garantidas à vendedora no rompimento do contrato por culpa do consumidor”. Em outras palavras, além de reduzir os percentuais contratuais no caso concreto (o que está de acordo com o critério da legislação mais atual), o STJ incluiu, nesse mesmo limite, a comissão de corretagem, entendendo que se trata de custo de responsabilidade do vendedor da unidade (ainda que contratualmente a obrigação de pagar a comissão seja transferida ao adquirente, conforme entendimento firmado pelo Tema 938/STJ).

O tema é delicado e a solução do STJ é discutível. Mesmo considerando que já era comum a redução de percentuais de retenção em casos de abuso contratual comprovado e que a adoção do critério da lei mais recente pode ser uma saída em determinados casos, o STJ, ao incluir a comissão de corretagem nesse montante, acabou por adotar uma solução mais onerosa para as incorporadoras do que a própria legislação, considerando que a Lei dos Distratos permite a retenção da comissão de corretagem adicionalmente ao percentual de 25%.

Ainda que a decisão possa servir de parâmetro para futuros julgados no próprio STJ ou nos tribunais de justiça estaduais, ela não pacificou o assunto e não necessariamente se aplica a todos os demais processos que discutem o tema. Em outras palavras, ainda não é possível definir os rumos da jurisprudência sobre o tema nem definir a aplicabilidade, por analogia, dos parâmetros trazidos pela Lei dos Distratos para os contratos firmados antes do início de sua vigência.

[1] 1053043-30.2017.8.26.0100