A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou no fim de junho quatro novas normas que instituem um novo marco regulatório para os procedimentos relacionados à atuação sancionadora da autarquia. A primeira delas foi a Instrução CVM nº 607, de 18 de junho. Seguiram-se a ela, uma semana depois, as Instruções CVM nº 608 e 609, que atualizam o regime e os valores relacionados às multas cominatórias, consolidando os valores de multa aplicáveis em uma única norma, e a Deliberação CVM nº 819, que altera procedimentos aplicáveis aos recursos apresentados ao colegiado do órgão contra decisões emitidas pelos seus superintendentes.

Com a iniciativa, a CVM sistematizou disposições antes esparsas em diversas deliberações e instruções em uma única norma sobre processos administrativos sancionadores no âmbito da sua atuação. Foram revogados os seguintes normativos: (i) Deliberação CVM nº 390/01, sobre celebração de Termo de Compromisso; (ii) Deliberação CVM nº 538/08, sobre processos administrativos sancionadores; (iii) Deliberação CVM nº 542/08, sobre a adoção de procedimentos preventivos e orientadores no âmbito da atividade fiscalizadora da CVM; (iv) Deliberação CVM nº 552/08, sobre a Deliberação CVM nº 538/08; (v) Deliberação CVM nº 775/17, a respeito do rito simplificado de processo administrativo sancionador no âmbito da CVM; e (vi) Instrução CVM nº 491/11, sobre hipóteses de infração grave, nos termos do § 3º do art. 11 da Lei nº 6.385/76.

A sistematização do conteúdo relativo aos processos administrativos sancionadores no âmbito da CVM busca essencialmente adequar a regulamentação às novas regras estabelecidas pela Lei nº 13.506/17 que, entre outras medidas, aumentou o limite máximo da pena de multa aplicável pela CVM e introduziu o acordo administrativo em processo de supervisão, reforçando o arcabouço regulatório de medidas que podem ser utilizadas pela CVM como órgão de supervisão do mercado de valores mobiliários no Brasil. Além disso, por meio da Instrução CVM 607, o regulador buscou conferir maior segurança jurídica aos regulados em relação ao rito dos procedimentos relativos à atuação sancionadora da CVM.

Desse modo, a Instrução CVM 607 buscou esclarecer, simplificar e objetivar, entre outras questões, as regras, procedimentos e prazos para prática dos atos processuais tanto pelos administrados como por parte da própria CVM, suas superintendências e a Procuradoria Federal Especializada. Além disso, a nova norma estabelece parâmetros objetivos para a instauração dos processos sancionadores e para a dosimetria das penas aplicáveis, definindo as penas-base, condições atenuantes e agravantes e seus impactos.

Alguns pontos específicos que analisaremos a seguir chamam atenção nesses parâmetros e devem ser considerados pelos administradores de companhias abertas e outras entidades sujeitas à supervisão da CVM.

Um dos principais pontos da Instrução CVM 607 é a preocupação de atender ao comando do § 4º do artigo 9º da Lei nº 6.385/76, conforme alterada pela Lei nº 13.506/17, no sentido de que a atuação sancionadora do órgão deve priorizar as infrações de natureza grave para proporcionar um maior efeito educativo e preventivo aos participantes do mercado.

No mesmo sentido, a norma deixa clara a discricionariedade das superintendências da CVM para, considerando as informações obtidas na investigação das infrações administrativas, deixarem de apresentar termo de acusação quando restar demonstrada a pouca relevância da conduta objeto da investigação ou a baixa expressividade da ameaça ou lesão aos bens jurídicos tutelados pelas normas infringidas. Fica a critério das superintendências também a possibilidade de utilizar outros instrumentos ou medidas de supervisão.

Embora se trate de uma análise subjetiva da CVM, a norma buscou estabelecer os parâmetros que deverão ser ponderados nessa avaliação da relevância da conduta ou expressividade da lesão, entre os quais: (i) o grau de reprovabilidade ou repercussão da conduta; (ii) a expressividade dos valores associados à conduta; (iii) a expressividade dos prejuízos causados a investidores e demais participantes do mercado; (iv) o impacto da conduta na credibilidade do mercado de capitais; (v) os antecedentes e boa-fé das pessoas envolvidas; e (v) o ressarcimento dos investidores lesados.

Assim, se por um lado a subjetividade da avaliação tira segurança jurídica do administrado, por outro a especificação dos fatores que devem ser levados em consideração permite ao administrado e seus advogados definir melhor a estratégia de defesa.

Outra questão que chama atenção na Instrução CVM 607 é a preocupação em tornar os ritos e prazos processuais claros. Nesse sentido, buscou-se estabelecer critérios transparentes e objetivos para citação, apresentação do termo de acusação, apresentação de defesa, requisição de produção de provas, julgamento dos processos, interposição de recursos, produção de efeitos das decisões e outras questões eminentemente processuais.

A contagem dos prazos foi unificada e alinhada às normas do Código de Processo Civil Brasileiro, diminuindo a divergência de entendimento entre as superintendências da CVM sobre o tema. A partir de agora, os prazos são contados exclusivamente em dias úteis, excluindo-se o primeiro dia e incluindo-se o último. Serão consideradas manifestações realizadas até as 23:59 do último dia do prazo.

