A Câmara dos Deputados aprovou, em 29 de novembro, o texto-base do Projeto de Lei 7.082/17 (PL 7.082/17), que pretende criar um marco legal para pesquisa clínica com seres humanos no Brasil, além de estabelecer diretrizes éticas e controle de boas práticas por meio de comitês de ética em pesquisa (CEPs).

O projeto de lei agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) do Senado e, na sequência, vai ao plenário.

Como regra geral, pesquisas clínicas são estudos que têm como objetivo a descoberta ou confirmação de fatores de risco de doenças, novas indicações terapêuticas, reações adversas e/ou de efeitos em uma determinada terapia (inclusive gênica ou celular), técnica, medicamento e/ou dispositivo médico.

O propósito desse tipo de pesquisa é avaliar aspectos envolvendo qualidade, eficácia e segurança do produto em voluntários humanos. As principais etapas envolvem:

  • Etapa pré-clínica: manipulação de células e/ou animais para verificar a viabilidade de uma substância ou produto se tornar uma nova terapia, conhecer os mecanismos de ação e avaliar o potencial de toxicidade.
  • Etapa clínica: realizada em seres humanos com o objetivo de testar progressivamente a segurança e a eficácia da nova terapia, dividindo-se em:
  • Fase 1 (grupo de 20 a 100 participantes) – Avalia a segurança da terapia em caráter preliminar.
  • Fase 2 (grupo de 100 a 300 participantes com determinada doença e/ou condição) – Analisa a eficácia e possíveis efeitos adversos da molécula, substância ou produto.
  • Fase 3 (grupo de 800 ou mais pacientes com determinada doença e/ou condição) – Avalia a vantagem terapêutica, estabelece indicações, contraindicações, dosagens e vias de administração, entre outros.

Na prática, os resultados dessas pesquisas devem ser submetidos às agências sanitárias de cada país (no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa), para regularização e comercialização do produto, conforme aplicável.

Além disso, essas evidências também podem ser analisadas no contexto da avaliação de tecnologias em saúde (ATS) para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) ou no rol de procedimentos de cobertura obrigatória por planos de saúde estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Essa análise considera aspectos de custo-efetividade, necessidade e impacto financeiro/orçamentário.

Há ainda a possibilidade de uma fase 4 de pesquisa, após a comercialização, quando a terapia já é utilizada por centenas ou milhares de pacientes. A finalidade é coletar e tratar dados do mundo real (Real World Data – RWD), elaborar evidências de mundo real (Real World Evidence – RWE), monitorar ações de farmacovigilância e pesquisar novas indicações.

Em termos práticos, o Brasil já tem um sistema de pesquisa clínica estruturado que inclui o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e comitês de ética em pesquisa (CEPs) estabelecidos em hospitais, centros de pesquisa e instituições acadêmicas.

O PL 7.082/17, porém, pretende trazer segurança jurídica, além de um lastro legal, para a regulação e fiscalização de instituições públicas e privadas que realizam pesquisa com seres humanos no Brasil.

Espera-se também que esse novo marco legal traga previsibilidade e mais atratividade para a realização de estudos internacionais, impulsionando o desenvolvimento técnico e científico.

Confira a seguir os principais pontos do projeto de lei.

Definições e aspectos operacionais

De acordo com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, a pesquisa com seres humanos inclui o manejo de seus dados, informações ou material biológico, de forma direta ou indireta, podendo ser dividida em três categorias:

  • Pesquisa científica, tecnológica ou de inovação – Estudo que tem interação com o ser humano (de forma individual ou coletiva), de maneira direta, sem o objetivo de registrar o produto sob pesquisa.
  • Pesquisa clínica – Conjunto de procedimentos científicos desenvolvidos de forma sistemática com o objetivo de:
    • avaliar a ação, a segurança e a eficácia de medicamentos, produtos, técnicas, procedimentos, dispositivos médicos ou cuidados à saúde, para fins preventivos, de diagnóstico ou terapêuticos;
    • verificar a distribuição de fatores de risco, doenças ou agravos na população;
    • avaliar os efeitos de fatores ou estados sobre a saúde.
  • Ensaio clínico – Tem a finalidade de descobrir ou confirmar os efeitos clínicos, farmacológicos ou qualquer outro efeito farmacodinâmico do medicamento experimental, identificar qualquer reação ao medicamento ou estudar sua absorção, distribuição, metabolismo e excreção, para que seja analisada e verificada a ação, segurança e eficácia de medicamento experimental.

