O Parecer de Orientação CVM nº 38, editado no dia 25 deste mês, trata dos deveres fiduciários dos administradores no âmbito dos contratos de indenidade celebrados entre as companhias abertas e seus administradores (diretores, membros do conselho de administração ou fiscal, membros de comitês estatutários, entre outros).

Essa modalidade de contrato visa assegurar o pagamento, reembolso ou adiantamento de despesas decorrentes de possíveis processos arbitrais, cíveis ou administrativos instaurados para investigar atos praticados no exercício das funções dos administradores. Não previsto na lei societária brasileira, esse instrumento é livremente estipulado entre as partes e deve sempre respeitar o interesse social da companhia.

Nos últimos anos, os sucessivos casos de corrupção envolvendo companhias brasileiras levaram as seguradoras a elevar os prêmios e diminuir as coberturas relacionadas aos seguros D&O ou até mesmo descontinuar a oferta dessa modalidade de seguro no Brasil. Nesse cenário, o contrato de indenidade passou a ser visto como alternativa viável para proteger os administradores de companhias que são foco de investigações.

Ocorre que, ao contrário dos seguros D&O, nos quais a companhia paga apenas um prêmio em contrapartida à indenização oferecida pela seguradora, os contratos de indenidade podem trazer elevado impacto financeiro para a empresa na hipótese de materialização de um evento por ele coberto, pois a obrigam a efetivamente desembolsar recursos para suportar o risco do administrador (seja por meio de antecipação de valores ou reembolso). Tais instrumentos também suscitam riscos relevantes de conflitos de interesses, pois sua aprovação geralmente é feita pelos órgãos da administração que, em última instância, serão os principais beneficiários dos contratos.

Nesse contexto, o novo parecer de orientação da CVM, ao mesmo tempo que reconhece o valor do contrato de indenidade como instrumento legítimo de atração e retenção de profissionais qualificados, recomenda a adoção de regras e procedimentos que visem garantir o cumprimento, pelos administradores, dos deveres fiduciários que a Lei nº 6.404/76 a eles atribui, a fim de mitigar os riscos de conflitos de interesses inerentes a esse tipo de contratação e conferir “o necessário equilíbrio entre, de um lado, o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções, no âmbito de processos administrativos, arbitrais ou judiciais e, de outro, o interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles esperados e exigidos por lei”.

O parecer de orientação prevê que não são passíveis de indenização, entre outras, despesas decorrentes de atos dos administradores praticados:

  • fora do exercício de suas atribuições (atos ultra vires);
  • com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou
  • em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento de interesse social da companhia, incluídos os valores relativos a indenizações decorrentes de ações de responsabilidade ou oferecidas no âmbito de termos de compromisso.

A CVM recomenda que as exceções acima estejam expressamente previstas no contrato de indenidade e, uma vez que o administrador solicite algum desembolso por parte da companhia, a averiguação sobre a incidência no caso concreto ocorra antes da decisão sobre a sua concessão.

Caso sejam realizados adiantamentos de despesas pela companhia antes da decisão final no âmbito arbitral, judicial ou administrativo, o administrador estará obrigado a restituir os valores recebidos nos casos em, após a decisão final, restar comprovado que o ato praticado pelo administrador não é passível de indenização.

Sobre a competência decisória para a concessão da indenização, o parecer de orientação estabelece que a administração da companhia deve se certificar de que o contrato inclua regras claras e objetivas, especificando:

  • o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma das ilicitudes mencionadas acima; e
  • os procedimentos que serão adotados para afastar a participação de administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação mencionado no item acima, nos termos do artigo 156 da Lei nº 6.404/76.

Os administradores deverão, no caso concreto, avaliar a existência de conflitos de interesses e a adoção de procedimentos adicionais para proteger a independência das deliberações sobre a concessão da indenização, que sempre deverão ser tomadas no interesse da companhia.

A CVM entende que procedimentos adicionais de governança que reforcem a independência das decisões e a orientação no interesse exclusivo da companhia, como o encaminhamento do assunto para deliberação em assembleia geral, devem ser considerados nas situações em que:

  • mais da metade dos administradores sejam beneficiários diretos da deliberação sobre o dispêndio de recursos;
  • houver divergência de entendimento sobre o enquadramento do ato do administrador como passível de indenização; ou
  • a exposição financeira da companhia se mostre significativa, considerando os valores envolvidos.

A CVM considera ainda que o envolvimento dos acionistas na decisão sobre a celebração de determinados contratos tem o potencial de mitigar conflitos de interesses e decisões tomadas contrariamente ao interesse social da companhia, além de garantir a devida divulgação dos seus principais termos e condições. A participação dos acionistas poderia se dar por meio, por exemplo, da inclusão de disposição estatutária que autorize a companhia a indenizar seus administradores ou da submissão dos termos e condições gerais da minuta do contrato à assembleia geral.

Adicionalmente, a CVM recomenda que, no mínimo, as seguintes informações sobre compromissos de indenidade assumidos sejam divulgadas pela companhia:

  • Se há previsão estatutária sobre a indenidade e, em caso afirmativo, seus termos;
  • Se o contrato terá que prever valor-limite para a indenização oferecida e, em caso positivo, qual é esse valor;
  • O período de cobertura que poderá ser abrangido pelo contrato;
  • Os administradores que poderão celebrar contrato de indenidade com a sociedade;
  • As hipóteses excludentes do direito à indenidade;
  • Os tipos de despesa que poderão ser pagas, adiantadas ou reembolsadas com base no contrato; e
  • Os procedimentos relativos às decisões quanto ao pagamento, reembolso ou adiantamento de despesas decorrentes do compromisso de indenidade, indicando: (i) órgão da companhia que será responsável pelas decisões referentes à sua concessão; e (ii) regras e procedimentos que serão adotados para mitigar conflitos de interesses, garantir a independência das decisões e assegurar que elas sejam tomadas no interesse da companhia.

Ainda no parecer de orientação, a CVM considera desejável que a celebração do contrato de indenidade seja respaldada por prévio parecer circunstanciado elaborado pela diretoria e aprovado pelo conselho de administração da companhia, explicitando as razões pelas quais entendem que os termos e condições do contrato mitigam os riscos de conflitos de interesses a ele inerentes.

Sobre o meio para a divulgação, a CVM recomenda que os contratos de indenidade (acompanhados de eventuais anexos) sejam encaminhados, em até sete dias úteis a contar de sua assinatura, ao sistema eletrônico disponível na página da autarquia. Já foi criada a categoria “Contratos de Indenidade” no Módulo IPE do Sistema Empresas.Net para o envio dos referidos contratos.

Embora o parecer não tenha força normativa, é recomendável que suas disposições sejam seguidas pelas companhias a fim de reduzir o risco de ações investigativas e/ou punições que possam ser impostas por parte da CVM.

·         o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma das ilicitudes mencionadas acima; e

·         os procedimentos que serão adotados para afastar a participação de administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação mencionado no item acima, nos termos do artigo 156 da Lei nº 6.404/76.