De forma bastante eficiente, a norma possibilitou o uso de meios eletrônicos para a comunicação dos atos processuais do processo administrativo sancionador, estabelecendo a autuação e a tramitação dos processos exclusivamente por meio digital e mencionando os requisitos para citação e intimação das partes e para a contagem dos prazos.

Tais mudanças representam um ganho em segurança jurídica para atuação dos administrados em suas defesas.

Outro ponto que chama atenção é o enfoque especial ao princípio de direito administrativo sobre a convalidação dos atos administrativos. A norma permite inclusive a reformulação do termo de acusação quando não forem observados os requisitos a ele atinentes. Também deixa claro que a nulidade absoluta dos atos será excepcional.

Também merece destaque a aplicação do sigilo aos processos administrativos sancionadores, que passará a ser regra, contrariando preceito fundamental do direito de que os processos administrativos são públicos, podendo excepcionalmente tramitar em sigilo. Com a nova norma, somente as partes e seus procuradores terão acesso aos autos, e o acesso por terceiros deverá ser avaliado pelo relator.

A Instrução CVM 607 também instituiu critérios objetivos para a dosimetria das penas aplicáveis pela CVM, que passam a contar com bases bastante elevadas para as sanções pecuniárias e com atenuantes e agravantes objetivamente definidos para guiar o cálculo das penas finais. Desse modo, a norma confere maior previsibilidade às penas de acordo com o tipo de conduta e sua gravidade.

Para fixar as penas-base de multas com critério de limitação até R$ 50 milhões (há outros critérios para definição da multa, como três vezes a vantagem econômica obtida ou o dobro do prejuízo causado aos investidores, entre outros), a nova regra estabelece valores e limites distintos, a depender da natureza da infração. Para tanto, a CVM dividiu as infrações administrativas em cinco grandes grupos e instituiu para cada um deles um valor máximo para a pena-base. Seguem alguns exemplos de condutas e respectivos valores máximos da pena-base pecuniária:

  • Grupo I (infrações relacionadas à elaboração e manutenção dos livros sociais, não divulgação de informações periódicas e eventuais, entre outras): R$300.000;
  • Grupo II (não divulgação ou divulgação intempestiva de fato relevante, não elaboração ou elaboração de informações periódicas e eventuais em desconformidade com a regulamentação, entre outras): R$600.000;
  • Grupo III (infrações relacionadas à elaboração de demonstrações financeiras e ao descumprimento dos deveres fiduciários dos conselheiros fiscais, entre outras): R$3.000.000;
  • Grupo IV (infrações relacionadas ao exercício do direito de voto do acionista e do administrador em situação de conflito de interesses, entre outras): R$10.000.000; e
  • Grupo V (infrações relacionadas ao descumprimento dos deveres fiduciários dos administradores, ao abuso de poder de controle e do direito de voto e à utilização de informação ainda não divulgada ao mercado, entre outras): R$20.000.000.

Estabelecida a pena-base, é preciso verificar se existem circunstâncias atenuantes ou agravantes. Cada ocorrência de uma circunstância atenuante ou agravante implicará no acréscimo ou na redução da pena-base em até 25%.

São exemplos de circunstâncias agravantes: (i) a prática sistemática ou reiterada da conduta irregular; (ii) o elevado prejuízo causado; e (iii) a expressiva vantagem auferida pelo infrator, entre outras. São exemplos de circunstâncias atenuantes: (i) a confissão do ilícito ou a prestação de informações relativas à sua materialidade; (ii) os bons antecedentes do infrator; (iii) a regularização da infração; e (iv) a adoção efetiva de procedimentos internos de integridade e aplicação de códigos de conduta e ética, entre outras.

O colegiado da CVM considerará, ainda, para a dosimetria da pena eventuais sanções relativas aos mesmos fatos que já tenham sido ou venham a ser aplicadas por outras autoridades.

A nova norma traz também regras procedimentais a respeito do Termo de Compromisso e do Acordo de Supervisão, instituídos pela Lei nº 13.506/17.

A redação da Instrução CVM 607 dá a entender que haverá um endurecimento por parte do regulador quanto à aplicação de penas bem mais elevadas. Em razão disso, é importante incentivar a adoção efetiva de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito das companhias abertas submetidas a auditoria externa, pois esse é um aspecto considerado como circunstância atenuante na aplicação das penas previstas, podendo reduzi-las em até 25%.

É prudente, portanto, que as companhias abertas e seus administradores passem a adotar uma postura mais proativa em relação ao compliance com as normas da CVM a eles aplicáveis, incrementando suas estruturas de governança corporativa para prevenir o cometimento de infrações.

A Instrução CVM 607 entra em vigor em 1ºde setembro de 2019 e será imediatamente aplicável aos processos em curso, sem prejuízo dos atos que já tenham sido praticados até então. A Instrução CVM 608, por sua vez, entra em vigor em 1º de janeiro de 2020 e será aplicável às informações periódicas ou eventuais cujo prazo de entrega vença após a sua entrada em vigor, bem como em relação ao descumprimento de ordens específicas exaradas pela CVM após a mesma data. Por fim, a Instrução CVM 609 também entra em vigor em 1º de janeiro de 2020, alterando e acrescentando dispositivos em diversas outras instruções, inclusive na Instrução CVM nº 480/09, que estabelece as principais obrigações periódicas e eventuais aplicáveis às companhias abertas no Brasil.