Nesses casos, será preciso submeter um protocolo de pesquisa à análise ética prévia, a ser realizada em instância única pelo comitê de ética em pesquisa (CEP), acabando com a revisão dupla feita pela Conep, que hoje ainda ocorre em casos específicos.

Assim como em outros países, o estudo continuará a ser previamente avaliado pelos CEPs, considerando princípios éticos, como proteção da dignidade; embasamento em relação risco-benefício (individual e/ou coletivo) favorável ao sujeito de pesquisa; participação voluntária; evitar danos previsíveis; e respeito à dignidade, segurança e bem-estar.

O PL 7.082/17 prevê ainda que um órgão para registro, fiscalização e capacitação de CEPs será criado pelo Poder Executivo em um prazo de até dois anos.

Outra lacuna regulatória que será suprida diz respeito ao estabelecimento de um prazo máximo de 30 dias para deliberação pelos CEPs, exceto quando se tratar de pesquisa de interesse estratégico para o SUS, que terá prioridade e contará com procedimentos especiais de avaliação. Para análises sanitárias pela Anvisa para fins de registro sanitário do produto sob investigação, o prazo máximo poderá variar entre 90 e 120 dias.

Fornecimento pós-estudo

De acordo com o texto-base aprovado na Câmara, antes do início do ensaio clínico, o patrocinador da pesquisa e respectivo pesquisador deverão submeter ao CEP um plano de acesso pós-estudo.

Esse plano deverá conter detalhes sobre a necessidade ou não de fornecer gratuitamente o produto investigado, quando terminar o ensaio clínico. A obrigação caberá ao patrocinador, desde que seja considerada a melhor terapia ou tratamento para a condição clínica do participante da pesquisa.

Diferentemente do que prevê hoje o regulamento do CNS, esse fornecimento poderá ser interrompido nas seguintes situações:

  • decisão do próprio participante da pesquisa;
  • cura da doença ou agravo à saúde objeto do ensaio clínico;
  • introdução de alternativa terapêutica satisfatória;
  • quando o uso continuado do medicamento experimental não trouxer benefício ao participante da pesquisa;
  • quando houver reação adversa que inviabilize a continuidade do medicamento experimental, mesmo diante de eventuais benefícios;
  • impossibilidade de obtenção ou fabricação do medicamento experimental por questões técnicas ou de segurança, desde que o patrocinador forneça alternativa terapêutica equivalente ou superior existente no mercado;
  • após cinco anos da disponibilidade comercial do medicamento experimental no Brasil; ou
  • quando o medicamento experimental estiver disponível no SUS.

Indenização

O PL 7.082/17 inova ao estabelecer que, no caso de pesquisas patrocinadas por governos, agências governamentais nacionais ou internacionais ou instituições sem fins lucrativos, a instituição brasileira colaboradora poderá assumir e isentar as responsabilidades de um ou mais patrocinadores que participem da pesquisa da obrigação de indenizar e prestar assistência à saúde por eventuais danos causados.

Pontos em aberto

Outros pontos operacionais que deverão ser contemplados em regulamento a ser emitido pelo órgão regulador incluem:

  • disponibilização de informações sobre a pesquisa em site eletrônico de acesso público;
  • definição de procedimentos operacionais padrão e de boas práticas;
  • regras para biobancos e biorepositórios;
  • cláusulas obrigatórias para contratos de pesquisa clínica;
  • definição de grupos especiais;
  • procedimentos para suspensão ou extinção de CEPs;
  • regras de monitoramento para pesquisas;
  • definição sobre informações e procedimentos de análise ética pelos CEPs;
  • criação de um cadastro nacional de voluntários em estudos de bioequivalência;
  • requisitos para elaboração e implementação de programa de fornecimento pós-estudo ou continuidade do tratamento experimental;
  • especificidades das pesquisas em ciências humanas e sociais;
  • funcionamento de comitês de ética independente (CEI).